Pedir uma intervenção militar e violar o ordenamento jurídico brasileiro, além de grotesco e impensável contrassenso e retrocesso é, sobretudo, imperdoável desrespeito, provavelmente motivado pela ignorância, para com os heroicos brasileiros que deram seu sangue e suas vidas para a consolidação da democracia no Brasil.
QUANTO VALE UM MILHEIRO DE REACIONÁRIOS?
Por LULA MIRANDA
Num Estado Democrático de Direito, quanto vale uma manifestação com a
participação de cerca de mil indivíduos (note que não disse cidadãos)
numa grande cidade como São Paulo, com cerca de 12 milhões de
habitantes, na qual se tem a falta de bom senso de clamar por uma
estultice sem pé nem cabeça, fazendo-se apologia a um ato que afronta e
conspira para a derrocada desse mesmo Estado Democrático?
Não digo em uma hipotética/suposta "república de bananas", mas numa
Nação que é a 6ª ou 7ª economia do mundo e se pretende desenvolvida e,
mais que isso, líder mundial. Quanto vale uma "multidão" – repito, de
mil indivíduos – que, em seus brados tão retumbantes quanto criminosos,
clama por uma intervenção militar no país? Algo que equivaleria, sem
lhes dar a condescendência da metáfora ou da dúvida, a uma verdadeira
violação em nossa jovem e imatura democracia.
Vale dizer que cerca de mil "subcidadãos" (ou dois mil e quinhentos,
segundo a PM) já não têm o mínimo pudor ou vergonha na cara de expressar
– em público! – desejos e vontades inconfessáveis, antidemocráticos;
"subcidadãos" que já bradavam, sob o resguardo do anonimato, no Facebook
e no Twitter – terreno pantanoso no qual alguns exercitam uma
sociabilidade precária, pois virtual, e onde até o maior dos covardes se
sente "empoderado"; onde a mais baixa e ordinária das criaturas se
arvora um gigante.
Quanto vale? O que vale?
Meia-pataca? Uma bolacha quebrada? Um tostão furado?
Vale o nosso desdém, o nosso escárnio?
Ou vale o nosso espanto e veemente condenação?
Ou mesmo a nossa prudente preocupação e alerta?
Posto que... imaginemos...
E se esse milheiro de infames e reacionários algum dia virar milhão?!
Pois, sabe-se, da imensa capacidade que as ratazanas e os insetos
pestilentos têm para se reproduzir e se multiplicar, silenciosamente,
nos subterrâneos dos esgotos e dos seus próprios recalques e neuroses.
É improvável, mas plenamente possível tal descalabro prosperar, como
as pragas e as ervas daninhas que, por vezes, vicejam nos jardins e
plantações, comprometendo a colheita futura.
É plenamente possível, enredados que estamos, todos, ou quase todos,
nessas redes antissociais, impulsivas, intolerantes, acríticas e,
aparentemente, descerebradas. Aliás, "descerebradas" tal qual parte da
nossa classe média – conservadora e burra.
É plenamente possível quando, como que hipnotizados ou adestrados,
esses indivíduos só se informam por intermédio de veículos propagadores
do ódio e da mentira, como a revista "Veja" e outros mais da grande
mídia, de muitos negócios e negociantes, e pouca verdade factual – e
quase nenhum compromisso com o interesse público.
E se a ignorância e o autoritarismo de alguns, de modo silente e
sub-reptício, com seu apelo fácil, mas enganador, contagiar e sobrepujar
o bom senso, a virtude e o humanismo da maioria?!
Que a poesia sobrepuje a mediocridade – nunca é demais exaltar, nunca é demais rogar.
Com que metro se mede os atos e a falta de medida dos inconsequentes e dos canalhas?
Quem aquilata quem é herói e quem é bandido? Ou o que é virtude ou pecado?
Qual a balança? Qual o metro? – insisto.
É permitido, sem expressa condenação, que indivíduos saiam às ruas,
às escâncaras, para fazer propaganda de um atentado golpista contra as
instituições do país?
Isso, por acaso, não se configura num atentado à ordem constituída, num crime de lesa-pátria?
É permitido, impunemente, que indivíduos conspirem e atentem abertamente contra a Constituição, em praça pública, ao bel-prazer?
É permitido – cito essa hipótese à guisa de comparação – que
indivíduos saiam às ruas com suásticas estampadas em porta-estandartes
para defender o ideário do nazismo? Não é crime, passível de punição,
tal manifestação execrável?
É permitido que indivíduos manifestem, livre e impunemente, seu ódio ,
intolerância e incivilidade, descabidos e injustificáveis, contra os
nossos irmãos homossexuais – nas ruas, na mídia e na tribuna do
Congresso? Isso ainda é permitido?!
É permitido que indivíduos desfilem, sem uma peremptória condenação
de todos os homens públicos e demais cidadãos, as suas ignomínias, as
suas vergonhas e desvios de caráter pelas avenidas das nossas cidades,
como o desfile de um infame cordão carnavalesco?
Não.
Na democracia, nem tudo é permitido.
Na democracia, vale o diálogo e o respeito às leis, aos seres humanos
e à legalidade perfeita dos atos. Na democracia, vale o interesse
comum.
Senão, brevemente, alguns desses infames estarão se manifestando,
despudoradamente, pela volta da escravidão, pelo retono da Lei de
Talião, do justiçamento e do arbítrio – como, aliás, já se manifestam em
privado, nas redes antissociais e, por vezes, até no noticiário da TV,
na voz de inconsequentes porta-vozes do absurdo, as âncoras do
retrocesso. Vale notar e anotar: na TV, uma concessão do Estado.
Existe algum decoro possível num boquirroto, e aparentemente
misógino, parlamentar que diz que iria "fuzilar" a presidenta da
República? Alguém terá a necessária previdência e mínima coragem de
tomar a cabível providência e lhe processar pela grandiloquente quebra
de decoro parlamentar em praça pública?
Como essa gente é indecorosa!
Pedir uma intervenção militar e violar o ordenamento jurídico
brasileiro, além de grotesco e impensável contrassenso e retrocesso é,
sobretudo, imperdoável desrespeito, provavelmente motivado pela
ignorância, para com os heroicos brasileiros que deram seu sangue e suas
vidas para a consolidação da democracia no Brasil.
Viva a memória de Vladmir Herzog e Rubens Paiva! – só para citar e louvar dois nomes emblemáticos.
Viva a democracia!
Viva o Brasil!
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