9 DE MAIO DE 1964. ASSIM PRENDERAM MARIGHELLA, QUE LUTOU COMO UM LEÃO!
Por Celso Lungaretti
"...No
escuro do cinema [o cine Eskye-Tijuca, no qual os agentes Dops/RJ o
cercaram e se preparavam para detê-lo], sentou-se para planejar a fuga.
Já tinha escapado tantas vezes. Por que não dessa? Tinha que pensar
rápido. Pela porta da frente não teria chance, e a saída lateral parecia
temerária.
Não ligou para o filme que arrancava gargalhadas do público infantil.
Até que a projeção foi interrompida, e as luzes se acenderam.
O cinema não se ilumina por acaso, nem o projetor falha ou o projecionista se atrapalha na troca de rolos. A pane é uma farsa...
...Simulado o defeito na projeção, as luzes se acendem, e os caçadores vislumbram a caça.
'Matem, bandidos! Abaixo a ditadura militar fascista! Viva a democracia! Viva o Partido Comunista!'
Não terminou, quando o agente dispara à queima-roupa. Ferido no peito, Marighella equilibra o corpo na perna esquerda e, com a direita, acerta um golpe que joga longe a arma. Outro chute destrói uma cadeira. Seus sapatos voam longe.
Os policiais o chutam e esmurram, ele não cai e retribui as agressões. Um gosto adocicado tempera sua boca. É o sangue que o empapa. No rosto, o sangue turva a visão, e Marighella tem a impressão de que enfrenta ao menos sete.
São oito, somam testemunhas. Não consegue ver a face dos tiras e nunca poderá identificá-los.
O tiro foi um, mas o sangue escorre por três perfurações. A bala entrou
no tórax, saiu pela axila e se alojou no braço esquerdo. Marighella
continua a lutar.
Como um leão, compara um dos contendores que tentam imobilizá-lo. Outro berra, encolerizado:
'Vermelho! Vermelho!'
Com a altercação, o público se vira, ouve o tiro e enxerga o clarão que ele acende...
Dominado, com a camisa desabotoada e
já sem o paletó ensanguentado, Marighella é puxado pelos policiais para
fora do cinema. O fotógrafo do Correio da Manhã que
passeia com a filha empunha a câmera, mas os policiais o ameaçam e
impedem de registrar a cena. Corajoso, logra fazer algumas chapas,
tremidas...
Quase na calçada, Marighella reconhece a camionete do Dops e decide: 'Não vou entrar no tintureiro'. É a expressão popular para os veículos da polícia destinados à condução de presos.
A resistência não tem fim. Empurrado, apoia as pernas no teto da viatura e não entra. Leva mais pontapés e socos. Já são catorze homens contra um. Ao cair, pisoteiam-no, e o corpo avermelha a calçada.
A resistência não tem fim. Empurrado, apoia as pernas no teto da viatura e não entra. Leva mais pontapés e socos. Já são catorze homens contra um. Ao cair, pisoteiam-no, e o corpo avermelha a calçada.
Transeuntes protestam. Os passageiros de um lotação os imitam e são
corridos por policiais que surgem de todos os cantos. O secundarista
Alcides Raphael, que assistirá à sessão das seis horas, estima em cinco
minutos o tempo para o homem que luta sozinho ser embarcado — o Correio da Manhã cronometrou dez minutos de espancamento.
Marighella só para quando lhe acertam uma pancada na cabeça e ele desmaia.
Chega apagado ao Hospital Souza Aguiar. Policiais militares com metralhadoras esperam o tintureiro 964
do Dops. Ao deparar com o corpo imóvel, os médicos não sabem se está
vivo ou morto. Tomam-lhe os sinais vitais e o socorrem.
Os plantonistas do maior
pronto-socorro do país custam a crer que aquele cinquentão, ferido,
encarou tantos policiais mais jovens. A bala atingiu a ponta da costela e
por pouco não perfurou o apêndice xifoide, o que poderia ter lhe
custado a vida. Com perda abundante de sangue, são incertas as
perspectivas..."
