"Não adianta fingir que não há golpe, todo mundo já sabe". Em carta
aberta aos "propagadores do ódio e da mentira", o ex-procurador Álvaro
Augusto Ribeiro Costa denuncia o golpe parlamentar no Brasil, critica
os abusos da Operação Lava Jato e afirma que "quando a injustiça e a
corrupção se fantasiam de direito e moralidade, a justa indignação e a
resistência se tornam obrigação".
por Álvaro Augusto Ribeiro Costa
Em primeiro lugar, por favor, ninguém pense que estou falando com
seres reais, nem se considere ofendido em sua honra. É que, como meros e
ocasionais personagens de uma extraordinária farsa que se desenrola num
lugar também imaginário, não poderiam ter existência própria nem honra
que se lhes pudesse atribuir.
Quem seria o autor de tão assombrosa tragicomédia? É difícil saber,
até mesmo porque os atores trocam de papéis a cada momento, numa volúpia
que uma única mente, por mais delirantemente criativa, não poderia
conceber. De cúmplices ou co-autores de supostos delitos, passam de
repente a acusadores, transmudam-se em seguida em juízes ou jurados, sob
a fantasia da isenção ou integrando a claque dos que se aplaudem uns
aos outros, cada um mais convencido da excelência de suas múltiplas e
medíocres representações. Um de cada vez ou em grupos, todos muito
cientes dos torpes proveitos que almejam.
Cabe, porém, oportuna advertência. Quando as buscas e apreensões invadirem de surpresa seus lares e
as conduções coercitivas os expuserem com ou sem razão à volúpia sádica
das multidões insufladas pela mesma mídia que hoje os incensa e amanhã
os vilipendiarão, não invoquem a presunção de inocência nem o direito de
saber do que são acusados; não peçam que lhes seja assegurado o direito
de defesa e do contraditório, nem supliquem pela presença de um juiz imparcial. Mas
antes que isso ocorra, não percam tempo nem gastem dinheiro promovendo a
operação lava-memória. A História não esquecerá nem apagará o nome de
vocês do rol das iniqüidades e das vergonhas. E não adianta fingir que
não há golpe; todo mundo já sabe.
Penitencio-me por não haver percebido antes quão distante me acho de
vocês. A rotina das chamadas boas maneiras esconde a essência das
pessoas. De uma coisa, porém, não tenham medo. Não cuspirei em vocês.
Não é que não lhes tenha nojo. Compartilho, quanto a isso, do mesmo
sentimento que Ulisses Guimarães pronunciou e prenunciou em relação
àqueles a quem se dirigiu em mensagem que as ondas do Atlântico ainda
hoje – e com mais força agora – repercutem. Contudo, diante da
inominável deterioração moral em que estão mergulhados, o meu cuspe
seria inócuo; não lavaria nada.
Devo admitir, entretanto, que me fizeram um grande favor: o de me
propiciarem vê-los e ouvi-los como realmente são: preconceituosos,
convencidos ou convincentes propagadores do ódio e da mentira. Em suma,
cúmplices entusiasmados do que há de pior no lastimável cenário
escancarado ao mundo desde a tragicômica encenação do último 17 de abril
e na farsa que dali para frente cada vez mais se desenvolveu como uma
enxurrada de iniqüidades.
Caiu a máscara dessa gente que lhes faz companhia, cujos rostos não
conseguem ocultar a mais repugnante feiúra moral. Juntando-se ao painel
de mentecaptos que a televisão sem qualquer sombra de pudor ou recato
revelou para assombro, vergonha ou riso de brasileiros e outros povos do
mundo, vocês estarão para sempre ligados. E dessa memória pegajosa nada
os livrará.
Não me digam que estão surpresos com os termos desta carta. Posso até
imaginar a cena em que estarão diante de seus queridos familiares,
tentando justificar a própria conduta. Por isso, explico: não se pode
ser tolerante com o delito e o delinqüente quando o crime é permanente e
flagrante. Seria como dialogar com o ladrão que invade a nossa casa,
rouba nossa liberdade, se apossa do nosso patrimônio e quer se fazer
passar por mera visita, com direito a impor o que chama de ordem. A
hipocrisia se mostra com sua mais indecente nudez. Não! O diálogo e a
compreensão são naturais e necessários entre pessoas que se respeitam no
ambiente democrático; não, entre o predador da democracia e sua presa,
entre o ofensor e a vítima. As regras de civilidade, próprias da
democracia, não socorrem quem contra elas atenta. Contra esses, todas as
formas de resistência são necessárias e legitimas. Não há diálogo
possível.
Não importa se o arrombador dos pilares da ordem democrática possa
eventualmente se valer de uma maioria parlamentar corrompida e
mal-cheirosa ou de juízes parciais e desacreditados.Quando a injustiça e a corrupção se fantasiam de direito e moralidade, a justa indignação e a resistência se tornam obrigação.
Por fim, uma brevíssima oração: que Deus não os perdoe; vocês sabem
muito bem o que fazem! Mas os mantenha vivos e com saúde pelo tempo
suficiente para a reflexão e o mais avergonhado arrependimento.
Alvaro Augusto Ribeiro Costa
Fonte GGN
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