Essa decisão do TRE/MT, impugnando Riva, é alvissareira e pode ser usada nos processos de figuras como Paulo Maluf, Jader Barbalho, Roriz e Renan Calheiros. Agora, José Riva pode trocar o registro de candidato nas eleições de 2014 pelo “privilégio” de ver finalmente julgados, numa só tacada, todos os processos que há 20 anos tramitam contra ele no Poder Judiciário.
O “LEADING CASE” JOSÉ RIVA (RCAND Nº 38023/2014)
Por Antonio Cavalcante e Vilson Nery*
Antes
de adentrar no mérito do artigo, justificamos o uso do anglicismo em
razão de que o termo “leading case” não tem o correspondente significado
na língua portuguesa. Nesse caso, vale o socorro da literatura
jurídica. Guido Fernando Silva Soares em sua obra “Common Law:
Introdução ao Direito dos EUA” (1ª ed., 2ª tir., RT, 1999, 40-42p.)
ensina que leading case é "uma decisão que tenha constituído em
regra importante, em torno da qual outras gravitam" e ao nascer para o
mundo jurídico "cria o precedente, com força obrigatória para casos
futuros".
Em
2006 o leading case foi o pedido de registro do então deputado federal
Eurico Miranda, do Rio de Janeiro, que na época pleiteava a reeleição
ao mesmo cargo, mesmo respondendo a diversos delitos previstos no
Código Penal.
O
TRE (Tribunal Regional Eleitoral) do Rio de Janeiro negara o registro
por unanimidade, e o candidato recorreu ao TSE. Numa votação apertada o
registro foi concedido, e foi criado o ambiente para a Lei da Ficha
Limpa, cuja coleta de assinaturas para o ante projeto começou em
seguida, e três anos depois o texto foi apresentado à Câmara Federal.
E
agora, em 2014, o candidato José Riva, de Mato Grosso, ofereceu uma
chance de ouro para que a Lei da Ficha Limpa se consolide como regra de
defesa da probidade administrativa, sendo permitido à Justiça Eleitoral
que faça a filtragem dos candidatos à luz de seu histórico, ou da vida
pregressa.
É o leading case da hora.
Ao
pedido de registro ao TRE houve a impugnação. Em defesa técnica, Riva
citou quatro casos de precedentes do Tribunal Superior Eleitoral, em
que aquela Corte supostamente dizia que, sé é negado registro ao
candidato que tenha sido condenado por ato doloso de improbidade,
gerado danos ao erário e ainda que tenha se enriquecido sem causa
lícita.
Se
equivocou. Os casos concretos citados não têm essas características, e
em nada se assemelham à situação jurídica de José Riva.
Foram
citados dois recursos de candidatos a deputado federal que tiveram o
registro negado pelo TRE de São Paulo, mas que haviam sido condenados
por terem contratado sem licitação, todavia o serviço fora prestado, não
havendo anos ao erário. Por inexistir improbidade qualificada o
registro lhes foi concedido.
Nos
dois outros casos citados, de uma vereadora de São João D’El Rey (MG) e
um edil de Caucaia (CE) também não hipótese de dano vultuoso. A
vereadora mineira Rosinha do Moto-taxi tinha sido condenado por compra
de votos na eleição de 2008, e teve o registro negado em 2012. Jurava
pobreza e inocência quanto à compra de votos, e mesmo vencendo o recurso
no TSE revelou que deixaria a vida pública. Seu colega cearense Louro
da Liseux havia sido condenado porque a Câmara Municipal de Caucaia
locou veículos, e o gasto de R$ 50.000 mil não foi precedido de
regularidade na contratação.
Portanto,
em nenhum precedente citado o recorrente foi ao TSE pedir registro de
candidatura após ter sido condenado em quatro decisões colegiadas de um
Tribunal de Justiça, por ato de improbidade, e que causou danos ao
erário e enriquecimento sem causa, resultando em suspensão dos direitos
políticos.
E
nessa situação está o candidato José Riva que, envaidecido e mal
orientado se lançou numa aventura jurídico-eleitoral. Além das quatro
condenações, consta que o mesmo responde a 180 ações de improbidade, e a
20 ações penais por peculato e lavagem de dinheiro.
Essa
“aventura jurídica” permitiu ao TRE de Mato Grosso negar o registro
por unanimidade e, além do bem lançado voto do relator Juiz Agamenon
Alcântara Junior, constar dos autos menção dos demais Juízes à
existência de uma organização criminosa que lesou os cofres públicos, de
que há clamor popular pela obediência à Lei da Ficha Limpa e de que
não são necessários requisitos cumulados para justificar a condenação
por improbidade administrativa.
Diz
o artigo 23 da Lei Complementar 64/90 (lei das inelegibilidades) que
“o Tribunal formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos
públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida,
atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou
alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura
eleitoral.”.
Assim agiu o TRE/MT.
E
o leading case José Riva pode também inaugurar um dispositivo ainda
não testado da Lei da Ficha Limpa, o artigo 26-B da LC 64/90.
É
que, se o recurso por ele manejado no TSE e sagrar vitorioso, um
“gatilho processual” vai disparar, ele disputa a eleição por sua conta e
risco, no entanto todos os processos em curso contra ele serão
julgados de imediato. Inclusive os 150 incidentes de suspeição contra
os Desembargadores do TJ/MT.
De
acordo com a Lei das Inelegibilidades, o tribunal ao qual couber a
apreciação do recurso contra as decisões colegiadas que se referem à
alínea “l” (do artigo 1º, LC 64/90) poderá, em caráter cautelar,
suspender a inelegibilidade sempre que existir plausibilidade da
pretensão recursal e desde que a providência tenha sido expressamente
requerida (artigo 26-C).
Assim,
ainda de acordo com a norma, conferido efeito suspensivo, o julgamento
do recurso terá prioridade sobre todos os demais (art. 26-C, § 1º). E
se mantida a condenação de que derivou a inelegibilidade serão
desconstituídos o registro ou o diploma eventualmente concedidos ao
recorrente (art. 26-C, § 2º).
Trocando
em miúdos, José Riva pode trocar o registro de candidato nas eleições
de 2014 pelo “privilégio” de ver finalmente julgados, numa só tacada,
todos os processos que há 20 anos tramitam contra ele no Poder
Judiciário.
Essa
decisão do TRE/MT é alvissareira, e pode ser usada nos processos de
figuras como Paulo Maluf, Jader Barbalho, Joaquim Roriz, Renan Calheiros
e outras figuras da política nacional.
Obrigado José Riva, pelo precedente!
Antonio Cavalcante e Vilson Nery são ativistas do MCCE (Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral) em Cuiabá/MT.
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