O professor Rogério
Cerqueira Leite, vê no juiz Sérgio Moro um novo Savonarola, religioso
que agitou a vida de Florença no final do século XV. Numa época em que
os pregadores tinham a popularidade dos roqueiros de hoje, o visionário,
demagogo, moralista e ascético Savonarola incendiou a cidade (...) Dizem que vem a
Cuiabá por esses dias, então é a oportunidade para dar as boas-vindas ao
Savonarola das araucárias.
Por Vilson Nery
Aos meus amigos mais próximos sempre falo das diferenças, divergências e questionamentos que alimento em relação ao Direito Criminal, um ramo da Ciência Jurídica que busca na restrição de direitos, inclusive da liberdade da pessoa, a sua principal manifestação de força.
Aos meus amigos mais próximos sempre falo das diferenças, divergências e questionamentos que alimento em relação ao Direito Criminal, um ramo da Ciência Jurídica que busca na restrição de direitos, inclusive da liberdade da pessoa, a sua principal manifestação de força.
Diferente de um Direito Civil que pode
penalizar com a supressão de patrimônio, ou o Direito Eleitoral que pode
limitar a cidadania, impedir o sujeito de ocupar cargo público ou se
candidatar, por exemplo, a regra penal ataca o maior de todos os
direitos da pessoa humana: a liberdade de locomoção.
Por isso entendo que o Direito Penal só
deva ser utilizado quanto todos os demais instrumentos presentes nas
áreas do Direito se revelarem insuficientes, é o que se chama de
princípio da “intervenção mínima”.
E reitero esse pensamento, agora com bem
mais força, porque na qual quadra brasileira está se banalizando o
“direito de prender”, sendo que as prisões temporárias e preventivas são
cada vez mais utilizadas pelo Poder Judiciário, o que contribui para
que a população carcerária brasileira, com cerca de 700.000 presos, seja
uma das maiores do mundo, fato que parece não incomodar os nossos
juízes.
É o caso do paranaense Sergio Moro.
Ele comanda a 13ª Vara Federal de
Curitiba, por onde tramitam ações penais, e conseguiu atrair para sua
competência de processar e julgar, um caso ocorrido em Londrina, há
centenas de quilômetros dali. Se trata da nascente operação lava a jato,
que envolvia um doleiro e uma empresa de lavagem de carros daquela
cidade interiorana.
Moro é acusado de perseguir o Partido
dos Trabalhadores (PT), ainda que pessoas ligadas a diversos partidos
políticos, e diversos políticos filiados a outras legendas, tenham a ver
com os supostos “malfeitos” evidenciados na lava a jato. O juiz usaria a
força do Direito Penal para avançar contra apenas um partido político,
imaginando que este fosse o causador de todas as espécies de corrupção
existentes no Brasil.
Tal postura acabou por merecer um artigo
crítico publicado nos principais jornais do país na última semana, onde
o juiz Sergio Moro é comparado ao padre Girolamo Savonarola, nascido em
setembro de 1452. Conhecido por suas profecias, pela destruição de
objetos de arte nas “fogueiras da vaidade”, e ardoroso combatente da
corrupção, Savonarola seria morto por aqueles que um dia se beneficiaram
de suas lutas.
O autor do artigo, o professor Rogério
Cerqueira Leite, vê no juiz Sérgio Moro um novo Savonarola, religioso
que agitou a vida de Florença no final do século XV. Numa época em que
os pregadores tinham a popularidade dos roqueiros de hoje, o visionário,
demagogo, moralista e ascético Savonarola incendiou a cidade. Foi
favorecido porque a região sofria de uma invasão estrangeira dada a
fraqueza de sua elite (complexo de vira-lata), e a ocorrência de uma
peste que dizimava a população, fome, misticismo e superstições.
Bem “tipo o Brasil” de nossos dias.
E por aqui o Direito Penal é utilizado
para constranger, humilhar, influenciar no resultado eleitoral, e acaba
por criar as condições para rebeldias, rebeliões e abandono da paz
social.
No artigo comparativo entre o juiz e
Savonarola, o professor Cerqueira Leite diz constatar uma diferença
essencial, apesar das muitas conformidades: não há indícios de
parcialidade nos registros históricos da exuberante vida de Savonarola,
como apontava o jovem Maquiavel, o mais fecundo pensador do Renascimento
italiano.
Mas assim que foi útil, eliminando
grupos políticos, Savonarola foi morto exatamente por aqueles que se
beneficiaram do novo quadro de forças que se estabeleceu.
Já temos aqui mesmo no Brasil o exemplo
de um justiceiro que “cumpriu” seu papel e caiu no ostracismo (morte por
esquecimento). Trata-se do ex ministro Joaquim Barbosa, que presidiu o
Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do Mensalão. Até então o
STF nunca havia julgado políticos, mas processou 40 pessoas supostamente
ligadas ao governo do PT.
As condenou. E parou por aí, nunca mais o STF mandou prender alguém.
Joaquim Barbosa cumpriu o seu script e
foi esquecido. Moro caminha célere na mesma direção. Dizem que vem a
Cuiabá por esses dias, então é a oportunidade para dar as boas-vindas ao
Savonarola das araucárias.
Vilson Pedro Nery, advogado em Mato Grosso, integrante da RENAP (Rede Nacional de Advogados Populares).
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