Brasil: história e consciência negra
Ser trabalhador e negro no Brasil significa que além da exploração produtora de valor para outros, a opressão real se manifestará pela histórica caracterização da produção do ser menos
“... a história
nos engana/ Diz tudo pelo contrário / Até diz que abolição/Aconteceu no
mês de maio/A prova dessa mentira/É que da miséria não saio/ Viva vinte
de novembro/ Momento pra se lembrar/ Eu não vejo no treze de maio/ Nada
pra comemorar ...” (domínio público)
Brasil: história e consciência negra
Por Roberta Traspadini*
A história do Brasil se
caracterizou pela conformação da violência colonial europeia que, além
de branca, era masculina na sua construção de poder.
Para isto, foi
instituindo com força vil e adestramento cultural uma forma de ser para o
negro e para o índio, a partir daquilo que o dono dos sujeitos
definiria como civilização e trabalho.
Essa história, marcada a
fogo e a ferro pelo racismo, se apresentou como única, como a história
dos vencedores sobre os vencidos, e relegou os negros e os índios a um
papel subordinado, ocultando sua função produtora de vida para outros.
O Brasil colonial
aparece, em sua essência, como uma fase que oculta os reais processos de
opressão e exploração utilizados pelos donos do poder para calar – na
chibata e no tronco – os que se rebelavam contra a ordem dominante.
Essa capacidade de
transformar o aparente no real trouxe para nossa história uma perversa
essência de consolidação de estereótipos.
Estes estereótipos, para a
ordem dominante do progresso, consolidaram um poderoso antagonismo
sobre quem eram/são os civilizados/bárbaros, cultos/ignorantes,
belos/feios, homens e mulheres ao longo da história.
A construção desse
imaginário coletivo conformou uma lógica de não poder ser para uma parte
expressiva de nossa classe trabalhadora negra e índia. Seja na condição
de escravos ou na atual relação aparente de trabalhadores livres,
reforçada pela democracia restrita.
Instaurou-se uma liberdade condicionada para a sociedade como um todo, sobre ser e sentir-se menos, como índios e negros.
O suposto fim do período
colonial já havia assentado a centralidade das bases de consolidação da
ética-moral sobre o ser menos, como mecanismo vital de dominação de uma
classe sobre a outra.
A pele, os corpos, as
culturas dos negros e índios, já haviam entrado para a história a partir
da forma e do conteúdo dominantes, de exercer e manter o poder,
eliminando objetiva e subjetivamente o real poder/dever ser desta parte
integrante de nossa classe.
Na aparente consolidação
democrática do Brasil republicano, igualitário e libertário, se
consolidou a histórica essência dos valores éticos-morais da
desigualdade, manifesta na inserção subordinada desde um ser menos para
índios e negros.
Sob a aparente sociedade
democrática se funda, além da desigual conformação de classes, uma
relação ainda mais perversa de classificação sócio-cultural pelo gênero,
pela raça-etnia e geracional.
Ser trabalhador e negro
no Brasil significa que além da exploração produtora de valor para
outros, a opressão real se manifestará pela histórica caracterização da
produção do ser menos, quando em essência é ser mais.
Os mesmos postos de
trabalho, ocupados por trabalhadores com cores de pele diferentes,
conformarão um grau ainda mais perverso de exploração e opressão no
interior da nossa classe.
A classe que vive do trabalho está subordinada pelo poder econômico e político da classe que vive da exploração do trabalho.
No Brasil, entre os
explorados, ser mulher, ser negra e ser pobre, condiciona uma lógica de
poder que intensificará os perversos conteúdos de exploração do capital
sobre o trabalho no nosso território: a superexploração.
A liberdade desfigurada e
a exploração manipulada geram uma herança maldita, que não será
aniquilada ao menos que consigamos romper com a forma-conteúdo de
produzir mercadorias classificando o humano como objeto da relação, da
vida que ele produz.
O poder popular requer a
restauração do ser mais da classe que vive do trabalho, rompendo com a
estrutura de produção de vida em que o ser menos foi instituído como
forma de adestramento necessária à manutenção da ordem e do progresso
burgueses.
Segundo o último censo do
IBGE-2010, a população brasileira é de mais de 190 milhões
(190.755.799). Deste total, 43,1% se declarou preta (82.215.750) e 7,6%
parda (14.497.441). Somados, chegamos a quase 97 milhões de brasileiros.
Oxalá que a história
escrita e protagonizada por nós, a partir da luta organizada enquanto
classe trabalhadora, nos permita recuperar na memória, nossa real
história de ser mais, a partir da construção de um projeto nacional,
democrático e popular, que ponha fim ao domínio do capital sobre nosso
trabalho.
*Roberta Traspadini é economista, educadora popular e integrante da Consulta Popular/ES.
Fonte: Brasil de Fato
Saiba mais clicando abaixo:
Zumbi, mártir dos Palmares
Os quilombos ou mocambos eram territórios geoestratégicos que resultavam da fuga de negros das senzalas, onde sua mão-de-obra era escrava.O quilombo dos Palmares foi o que obteve maior expansão, longevidade e reputação, existiu entre 1605 e 1694 numa extensão territorial grande na Serra da Barriga - interior do que hoje é o estado de Alagoas -, e contou com uma população de aproximadamente vinte mil quilombolas.
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