Alguém pode imaginar um título como “Aécio Neves foi financiado por empresas investigadas na Lava Jato”? Ou “José Serra também recebeu doações de empreiteira na Lava Jato”?
Por Luciano Martins Costa
A semana do grande escândalo se encerra em tom de anticlímax, com os
jornais informando que a Justiça encontrou apenas 7% do que esperava
bloquear nas contas dos acusados no escândalo da Petrobras. O
rastreamento do dinheiro em bancos da Alemanha, Canadá, China, Estados
Unidos, Holanda, Uruguai e conhecidos paraísos fiscais encontrou contas
zeradas e apenas R$ 47,8 milhões, dos R$ 720 milhões estimados pela
contabilidade da investigação.
Perde impacto, portanto, a principal expectativa criada pela imprensa
em torno do caso que envolve as maiores empreiteiras do país. Por outro
lado, os jornais seguem manipulando dados do esquema de corrupção no
campo partidário.
A tentativa de concentrar as acusações no núcleo governista ganha um caso patético na reportagem publicada pela Folha de S.Paulo na sexta-feira (21/11), sob o título “Dono da UTC tinha contato com pessoas ligadas a PT e PSDB” (ver aqui).
Lá no pé do texto, o leitor paciente vai ficar sabendo que um desses
contatos era com um ex-executivo do Banco Itaú que coletou doações da
empreiteira para a candidatura do senador Aécio Neves (PSDB-MG) à
Presidência da República.
No dia anterior, a edição digital da Folha-UOL tinha publicado outro texto (ver aqui)
com o seguinte título: “Doações de investigadas na Lava Jato priorizam
PP, PMDB, PT e oposição”. Ali, o principal destaque vai para
parlamentares de menor expressão nacional, como três deputados do
Partido Progressista eleitos no Paraná, além de citação à senadora Katia
Abreu (PMDB-TO), que trocou recentemente a oposição pela bancada
governista.
O levantamento se concentra nos partidos da base aliada, e deixa em
segundo plano, no rodapé, figuras mais representativas, como as do
senador José Serra e Antônio Anastasia, ex-governador de Minas Gerais,
ambos do PSDB, além do deputado federal Ronaldo Caiado e seus colegas
recém-eleitos José Carlos Aleluia, Alberto Fraga e Alexandre Leite,
todos do Democratas.
Alguém pode imaginar um título como “Aécio Neves foi financiado por
empresas investigadas na Lava Jato”? Ou “José Serra também recebeu
doações de empreiteira na Lava Jato”?
A jogada da Folha de S.Paulo chega a ser ridícula, mas pior ainda é a edição dos outros jornais, ao omitir completamente a informação que a Folha tenta esconder, numa espécie de jornalismo envergonhado.
Os números da corrupção
É errado levantar suspeitas sobre todas as doações de campanha, mas,
sem o viés partidário que domina a mídia tradicional no Brasil, qual
seria a prática mais coerente com o bom jornalismo?
Em condições normais de sanidade nas redações, o principal destaque
iria para os nomes mais vistosos. Portanto, Aécio Neves, José Serra e
Antônio Anastasia seriam citados na abertura do texto, porque atrairiam
mais curiosidade do leitor. Por que, então, eles aparecem apenas no
rodapé?
Porque os editores sabem que não podem deixar de publicar toda a lista
que lhes caiu nas mãos, mas também não desconhecem que, nas redes
sociais, a maioria só vai ler o cabeçalho da reportagem.
No mais, o noticiário de sexta-feira (21) traz apenas relatos quase
burocráticos com informações, declarações e dados colhidos seletivamente
na rotina de vazamentos feitos pela polícia. Sem revelações
bombásticas, a semana chegaria ao fim laconicamente, não fosse um
corajoso artigo publicado também na Folha de S.Paulo pelo empresário Ricardo Semler (ver aqui),
que nos anos 1980 se celebrizou por implantar em sua indústria, de
maneira radical, os conceitos de gestão democrática e reengenharia
corporativa.
Filiado ao PSDB há muitos anos, Semler conta que a empresa que herdou
do pai, a Semco, deixou de vender equipamentos navais à Petrobras desde
os anos 1970, porque era impossível fazer negócios com a estatal sem
pagar propina. Além disso, observa, “o que muitos não sabem é que é
igualmente difícil vender para muitas montadoras e incontáveis
multinacionais sem antes dar propina para o diretor de compras”.
Semler lembra que em anos anteriores a corrupção roubava 5% do Produto
Interno Bruto do Brasil; esse índice caiu para 3,1% e agora é calculado
em 0,8% do PIB. “Onde estavam os envergonhados (que fazem passeatas) nas
décadas em que houve evasão de R$ 1 trilhão – cem vezes mais do que o
caso Petrobras – pelos empresários?”, questiona.
A novidade, de acordo com o articulista, é que os porcentuais da
propina caíram, o que, segundo ele, justifica o título instigante do
artigo: “Nunca se roubou tão pouco”.
Está aí uma boa pauta para as edições de domingo.
Fonte Observatório da Imprensa
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