Toret coordenou a campanha das redes da prefeita de Barcelona, Ada Colau e foi uma das lideranças na rede do 15M
Luís Eduardo Gomes
Convocadas por diversos movimentos sociais com atuação na internet,
em 15 de maio de 2011, milhares de pessoas ocuparam a praça Puerta del
Sol, em Madri, em protesto contra as políticas de austeridade impostas
pelo governo espanhol. Após o ato, um grupo de pessoas decidiu passar a
noite acampado no local, mas foi violentamente reprimido pela polícia.
Vídeos da ação policial viralizaram na internet e novos protestos foram
convocados para o dia seguinte, espalhando-se rapidamente pelas
principais cidades da Espanha. Surgia assim o movimento 15M, também
conhecido como Os Indignados, que nos anos seguintes realizaria grandes
mobilizações de massa e daria origem a partidos que mudariam o cenário
político espanhol, sendo o principal deles o Podemos, responsável por
ameaçar a histórica alternância do poder entre apenas dois partidos, o
PP (centro-direita) e o PSOE (centro-esquerda).
Por trás do 15M, estavam uma série de ativistas digitais e
intelectuais que, sem espaço na mídia tradicional, aproveitaram as redes
sociais para conquistar espaço e dar um sentido para as mobilizações de
massa. Um deles, Javier Toret Medina, passou por Porto Alegre na
última semana, onde participou de reuniões com a pré-candidata à
prefeitura de Porto Alegre Luciana Genro (PSOL) e conversou com o Sul21.
Toret explica que o 15M surge em um contexto de efervescência de
discussão política na rede que vinha desde a crise econômica de 2008,
que gerou a explosão do desemprego de jovens, e também contra a chamada
Lei Sinde, que levava o nome da ex-ministra da cultura Ángeles
González-Sinde e regulamentou o download de arquivos na internet.
“Criou-se uma massa crítica na internet”, explica.
Somado a isso, também havia as recentes revoluções que
ficaram conhecidas como Primavera Árabe e tiveram início na Tunísia, em
2010, e se caracterizavam por grandes mobilizações de massa sendo
convocadas e divulgadas primordialmente por redes sociais.
Quando explodiu o movimento do 15M, esse caldo já existente fez com
que as mobilizações populares rapidamente ganhassem uma grande dimensão,
mesmo não sendo noticiadas pela mídia tradicional. “As pessoas estavam
conectadas, porque queriam saber como tinham sido as outras
manifestações, se tinham sido grandes. Quando saiu a Acampada Sol
[acampamento na praça de Madri], todo mundo estava olhando os streams
e o Twitter. No momento em que despejaram as pessoas à noite, os vídeos
virais do despejo “bombaram”. Então, as pessoas convocaram [nova
manifestação] para o dia seguinte. A solidariedade ante o despejo e o
ato legítimo que era estar lá fez crescer o movimento”, explica Toret.
Ao mesmo tempo em que as mobilizações tomavam as ruas, também
ganhavam força páginas e perfis nas redes sociais dos movimentos que
estavam organizando as manifestações. A página Democracia Real Já, da
qual Toret fazia parte, era uma das responsáveis por passar informações e
fazer uma espécie de “controle da narrativa”. Outra era o perfil
Acampada Sol, que transmitia ao vivo por streaming os atos. “Lembro que, no dia que reocuparam a praça, as pessoas começaram a cantar: ‘Ha em-pe-za-do la revolución‘ [Começou a revolução, em tradução livre]. Vendo o streaming, ficamos todos loucos. Vamos ocupar todas as praças!”
Através desse processo de retroalimentação entre rua e rede, mais de
8,5 milhões de pessoas participaram de alguma forma dos movimentos do
15M, segundo Javier, o que abriu a oportunidade para a mudança da
cultura política na Espanha. “Já não acreditávamos no bipartidarismo.
Eles não nos representam”, diz Toret. “As pessoas odeiam os partidos. Eu
também, apesar de ter montado três”, brinca.
Também foi aberta porta para novas lideranças entrarem na esfera
institucional, gestadas a partir das pautas do 15M. “Havia uma crise
muito grande das instituições. Partidos e sindicatos existentes perderam
muita popularidade, com índices de 10%, 15% e 20% [de aprovação]”, diz
Toret. Por outro lado, após os atos, as plataformas e movimentos
vinculados ao 15M gozavam de 70% e 75% de aprovação.
O primeiro partido que tentou reivindicar o DNA do 15M foi o Partido
X, que carregava uma aura de ciberativismo que remetia ao Anonymus e aos
partidos piratas de outros países da Europa. Posteriormente, surgiu o
Podemos, ocupando uma posição à esquerda do tradicional PSOE e que logo
em sua primeira eleição para o Parlamento Europeu elegeu cinco
eurodeputados. “Uma força que não existia três meses antes”, diz. “O
Podemos, em seis meses, era a primeira força em intenção de votos. Mas o
que aconteceu? O poder reagiu. Os bancos diziam: ‘precisamos de um
Podemos de direita’. As empresas apoiaram o partido Ciudadanos.
