O silêncio da mídia permite bravatas meritocráticas a Aécio. E não só meritocráticas: ele se sente protegido o suficiente para falar em “decência” mesmo depois de construir, com dinheiro público, um aeroporto numa fazenda da família.
Aécio com o avô Tancredo
por : Paulo Nogueira
Meritocracia.
Uma das palavras mais pronunciadas por Aécio nesta campanha é esta, meritocracia.
Faz parte, se entendo, de um esforço de se colocar como um grande gerente. No jargão corporativo, meritocracia é uma palavra muito empregada, bem como outra do repertório de Aécio: previsibilidade.
Como todos sabemos, meritocracia é escolher alguém pelos seus méritos, e apenas por eles.
Num mundo menos imperfeito, a mídia teria tratado de verificar a trajetória de Aécio para ver como, no caso pessoal dele, se manifestou a meritocracia.
Convenhamos: ele é um forte candidato à presidência, e informações sobre sua carreira profissional têm, mais que nunca, um torrencial interesse público.
Mas este mundo é muito imperfeito – e a mídia mais ainda.
A inépcia — ou má fé — de jornais e revistas não impediu, no entanto, que viralizassem na internet documentos que mostram a rápida ascensão de Aécio.
Examinemos o papel da meritocracia em sua jornada, iniciada cedo. As informações estão no site da Câmara dos Deputados. Nenhum repórter teria que suar, portanto, para prestar um serviço relevante aos eleitores. (Aqui, o link.)
Aos 17 anos, Aécio foi nomeado secretário de gabinete parlamentar na Câmara dos Deputados. Seu pai, Aécio Cunha, era deputado federal pela Arena.
Segundo o site da Câmara, Aécio permaneceu nesta posição até os 21 anos.
Há, aí, um fato intrigante: conforme perfil feito pela insuspeita revista Época, Aécio fazia faculdade no Rio no mesmo período em que era secretário de gabinete.
Algum jornalista se interessou em esclarecer essa suposta ubiquidade meritocrática?
Mundo imperfeito, mundo imperfeito.
Aos 23 anos, de volta a Minas depois da estada no Rio, foi nomeado assessor pelo avô, o governador Tancredo Neves. Como avós sempre encontram méritos nos netos, Aécio poderia hoje dizer que ganhou o cargo graças à meritocracia.
Tancredo morreria em 1985, pouco antes de tomar posse como primeiro presidente civil depois da ditadura militar. (Ele vencera, ao lado do vice Sarney, eleições indiretas.)
Com Sarney na presidência, Aécio deu um salto. Aos 25 anos, era diretor da Caixa Econômica Federal.
O que o candidato Aécio diria, hoje, de um neto de político indicado para uma diretoria da Caixa aos 25?
Aparelhamento?
Como os jornais, que jamais trataram disso, falariam do caso se fosse um neto de Lula?
No Brasil, aparelhamento é quando os adversários fazem nomeações.
Quando você mesmo faz, é meritocracia. FHC nomeou seu genro diretor-geral da Agência Nacional de Petróleo, e o desnomeou depois do divórcio.
Serra deu emprego a Soninha e família na máquina estadual do PSDB.
Mas nada disso é aparelhamento.
A irmã de Aécio ocupa alto cargo público em Minas. O marido dela é peça-chave na campanha de Aécio. Um primo também. Cheque aqui, se tiver dúvida.
Tudo é meritocracia, naturalmente.
Graças à meritocracia à Aécio, Minas sob seu governo ficou em 22.o lugar entre os 27 estados brasileiros em crescimento econômico entre 2002 e 2010, segundo o IBGE.
O silêncio da mídia permite bravatas meritocráticas a Aécio. E não só meritocráticas: ele se sente protegido o suficiente para falar em “decência” mesmo depois de construir, com dinheiro público, um aeroporto numa fazenda da família.
Este silêncio é obsequioso, mas não gratuito. Caso Aécio se eleja, as grandes empresas de mídia podem se preparar para as copiosas quantidades de dinheiro público que choverão nelas em anúncios governamentais.
E em resposta à chuva de publicidade, o Brasil subitamente melhorará nas análises de Jabor, Merval, Míriam Leitão. A corrupção desaparecerá dos telejornais, dos jornais, das revistas. Se nem a compra da reeleição de FHC foi notícia, o que haverá de ser?
Como disse um genial economista conservador, “não existe almoço grátis”.
(Acompanhe as publicações do DCM no Facebook. Curta aqui).
Uma das palavras mais pronunciadas por Aécio nesta campanha é esta, meritocracia.
Faz parte, se entendo, de um esforço de se colocar como um grande gerente. No jargão corporativo, meritocracia é uma palavra muito empregada, bem como outra do repertório de Aécio: previsibilidade.
