Na prática, isso significa o abandono do princípio básico que norteou
essas vinculações desde 1934, qual seja, de que enquanto não chegarmos
aos níveis adequados de qualidade na provisão de educação e saúde
públicas, eventuais aumentos na receita com impostos devem ter uma
parcela mínima destinada à provisão destes serviços.
Garantia de percentual dos impostos para ensino foi estabelecida
pela Constituinte de 1934. Sabia-se que país precisa superar atraso e
desigualdade. Isso pode ir por água abaixo
Por Laura Carvalho
No Brasil, a vinculação de recursos tributários para a educação
pública teve origem na Constituição de 1934. A ideia que fundamenta a
vinculação é de que, para garantir direitos aos cidadãos, é necessário
atribuir deveres ao poder público. O artigo 112 da Constituição de 1988
define que a União nunca aplicará menos de 18% da arrecadação de
impostos na “manutenção e desenvolvimento do ensino”. Em 2000, o mesmo
princípio foi estendido para saúde, que inicialmente acompanhava o
crescimento do PIB e, a partir de 2016, passou a estar associada à
evolução da arrecadação total.
A exposição de motivos da PEC 241 diz a que veio: “(…) É essencial
alterarmos a regra de fixação do gasto mínimo em algumas áreas. Isso
porque a Constituição estabelece que as despesas com saúde e educação
devem ter um piso, fixado como proporção da receita fiscal”. Em um
governo aberto ao debate democrático, a PEC do “teto de gastos” deveria
chamar-se PEC da “desvinculação de recursos”.
Sob a alegação de que despesas obrigatórias engessam o Orçamento, a
emenda altera o mínimo destinado a essas áreas para o valor vigente
quando da implementação da regra, ajustando-o apenas pela inflação do
ano anterior. Hoje a União gasta com saúde e educação mais do que o
mínimo constitucional. Se em 2017 a União se ativer a esse mínimo, tal
valor real passaria a funcionar como piso constitucional por 20 anos,
mesmo em caso de expansão da arrecadação.
O governo alega que trata-se de um mínimo, e não de um teto, o que
não implicaria necessariamente em um congelamento real dos recursos
destinados a essas áreas. No entanto, dada a previsão de crescimento dos
gastos com benefícios previdenciários —que ocorrerá por muitos anos
mesmo se aprovada a reforma da Previdência—, o teto global para as
despesas de cada Poder tornaria inviável a aplicação de um maior volume
de recursos nas áreas de saúde e educação públicas. Caso contrário,
despesas com outras áreas —cultura, ciência e tecnologia, investimentos
em infraestrutura ou assistência social, por exemplo— teriam de ser
ainda mais comprimidas ou até mesmo eliminadas.
Na prática, isso significa o abandono do princípio básico que norteou
essas vinculações desde 1934, qual seja, de que enquanto não chegarmos
aos níveis adequados de qualidade na provisão de educação e saúde
públicas, eventuais aumentos na receita com impostos devem ter uma
parcela mínima destinada à provisão destes serviços.
Embora haja sempre alguma margem para aumento na qualidade dos
serviços pela maior eficiência —sem elevação de despesas—, a evidência é
que houve melhora nos indicadores de resultado de ambas as áreas com a
destinação maior de recursos na última década.
Ainda assim, os gastos em educação e saúde per capita no Brasil
se mantêm em níveis muito abaixo da média dos países da OCDE. Com o
crescimento populacional nos próximos 20 anos, o congelamento implicará
em uma queda vertiginosa nesses indicadores. O envelhecimento da
população, em particular, reduzirá muito as despesas com saúde por
idoso, com consequências dramáticas sobre os mais vulneráveis.
Na contramão de países como Chile e EUA, que hoje caminham na
direção de uma ampliação da gratuidade na provisão desses serviços, a
proposta disfarça a desistência de levar o Brasil aos níveis de
qualidade de ensino e atendimento em saúde públicos das economias mais
avançadas. Em um país com níveis altíssimos de desigualdade social, não é
difícil perceber as implicações.
Fonte: Outras Palavras
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