(Trecho do prólogo de Marighella – o guerrilheiro que incendiou o mundo (Cia. das Letras, 2012, 744 pag.), a excelente biografia de Mário Magalhães.)
Saiba mais:
MARIGHELLA, HEROI DA RESISTÊNCIA A DUAS DITADURAS (PARA VER E BAIXAR)
Barbaramente
torturado pela ditadura de Getúlio Vargas (afora o pau-de-arara,
espancamentos e choques elétricos de praxe, queimaram seus pés com
maçarico, enfiaram-lhe estiletes sob as unhas e arrancaram seus dentes) e
assassinado pelos tocaieiros da ditadura dos generais, Carlos
Marighella foi o maior revolucionário brasileiro do século passado,
tendo se destacado como dirigente do PCB desde os anos 30 e depois, nos
'60, liderado a guinada para a luta armada e estruturado uma das
principais organizações guerrilheiras do período, a ALN.
É chocante a miopia dos produtores e cineastas brasileiros, que até
agora não haviam aproveitado sua riquíssima trajetória num filme de
dramatização histórica.
Só quando a ótima biografia do Mário Magalhães se tornou best seller
eles acordaram: vem aí o longa-metragem que marcará a estréia de Wagner
Moura na direção e é baseado exatamente em Marighella - o guerrilheiro que incendiou o mundo.
Como aperitivo, os leitores do blogue podem assistir, na janelinha abaixo, à íntegra do documentário Marighella (2012), com 96 minutos, de autoria da sobrinha do grande revolucionário baiano (que está também disponibilizado para download aqui).
Segundo o crítico Francisco Russo, este aspecto é muito destacado na obra:
"Dirigido pela socióloga Isa Grinspum Ferraz, o documentário é ao mesmo tempo uma pesquisa sobre a vida de Carlos Marighella e também um filme pessoal. Afinal de contas, Isa é sobrinha do personagem principal da história, muitas vezes chamado de 'tio Carlos' no próprio filme. Esta dualidade entre o aspecto familiar e o histórico pontua todo o documentário...
O forte do documentário é o material de pesquisa obtido. Seja através dos discursos de Marighella, que refletem a força de suas palavras mesclada ao engajamento por ele proposto, até a bela e surpreendente apresentação da prosa em versos. As imagens históricas e os depoimentos registrados também ajudam a contar a história de como Marighella se interessou por política e acabou se tornando o inimigo número um da ditadura militar..."
Há dois outros documentários sobre o saudoso companheiro Menezes, com duração menor: Marighella: o retrato falado do guerrilheiro (2010, 56 min.), de Sílvio Tendler, que pode ser visto aqui; e É preciso não ter medo - relatos de Carlo Marighella (32 min.), dirigido por Silvia Melo e Tayra Vasconcelos.
Finalmente, quem sabe lidar com torrents pode baixar o livro Marighella - o guerrilheiro que incendiou o mundo clicando aqui ou aqui.
Carlos Marighella foi o maior inimigo da ditadura militar no Brasil.
Este líder comunista e parlamentar foi preso e torturado, e tornou-se
famoso por ter redigido o Manual do Guerrilheiro Urbano.Maior nome da
militância de esquerda no Brasil dos anos 60, Carlos Marighella atuou
nos principais acontecimentos políticos do Brasil entre os anos 1930 e
1969 e foi considerado o inimigo número 1 da ditadura militar
brasileira.
Líder comunista, vítima de prisões e tortura, parlamentar, autor do mundialmente traduzido "Manual do Guerrilheiro Urbano", sua vida foi um grande ato de resistência e coragem.
Dirigido por sua sobrinha Isa Grinspum Ferraz, o longa-metragem Marighella é uma construção histórica e afetiva desse homem que dedicou sua vida a pensar o Brasil e a transformá-lo através de sua ação.
Fonte Náufrago da Utopia
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