Como todos sabemos, meritocracia é escolher alguém pelos seus méritos, e apenas por eles.
Num mundo menos imperfeito, a mídia teria tratado de verificar a trajetória de Aécio para ver como, no caso pessoal dele, se manifestou a meritocracia.
Convenhamos: ele é um forte candidato à presidência, e informações sobre sua carreira profissional têm, mais que nunca, um torrencial interesse público.
Mas este mundo é muito imperfeito – e a mídia mais ainda.
A inépcia — ou má fé — de jornais e revistas não impediu, no entanto, que viralizassem na internet documentos que mostram a rápida ascensão de Aécio.
Examinemos o papel da meritocracia em sua jornada, iniciada cedo. As informações estão no site da Câmara dos Deputados. Nenhum repórter teria que suar, portanto, para prestar um serviço relevante aos eleitores. (Aqui, o link.)
Aos 17 anos, Aécio foi nomeado secretário de gabinete parlamentar na Câmara dos Deputados. Seu pai, Aécio Cunha, era deputado federal pela Arena.
Segundo o site da Câmara, Aécio permaneceu nesta posição até os 21 anos.
Há, aí, um fato intrigante: conforme perfil feito pela insuspeita revista Época, Aécio fazia faculdade no Rio no mesmo período em que era secretário de gabinete.
Algum jornalista se interessou em esclarecer essa suposta ubiquidade meritocrática?
Mundo imperfeito, mundo imperfeito.
Aos 23 anos, de volta a Minas depois da estada no Rio, foi nomeado assessor pelo avô, o governador Tancredo Neves. Como avós sempre encontram méritos nos netos, Aécio poderia hoje dizer que ganhou o cargo graças à meritocracia.
Tancredo morreria em 1985, pouco antes de tomar posse como primeiro presidente civil depois da ditadura militar. (Ele vencera, ao lado do vice Sarney, eleições indiretas.)
Com Sarney na presidência, Aécio deu um salto. Aos 25 anos, era diretor da Caixa Econômica Federal.
O que o candidato Aécio diria, hoje, de um neto de político indicado para uma diretoria da Caixa aos 25?
Aparelhamento?
Como os jornais, que jamais trataram disso, falariam do caso se fosse um neto de Lula?
No Brasil, aparelhamento é quando os adversários fazem nomeações.
Quando você mesmo faz, é meritocracia. FHC nomeou seu genro diretor-geral da Agência Nacional de Petróleo, e o desnomeou depois do divórcio.
Serra deu emprego a Soninha e família na máquina estadual do PSDB.
Mas nada disso é aparelhamento.
A irmã de Aécio ocupa alto cargo público em Minas. O marido dela é peça-chave na campanha de Aécio. Um primo também. Cheque aqui, se tiver dúvida.
Tudo é meritocracia, naturalmente.
Graças à meritocracia à Aécio, Minas sob seu governo ficou em 22.o lugar entre os 27 estados brasileiros em crescimento econômico entre 2002 e 2010, segundo o IBGE.
O silêncio da mídia permite bravatas meritocráticas a Aécio. E não só meritocráticas: ele se sente protegido o suficiente para falar em “decência” mesmo depois de construir, com dinheiro público, um aeroporto numa fazenda da família.
Este silêncio é obsequioso, mas não gratuito. Caso Aécio se eleja, as grandes empresas de mídia podem se preparar para as copiosas quantidades de dinheiro público que choverão nelas em anúncios governamentais.
E em resposta à chuva de publicidade, o Brasil subitamente melhorará nas análises de Jabor, Merval, Míriam Leitão. A corrupção desaparecerá dos telejornais, dos jornais, das revistas. Se nem a compra da reeleição de FHC foi notícia, o que haverá de ser?
Como disse um genial economista conservador, “não existe almoço grátis”.
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Sobre o Autor
O jornalista Paulo Nogueira é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.
Leia mais
Há uma diferença radical de trajetórias entre Aécio Neves e Dilma Rousseff e também entre a maneira como eles reivindicam as suas biografias.
Katarina Peixoto
DILMA E AÉCIO, DOS 17 AOS 21
Há uma diferença radical de trajetórias entre Aécio Neves e Dilma Rousseff e também entre a maneira como eles reivindicam as suas biografias.
Dos 17 aos 21 anos, Aécio Neves vivia no Rio com a família. Seu pai
chegou a ser deputado federal da Arena, partido sustentáculo da
ditadura. Segundo o site da Câmara dos Deputados, neste período, ele
teve um cargo de secretário de gabinete parlamentar na Câmara Federal,
localizada em Brasília, embora morasse no Rio.
Durante esses anos, conforme relatos publicados na imprensa brasileira, Aécio foi um "menino do Rio", que gostava de surfar, de festas e estudava em escolas de elite. Entre 1977 e 1981, período em que o Brasil vivia sob ditadura civil-militar, o jovem de família ligada à Arena, partido de sustentação da ditadura, gozou a vida enquanto o Brasil vivia sob o tacão de um regime ilegítimo.
