"Em resumo, a conduta do requerido foi de cometer um ilícito na tentativa de se esquivar da responsabilidade de outro ilícito já realizado, com o respaldo de “usar” o caixa da Câmara Municipal de Cuiabá, abastecido com os tributos recolhidos às duras penas pelos cidadãos cuiabanos, como se fosse a sua conta bancária particular, o que é um absurdo e totalmente descabido". (Juiza Célia Vidotti)
Lucas Rodrigues
Midiajur
Midiajur
A juíza Célia Regina Vidotti, da Vara de Ação Civil Pública e Ação
Popular de Cuiabá, condenou o ex-presidente da Câmara de Cuiabá, João
Emanuel (PSD), pela prática de improbidade administrativa.
Ele foi considerado culpado da acusação de ter usado o cargo para
obter vantagens pessoais e para terceiros, mediante proposta de fraude
em processos licitatórios a empresária Ruth Hércia, vítima do próprio
político em esquema de falsificação de escrituras de terrenos.
A decisão foi proferida na sexta-feira (20) e atendeu pedido contido
em ação proposta pelo Ministério Público Estadual (MPE), que investigou o
caso na Operação Aprendiz, do Grupo de Atuação Especial Contra o Crime
Organizado (Gaeco).
Com a sentença, João Emanuel deverá pagar multa de R$ 500 mil por
dano moral coletivo, valor que será revertido ao Hospital do Câncer de
Mato Grosso.
A juíza também fixou multa de 20 vezes o valor que ele recebia de
salário quando foi Secretário de Estado de Saúde, cujo montante terá
destinação ao Pronto Socorro de Cuiabá.
"[...] tem-se que em momento algum o requerido foi “induzido” pela
interlocutora a lhe propor a prática de fraudes em processos
licitatórios, para desvio de verbas públicas e a obtenção de ganho
indevido"
Ainda na decisão, ele foi condenado à suspensão dos direitos
políticos por cinco anos, perda da função pública e proibição de
contratar com o Poder Público ou receber benefícios fiscais por três
anos.
Outra medida de Célia Vidotti foi determinar o envio da ação à Ordem
dos Advogados do Brasil em Mato Grosso (OAB-MT), para que a entidade
apure se houve desvio de conduta de João Emanuel no que tange ao
exercício da profissão de advogado.
Acusação x Defesa
Na ação, o MPE narrou que João Emanuel, no intuito de quitar dívida
com o agiota Caio Cesar Vieira de Freitas, ofereceu como garantia
terrenos que pertenciam a terceiros, cujos documentos teriam sido
falsificados.
Estes terrenos eram de propriedade da empresária Ruth Hércia da Silva
Dutra, que foi procurada por Amarildo dos Santos e Evandro Vianna
Stábile, então assessores de João Emanuel, que ofereceram uma reunião
para convencê-la a não denunciar as ilegalidades.
A empresária foi à reunião e filmou a conversa que teve com o
político, ocasião em que ele ofereceu R$ 500 mil a Ruth Hércia pelos
terrenos que foram transferidos de forma fraudulenta ao agiota.
Outra proposta do então presidente da Câmara para compensar a fraude
cometida contra a empresária foi o oferecimento de participação em
outros esquemas para desvio de dinheiro público, por meio de processo
licitatório destinado a aquisição de material gráfico.
"Em resumo, a conduta do requerido foi de cometer um ilícito na
tentativa de se esquivar da responsabilidade de outro ilícito já
realizado, com o respaldo de “usar” o caixa da Câmara Municipal de
Cuiabá, abastecido com os tributos recolhidos às duras penas pelos
cidadãos cuiabanos, como se fosse a sua conta bancária particular, o que
é um absurdo e totalmente descabido" O vídeo gravado pela empresária,
no entanto, foi questionado pela defesa de João Emanuel, representada
pelo advogado Eduardo Mahon, que afirmou ter ocorrido ”flagrante
preparado e fraude” na edição do vídeo, que teria sido manipulado por
pelo menos 39 segundos.
Mahon também afirmou que, como a gravação foi desprovida de
autorização judicial, violou as disposições contidas na Lei Processual e
na Constituição Federal, o que tornaria a filmagem uma prova nula.
