Ao envolver Exército numa
intervenção esdrúxula, presidente quer embaralhar debate eleitoral e
converter Segurança no grande tema. Militares aceitarão associar-se a
governo corrupto, entreguista e impopular?
Por Lúcio Flávio Rodrigeus de Almeida
É
altamente provável que os acontecimentos de ontem para hoje contribuam
para superar um debate entre as forças populares e democráticas,
inclusive entre os que se proclamam mais à esquerda: desde o processo de
deposição da presidenta Dilma Rousseff, está em curso um golpe de
Estado. E, apesar de suas inegáveis vitórias imediatas, os golpistas,
até porque envolvidos em disputas nas quais se denunciam reciprocamente
por práticas muito pouco republicanas, se desmoralizam cada vez mais.
Daí
a extrema dificuldade para encontrarem uma candidatura capaz de se
sagrar vitoriosa contra seu principal adversário: o ex-presidente Lula.
Gostando ou não deste, impõe-se reconhecer que, desde o início do golpe,
foi o único político brasileiro que cresceu considerável e
consistentemente, apesar da implacável perseguição que sofreu. A quantas
anda o Aécio? E o Cunha? Quem diria que o inferno astral do Crivella
começaria tão cedo? Por melhores que tenham sido as relações de Lula com
as principais forças que implementaram e/ou se beneficiaram com seus
dois mandatos, ele se tornou um grande obstáculo à consolidação
eleitoral do golpe. Bloquear sua candidatura é estratégico para as
forças golpistas, a menos que estas consigam força e unidade para
promover rápida mudança de regime ou forma de governo. Daí a condenação
em segunda instância e velocidade máxima por três prodígios em leitura
dinâmica, em um processo que gerou um misto de indignação e chacota,
mesmo entre os jornais conservadores de outros países, a começar pelos
EUA, tão elogiados pelos que apoiaram o golpe.
O problema é que,
desde o início, as forças golpistas são heterogêneas e contraditórias.
No dia seguinte à condenação, um festival de denúncias expôs os
estreitos vínculos de heróis do judiciário com vantagens de escassa
legitimidade que, aos olhos cada vez mais atentos de amplos contingentes
das classes populares, apequenavam as acusações (jamais provada) que
levaram à condenação (e possível prisão) do líder petista.
É
muito difícil nos recordarmos de um governo tão envolvido em ostensivos
expedientes de corrupção como o atual, que, para se manter, recorre a
explícitas manobras que podem ser sintetizadas como mais das mesmas. Daí
as piruetas inglórias dos grandes meios de comunicação brasileiros, os
porta-vozes do golpe: denunciar as ladroeiras e, ao mesmo tempo, ungirem
estes larápios com a nobre missão de adotarem políticas profundamente
antidemocráticas, antipopulares e antinacionais, mas apresentadas como
condições indispensáveis à salvação do país. Assim como ocorreu em
relação ao apoio que deram à ditadura militar, mais tarde os grupos Folha e Globo farão autocrítica.
Neste
processo, a impopularidade dos políticos profissionais, a começar pela
do atual chefe do Executivo, despencou, o que dificulta a escolha de uma
candidatura viável. Não por acaso, setores da grande finança se
encantam com o Bolsonaro.
Até agora, as Forças Armadas mantiveram, via de regra, atuação
discreta. Vincular-se a um governo cujos líderes recebem os codinomes de
Caju, Angorá, Botafogo, Mineirinho e Todo Feio é muito difícil de
convergir com qualquer coisa que passe por interesse estratégico
nacional. Quando abandonaram esta posição, por exemplo, ao intervirem na
Rocinha, o resultado só não foi mais desastroso porque ocorreu rápida
mudança de rumo.
Em um país com cerca de doze milhões de
desempregados, na iminência de voltar ao mapa da fome e com o nada
casual incremento do número de bilionários (grande parte ligada à
especulação), estrategistas pensam que basta aperfeiçoar (?) os
mecanismos de repressão para assegurar a paz social?
Começou no Rio. Como termina?
O
nosso lado é o da democracia. Mas “só” isto será difícil de empolgar o
povo, pois os grandes meios de comunicação insistem o tempo todo na
tecla da segurança, como se a maior parte da população brasileira,
especialmente a de pele negra ou assemelhada, não vivesse sob permanente
fogo cruzado. Não abrimos mão da luta pelo direito à vida digna, o que
passa pelo acesso à moradia, ao ensino público de qualidade e pelo
combate às retrogradas mudanças da legislação trabalhista e da
previdência social. Como todos sabem, democracia não se resume a votar
periodicamente, mas implica efetiva participação popular na vida
política.
Resta saber o que e quem, mais uma vez e de modo muito
mais grave, envolve as Forças Armadas nesta aventura que, por mais
sucesso midiático que tenha no curto prazo, não resolverá problema algum
(como ocorreu com a lava jato). As quais podem incorrer em um dilema
atroz: ou fazem política de governo (deste governo!), no caso até
eleitoral, ou fazem uma política de Estado que pode reforçar uma ordem
ilegítima e aprofundar a mudança de regime. É lamentável que isto
aconteça pari passu com a destruição da indústria de construção
naval, a declarada intenção de desnacionalizar a Embraer e o
esquartejamento da Petrobrás. Ou seja, políticas que favorecem empresas
estrangeiras muito bem amparadas por seus respectivos Estados nacionais
e, no Brasil, contribuem para aumentar o número de condenados da terra,
sérios candidatos a vítimas de futuras operações de “segurança” que
objetivamente contribuem para reproduzir o que se chama de “escravidão
social”.
Sabemos como intervenções militares começam e como costumam terminar.
Cabe às forças democráticas, nacionais e populares manifestar nossa clara desaprovação.
Fonte Outras Palavras
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