Como todo regime autoritário, a ditadura brasileira tinha na oligarquia do país o seu sustentáculo da manutenção do poder via a censura e controle da imprensa (que só podia existir como cúmplice) e a força bruta: a tortura, a perseguição e o desaparecimento de dissidentes.
Dos 17 aos 21 anos, Dilma Rousseff resistia à ditadura civil-militar. Segundo ela mesma e os documentos da época, engajou-se na resistência armada que reagiu ao Ato Institucional nº 5 e foi, entre os 18 e 21 anos, barbaramente torturada, pelo governo que tinha, entre outros sustentáculos, a família do candidato Aécio, filho ele mesmo de um deputado da Arena.
Entre 1977 e 1981, Dilma Rousseff morava em Porto Alegre. Estudou, casou, teve uma filha, reerguendo a própria vida e tomando parte na resistência democrática e na luta pela reabertura do país, pelas eleições diretas, pela anistia, pelo fim da ditadura, pela democracia.
A trajetória de Dilma não começou em Porto Alegre, assim como a de Aécio não começou no gabinete de Sarney, onde esteve, por ser neto de Tancredo Neves.
Não é correto, a não ser que se defenda, como o candidato Aécio defende, a redução da maioridade penal, atribuir responsabilidade penal a adolescentes.
Mas é correto, quando se tem compromisso com a democracia, levar a memória, a história e as responsabilidades a sério. A origem social de ninguém, numa democracia, deve ser destino, e menos ainda garantia. Por isso, é inegável reconhecer esta diferença tão radical de trajetórias dos candidatos e da maneira como eles reivindicam as suas biografias; uma candidatura é representante da democracia e da luta histórica pela democracia; outra, da oligarquia e da luta histórica contra a democracia. Em nome dessa luta e de sua legitimidade histórica, é preciso que Aécio seja derrotado pela democracia.
Nota da Redação aos desavisados: é óbvio que Carta Maior não teve acesso às imagens do candidato Aécio quando jovem surfista no Rio. O grotesco é intencional, deliberado e atende a propósitos ostensivamente pedagógicos.
Durante esses anos, conforme relatos publicados na imprensa brasileira, Aécio foi um "menino do Rio", que gostava de surfar, de festas e estudava em escolas de elite. Entre 1977 e 1981, período em que o Brasil vivia sob ditadura civil-militar, o jovem de família ligada à Arena, partido de sustentação da ditadura, gozou a vida enquanto o Brasil vivia sob o tacão de um regime ilegítimo.
Como todo regime autoritário, a ditadura brasileira tinha na oligarquia do país o seu sustentáculo da manutenção do poder via a censura e controle da imprensa (que só podia existir como cúmplice) e a força bruta: a tortura, a perseguição e o desaparecimento de dissidentes.
Dos 17 aos 21 anos, Dilma Rousseff resistia à ditadura civil-militar. Segundo ela mesma e os documentos da época, engajou-se na resistência armada que reagiu ao Ato Institucional nº 5 e foi, entre os 18 e 21 anos, barbaramente torturada, pelo governo que tinha, entre outros sustentáculos, a família do candidato Aécio, filho ele mesmo de um deputado da Arena.
Entre 1977 e 1981, Dilma Rousseff morava em Porto Alegre. Estudou, casou, teve uma filha, reerguendo a própria vida e tomando parte na resistência democrática e na luta pela reabertura do país, pelas eleições diretas, pela anistia, pelo fim da ditadura, pela democracia.
A trajetória de Dilma não começou em Porto Alegre, assim como a de Aécio não começou no gabinete de Sarney, onde esteve, por ser neto de Tancredo Neves.
Não é correto, a não ser que se defenda, como o candidato Aécio defende, a redução da maioridade penal, atribuir responsabilidade penal a adolescentes.
Mas é correto, quando se tem compromisso com a democracia, levar a memória, a história e as responsabilidades a sério. A origem social de ninguém, numa democracia, deve ser destino, e menos ainda garantia. Por isso, é inegável reconhecer esta diferença tão radical de trajetórias dos candidatos e da maneira como eles reivindicam as suas biografias; uma candidatura é representante da democracia e da luta histórica pela democracia; outra, da oligarquia e da luta histórica contra a democracia. Em nome dessa luta e de sua legitimidade histórica, é preciso que Aécio seja derrotado pela democracia.
Nota da Redação aos desavisados: é óbvio que Carta Maior não teve acesso às imagens do candidato Aécio quando jovem surfista no Rio. O grotesco é intencional, deliberado e atende a propósitos ostensivamente pedagógicos.
Katarina Peixoto
No Carta Maior
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