Professora da UFRJ diz que cultura do 'ódiojornalismo' também aparece na retórica de colunistas que formam hoje uma espécie de “tropa de choque” ultraconservadora, como Arnaldo Jabor, Diogo Mainardi e Reinaldo Azevedo
Ivana Bentes, pesquisadora da UFRJ (reprodução)
A Pesquisadora Ivana Bentes, que é professora da linha de pesquisa
Tecnologias da Comunicação e Estéticas do Programa de Pós-Graduação em
Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), diz que
representantes da mídia adotaram a prática do “ódiojornalismo”.
Ivana Bentes, Instituto Unisinos
A primeira coisa que chama atenção na eleição presidencial de 2014,
que deu a vitória apertada à presidente Dilma Rousseff, é a profunda
ingerência de uma Mídia-Estado na cultura política, associada com
arcaísmos e anacronismos de um pensamento conservador que atravessa os
mais diferentes grupos e classes sociais. O resultado das eleições e os
discursos de ódio que afloraram não se explicam simplesmente “partindo” o
Brasil entre ricos e pobres ou muito menos entre regiões. É hora de
entender a porosidade e penetrabilidade desses discursos duais de
demonização do outro, minando um amplo campo social, e perceber novos
imaginários emergentes.
Chegamos ao clímax de uma campanha eleitoral que reflete uma cultura
de criminalização que produz uma ativa rejeição da política, apresentada
cotidianamente em narrativas midiáticas que ficcionalizam as notícias e
novelizam a política, com reiteradas associações da política e dos
políticos com corrupção, ilegalidade, traições, intrigas. Uma memética
negativa que afasta e despolitiza os muitos do que realmente está em
jogo: interesses econômicos, especulação contra a vida, a privatização
das riquezas, o moralismo e conservadorismo em que assujeitam minorias e
diferenças.
A fábrica de fatos e a produção da opinião pública
Essa cultura do “ódiojornalismo” e o estilo Veja também aparecem na
retórica dos articulistas e colunistas de diferentes jornais e veículos
de mídia que formam hoje uma espécie de “tropa de choque”
ultraconservadora (Arnaldo Jabor, Diogo Mainardi, Reinaldo Azevedo,
Merval Pereira, Demétrio Magnoli, Ricardo Noblat, Rodrigo Constantino,
são muitos), que alimentam uma fábrica de memes de uma ultradireita que
se instalou e trabalha para minar projetos, propostas, seja de programas
sociais, seja de ampliação dos processos de participação da sociedade
nas políticas públicas, seja de processos de democratização da mídia e
todo o imaginário dos movimentos sociais.
Essa demonização da política tornada cultura do ódio se expressa por
clichês e por uma retórica de anunciação de uma catástrofe iminente a
cada semana nas colunas dos jornais e que retroalimentam, com medo,
insegurança, ressentimento, uma subjetividade francamente conservadora
de leitores e telespectadores.
Se lermos os comentários das notícias e colunas nos jornais
(repercutidos também nas redes sociais), vamos nos deparar com um
altíssimo grau de discursos demonizantes, raivosos e de intolerância, à
direita e agora também à esquerda. Trata-se de uma redução do pensamento
aos clichês, memes e fascismo, extremamente empobrecedora, mas
incrivelmente eficaz.
Essa pedagogia para os microfascismos e a educação para a
intolerância podem ser resumidos na retórica que desqualifica e aniquila
o outro como sujeito de pensamento e sujeito político, o que fica
explícito na fala de alguns colunistas.
Um exemplo muito claro, inclusive no seu cinismo, é este trecho de
uma coluna do Arnaldo Jabor de 28/10/2014, pós-eleições. Com uma
argumentação pueril e assujeitante que coloca eleitores, nordestinos e
nortistas, pobres como “absolutamente ignorantes sobre os reais
problemas brasileiros”, em um cenário pós-eleições em que “nosso futuro
será pautado pelos burros espertos, manipulando os pobres ignorantes.
Nosso futuro está sendo determinado pelos burros da elite intelectual
numa fervorosa aliança com os analfabetos”.
Numa coluna anterior, de 14/10/2014, podemos ver como funciona essa
pedagogia calcada na construção de memes e clichês, a obsessão
anacrônica por Cuba e agora pelo “bolivarianismo” e o caráter ameaçador
que se dá a qualquer política pública contemporânea e modernizante que
tenha como horizonte a participação social:
“— Qual é o projeto do PT? — Fundar uma espécie de bolivarianismo
tropical e obrigar o povo a obedecer ao Estado dominado por eles. — Que é
bolivarianismo? — É um tipo de governo na Venezuela que controla tudo,
que controla até o papel higiênico e carimba o braço dos fregueses nos
supermercados para que eles só comprem uma vez e não voltem, porque há
muito pouca mercadoria.”
Trata-se de metáforas primárias, mas capazes de se difundir
velozmente em um “semiocapitalismo” para usar a expressão do ativista e
pensador italiano Franco Beraldi, inspirada em Félix Guattari, que tem
como base signos, imagens, enunciados que giram velozmente, viralizam,
comovem. Essa é a base tanto do ativismo, da publicidade social, quanto
do pensamento conservador. A questão é como desconstruir esses clichês e
trabalhar para que essas mudanças em curso se massifiquem a ponto de se
tornarem um novo comum.
De certa forma foi o que vimos em relação aos programas sociais. Não
será possível desmontá-los e desqualificá-los como se imaginava, pois o
acesso aos programas tem dois vieses: a entrada da chamada classe C ao
mundo do consumo, como consumidores simplesmente, mas ao mesmo tempo uma
politização do cotidiano, com a percepção de si como sujeito de
direitos e com uma interface com o Estado que não se reduz ao negativo,
carência e insuficiência de serviços.
A próxima desconstrução massiva da mídia se dará em torno das noções
de “participação popular”, “liberdade de expressão” e “controle social”,
buscando construir uma valoração negativa e associá-las a um projeto
autoritário de “menos democracia” e de restrição de direitos, quando se
trata justamente de redistribuir poder simbólico e capital midiático
pelos muitos. Uma operação que está em curso e que busca articular:
políticas de regulação da mídia com “censura” de conteúdos.
Fonte Pragmatismo Político
Visite a pagina do MCCE-MT