Gostem ou não, os jornalistas serão obrigados a ver os cadáveres que
serão produzidos em razão das novidades legislativas que eles desejam. E
nós estaremos aqui para mostrar as vítimas que eles ajudaram a enforcar
sempre que eles quiserem aplacar suas consciências culpadas cheirando
carreiras de cocaína em superfícies espelhadas.
Por Fábio de Oliveira Ribeiro
A aprovação da reforma trabalhista pela CCJ outorgando ao empregador o
direito de reduzir os salários de seus empregados e obrigando estes a
trabalhar 12 horas por dia me fez lembrar uma história narrada pelo
advogado Piero Calamandrei:
“Na praça há um enforcado condenado a morte pelo juiz. A sentença foi executada, mas era injusta: o enforcado era inocente.
Quem é o responsável pelo assassinato daquele inocente? O
legislador, que na sua lei estabeleceu em abstrato a pena de morte, ou o
juiz, que a aplicou em concreto?
Mas o legislador e o juiz, um e outro, encontram um meio para lavar a alma, com o pretexto do silogismo.
O legislador diz:- Não tenho culpa por aquela morte, posso dormir
tranquilo: a sentença é um silogismo, do qual construí apenas a
premissa maior, uma inócua fórmula hipotética, geral e abstrata, que
ameaçava a todos mas não atingia ninguém. Quem o assassinou foi o juiz,
porque foi ele quem, a partir das premissas inócuas, tirou a conclusão
homicida, a lex specialis que ordenou a morte daquele inocente.
Mas o juiz diz, por sua vez:- Não sou culpado daquela morte,
posso dormir tranquilo: a sentença é um silogismo, do qual não fiz nada
mais que extrair a conclusão, a partir da premissa imposta pelo
legislador. Quem assassinou foi o legislador com a sua lei, a qual já
era uma sententia generalis, em que estava encerrada a condenação daquele inocente.
Lex specialis, sententia generalis – assim, legislador e juiz
remetem um ao outro a responsabilidade; e um e outro podem dormir sonos
tranqüilos, enquanto o inocente balança na forca.” (Eles, os juízes vistos por um advogado, Piero Calamandrei, Martins Fontes, São Paulo, 2015, p. 174)
Se aprovada em plenário, as reformas produzirão um efeito imediato. A
redução de salários se tornará uma arma empresarial na disputa por
mercados. Assim, ao invés de investir em processos e maquinários que
aumentam a produtividade e diminuam o desperdício de matéria prima e
horas de trabalho, empresas concorrentes reduzirão os salários dos seus
empregados para melhorar a competitividade dos seus produtos.
Os empregados de empresas concorrentes serão submetidos a salários
cada vez menores. Sempre que um empregador diminuir o preço do produto
reduzindo o salário dos seus empregados o concorrente será obrigado a
fazer o mesmo. No limite as distorções produzirão um efeito jurídico
interessante. Os empregados de empresas concorrentes submetidos à uma
espiral decrescente de salários serão submetidos à condições análogas à
dos escravos. Mas a Lei Penal que condena este tipo de prática não
poderá ser aplicada, pois os empregadores poderão alegar o cumprimento
da legislação do trabalho e os efeitos deletérios da competição
capitalista.
Não só isto. É cediço que grandes empresas pagam propinas para
políticos que defendem seus interesses nas Câmaras de Vereadores e
Assembléias Legislativas, na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.
Ao reduzir os salários dos empregados, os donos destas empresas poderão
dar mais dinheiro para seus representantes políticos como um incentivo
adicional para que eles assegurem mais direitos às empresas e menos
direitos aos empregados. E assim, o sistema político se tornará mais e
mais opressivo empurrando os prejudicados para a violência criminal e
política.
A democracia é um espaço político frágil que depende da convivência
pacífica das forças antagônicas. O equilíbrio do sistema entra em
colapso quando uma força (empresarial) domina completamente a agenda
legislativa para oprimir a outra (o operariado). Lula soube manter este
equilíbrio, tanto que durante seu governo as empresas tiveram lucro e os
empregados desfrutaram os benefícios do crescimento econômico. Temer
desequilibrou a democracia ao apoiar o golpe de estado e quer
reequilibrar a economia impondo aos operários reformas que empobrecem a
população, permitem a redução de salários como instrumento de
concorrência empresarial e reforçam as distorções nefastas do sistema
político.
Entre Lula e Temer há um abismo http://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/entre-lula-e-temer-um-abismo-de-25-seculos,
mas a imprensa ataca o primeiro e protege o segundo. Impossível dizer
como os jornalistas conseguem dormir tranquilos. Eles não estão fazendo
as leis injustas, nem serão obrigados a assinar as sentenças judiciais
que assegurarão o empobrecimento e a morte dos operários em virtude da
espiral decrescente de salários. Portanto, a tranqüilidade deles não
será garantida pelo silogismo mencionado por Pierro Calamandrei.
Gostem ou não, os jornalistas serão obrigados a ver os cadáveres que
serão produzidos em razão das novidades legislativas que eles desejam. E
nós estaremos aqui para mostrar as vítimas que eles ajudaram a enforcar
sempre que eles quiserem aplacar suas consciências culpadas cheirando
carreiras de cocaína em superfícies espelhadas.
Fonte GGN
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