Colocaram muita grana”, afirma, referindo-se ao Ciudadanos, outro
partido que surgiu nos últimos anos e hoje é a quarta força política da
Espanha.
Em junho de 2013, o Brasil também teve protestos semelhantes ao
movimento dos indignados. Apesar de, inicialmente, serem consideradas
mobilizações à esquerda do governo do PT, as jornadas de junho, pelo
menos até agora, não conseguiram fazer a transição de suas pautas das
ruas para o campo político. Ao contrário, gradativamente, as ruas foram
sendo disputadas e ganhas por movimentos conservadores e de direita.
Um dos motivos que explicaria o efeito seria a falta de organização
na internet. Diferentemente da Espanha, a narrativa das redes sobre as
manifestações não foram controladas por quem as estava organizando nas
ruas. “Analisando os gráficos do Twitter sobre as mobilizações de junho,
só aparece a direita. Das manifestações que ocorreram desde 2011,
Primavera Árabe, Occupy Wall Street, Espanha, Turquia, Hong Kong, Paris,
o único lugar onde os gráficos mostram a direita na liderança das redes
é o Brasil”, afirma Toret. “Também porque os movimentos de esquerda
daqui são inúteis na internet. São muito ruins”, dispara.
Como problema de atuação nas redes, Toret cita, por exemplo, que o
Movimento Passe Livre, que pode ser identificado como o principal
desencadeador das mobilizações, sequer tinha um perfil no Twitter para
expressar suas posições ou ao menos criar hashtags para
difundir os atos. “Se só tivessem perfil, sem ter tuitado, teriam
milhares de seguidores. Mas renunciaram. A direita pensou: ‘perfeito'”,
afirma.
Por outro lado, Toret diz que os movimentos que compunham o 15M
tinham a preocupação de pautar diariamente a comunicação da mobilização e
colocavam nessa tarefa os melhores ativistas digitais, o que incluía
ele próprio. Também eram movimentos que carregavam a bandeira dos “sem
partido”, mas existiam cabeças por trás e lideranças coletivas, segundo
Toret. “Os perfis mais importantes foram uma escola para os demais”,
afirma.
Da Espanha para a eleição de Porto Alegre
De ativista, Toret se transformou em um dos principais analistas de
atividade política nas redes sociais de se país, com um relevante
trabalho em análise e investigação de dados. Ele coordenou as redes
sociais da vitoriosa campanha Ada Colau para prefeita de Barcelona, em
2015.
Uma das principais caras novas da política espanhola que surgiu na
esteira do 15M, Ada Colau tinha uma trajetória de ativismo social a
partir do início do século, mas sem ligação com partidos. Mesmo assim,
logo em sua primeira eleição, como líder de uma coligação de partidos de
esquerda, a Barcelona en Comú (BC), da qual o Podemos era o partido
mais forte, conseguiu a vitória.
“Tivemos uma rede de ativistas digitais muito boa e trabalhamos muito
para que a nossa base digital tivesse força na campanha. Cada ativista
era um meio de comunicação. Nós tivemos cinco vezes mais menções e
retuítes do que a segunda força em Barcelona. Tivemos 53 horas de trending topic em Barcelona e 47 na Espanha. O segundo partido de Barcelona teve uma hora”, diz Javier.
Surgida na onda do movimento 15M e com apoio de seus ativistas
digitais, esta nova coligação de esquerda já controla sete prefeituras,
incluindo Barcelona e a capital Madri, e, nas últimas eleições gerais,
realizadas em junho, obteve 71 deputados – ainda insuficiente para
assumir o governo da Espanha, mas capaz de se consolidar como uma força a
ser ouvida no Parlamento espanhol.
Apesar de serem gestões novas, os governos de esquerda de Barcelona e
Madri tem como uma das principais políticas a ampliação da participação
popular pela internet. “São plataformas de democracia em rede e
democracia digital que permitem que as pessoas façam propostas, possam
debater e votar. No caso de Madri, precisa ter apoio de 2% do censo, 50
mil assinaturas, para que vá diretamente à votação no conselho municipal
[equivalente à Câmara de Vereadores] e o governo de Madri assume o
compromisso de apoiar essas propostas”, explica Toret.
Já em Barcelona, segundo Toret, o novo Plano Diretor da cidade está
sendo moldado a partir de discussões em uma plataforma digital, tendo
tido a participação de mais de 20 mil pessoas online e de 10 mil em
audiências presenciais.
São estas experiências digitais, tanto em termos eleitorais quanto de
gestão democratizada – um conceito que ele chama de tecnopolítica -,
que Toret está trazendo para ajudar na campanha de Luciana Genro em
Porto Alegre.
Fonte Sul 21
https://www.facebook.com/antoniocavalcantefilho.cavalcante
Visite a pagina do MCCE-MT
www.mcce-mt.org