Gravação válida
A argumentação da defesa de João Emanuel não foi acatada pela juíza,
que trouxe entendimentos do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do
Supremo Tribunal Federal (STF) para afirmar que o vídeo tinha validade
como prova.
“Os Tribunais Superiores possuem entendimento uníssono quanto à
licitude da gravação clandestina, consubstanciada no registro da
conversa por um dos interlocutores, ainda que o outro interlocutor não
tenha conhecimento de sua ocorrência, desde que o conteúdo captado não
seja secreto (diga respeito à privacidade dos interlocutores), nem haja
obrigação legal de guardar sigilo”, proferiu.
Célia Vidotti também afastou a tese de que teria havido “flagrante
preparado”, pois foi a própria empresária que filmou toda a reunião.
“Ademais, tem-se que em momento algum o requerido foi “induzido” pela
interlocutora a lhe propor a prática de fraudes em processos
licitatórios, para desvio de verbas públicas e a obtenção de ganho
indevido. Aliás, o encontro que originou o diálogo gravado foi proposto
pelo próprio requerido, sem qualquer interferência da interlocutora, que
apenas gravou a conversa como forma de preservar seus direitos”,
explicou.
Quanto à suposta manipulação do vídeo, a magistrada ressaltou que o
laudo pericial confirmou não ter havido edição que pudesse alterar o
conteúdo do que foi filmado.
Conduta “repugnante”
Durante a decisão, a juíza comentou partes do vídeo entre a conversa de João Emanuel e a empresária Ruth Hércia.
No trecho em que ele oferece a quantia em dinheiro à empresária,
assim como a participação em fraudes licitatórias, a magistrada entendeu
que João Emanuel assumiu a responsabilidade sobre as fraudes, afirmando
que não poderia deixar o agiota “sem qualquer garantia do empréstimo
que havia feito”.
“Não bastasse, o requerido, que à época ocupava o cargo de Presidente
da Câmara Municipal de Cuiabá, afirmar à interlocutora Ruth que o
orçamento do órgão legislativo municipal era enorme, e que “nós temos
que achar coisas para fazer, porque não tem como gastar””, destacou a
juíza.
Para Célia Vidotti, ficou nítido que a conduta de João Emanuel foi
“desprovida de moralidade e honestidade, além de evidenciar a absoluta
falta de honradez e retidão para exercício da função pública que lhe foi
confiada pela sociedade”.
“É inaceitável que agentes políticos utilizem a máquina pública em
proveito próprio, que ofereçam, descaradamente, vantagens em
procedimentos licitatórios que podem gerar considerável lucro em direto
detrimento e verdadeiro assalto aos cofres públicos”, reforçou.
“Em resumo, a conduta do requerido foi de cometer um ilícito na
tentativa de se esquivar da responsabilidade de outro ilícito já
realizado, com o respaldo de “usar” o caixa da Câmara Municipal de
Cuiabá, abastecido com os tributos recolhidos às duras penas pelos
cidadãos cuiabanos, como se fosse a sua conta bancária particular, o que
é um absurdo e totalmente descabido”, criticou.
Ainda na decisão, a juíza afirmou que a conduta de João Emanuel foi
“repugnante” e feriu a imagem e a credibilidade não só da Câmara, mas de
todo o Poder Público.
“O descrédito, a insegurança e a desconfiança da população às
instituições públicas, gerado pelo comportamento ímprobo e repugnante de
um vereador que oferece quantia vultosa proveniente de dinheiro público
a terceiros, além de vantagens em procedimentos licitatórios
fraudulentos, com o intuito de ocultar ilícitos por ele perpetrados, por
suas mãos ou ao seu mando, pouco importa, é perfeitamente passível de
reparação, razão pela qual a procedência do pedido de condenação por
danos morais coletivos é medida que se impõe”, decidiu.
Ação criminal
Pelos mesmos fatos investigados na Operação Aprendiz, João Emanuel
também responde a uma ação criminal que tramita na Vara Contra o Crime
Organizado da Capital. Ele chegou a ser preso preventivamente por ordem
da juíza Selma Arruda, em março do ano passado, mas foi solto dias
depois pelo Tribunal de Justiça (TJ-MT).
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