Eu firmo as minhas convicções, sem nenhuma sombra de dúvida: Lula não cometeu crime, não praticou ato identificável para beneficiar a OAS, não recebeu nem nunca desfrutou do triplex, foi julgado de forma parcial, com uso de delações forjadas sem provas, condenado com base em indícios que mais provam sua inocência que sua culpa, em tempo desproporcional em relação a outros réus e em desacordo com a lei e a jurisprudência. Sofre um processo de exceção, legal na forma, ilegal no conteúdo, e é um prisioneiro político.
1) Lula não foi julgado pelo Porto de Mariel, nem pelo sítio de
Atibaia, nem por empréstimos do BNDES – Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social.
Você pode pensar o que quiser sobre Lula, não votar nele, fazer
campanha contra, mas a questão da justiça ou não da sua prisão gira
exclusivamente em torno do triplex de Guarujá.
2) O que diz a acusação:
a) Lula recebeu, em 2009, o triplex (corrupção passiva), que foi
mantido, no entanto, no nome da Construtora OAS para ocultar patrimônio
(lavagem de dinheiro);
b) Lula teria ajudado, como presidente da República, a OAS em três
contratos com a Petrobrás (ato de ofício ou omissão de ato de ofício).
Por se tratar, assim, de um caso ligado à Lava Jato, deveria ser julgado em Curitiba.
3) O crime pelo qual Lula foi condenado se caracteriza desta forma:
a) receber algum valor ou bem em troca de b) praticar ou deixar de
praticar ato para beneficiar a empresa que deu a propina.
4) Sobre o item “a”, não há provas diretas nos autos, nem testemunhais nem documentais.
Em 2009, o triplex não estava sequer construído. A propriedade (em
papel passado) nunca foi de Lula ou Marisa Letícia. A acusação, então,
apontou que a posse (usufruto) foi de Lula. Ou seja, ele não era
legalmente o proprietário, mas o era de fato.
Lula nunca dormiu uma noite no imóvel, nem ninguém da sua família.
Visitou duas vezes o triplex, o que não pode caracterizar posse.
Desfeita a hipótese da posse, a acusação partiu para a tese de que o
apartamento foi “atribuído” a Lula, conceito não previsto no Código
Penal. Este fato é comprovado pelos chamados indícios.
5) Quais são estes indícios:
a) um documento rasurado onde o número 141 é sobreposto ao número
174. Marisa era dona de uma cota no edifício Solaris no valor de
R$209.119,73 e havia um imóvel reservado para ela (o 141), mas ela
poderia usar o dinheiro para comprar qualquer unidade disponível,
pagando a diferença. O documento rasurado, segundo a acusação,
significaria tentativa de ocultar o negócio.
b) tabelas apreendidas na OAS indicavam que o imóvel estava “reservado”.
c) o depoimento do zelador do edifício, que afirmou que Marisa
“conheceu as áreas comuns, circulando como proprietária, e não como
interessada”.
d) reportagem do jornal O Globo de 10/03/2010, denunciando
que o casal Lula era o real proprietário do triplex, onde consta
inclusive uma confirmação da Presidência da República de que “Lula
continua proprietário do imóvel”.
e) uma conversa de Lula com Leo Pinheiro, na qual o valor do imóvel
não teria sido discutido, o que indicaria que não se tratava de uma
compra.
f) o depoimento de Leo Pinheiro, alegando que reformas foram feitas
para atender pedidos de Marisa. Há trocas de e-mails também discutindo
reformas.
6) A narrativa da defesa, ponto a ponto:
a) Lula nunca negou que tinha interesse em adquirir o imóvel. Supor
que uma rasura é prova de tentativa de ocultação de patrimônio é ir
longe, muito longe nas possibilidades interpretativas.
b) as planilhas na OAS circulavam livremente e é muito comum, no
comércio de imóveis, reservá-los, o que não significa venda. Além disso,
Lula nunca negou que teve, de fato, interesse no imóvel em certo
momento.
c) Marisa andava como se fosse proprietária porque era proprietária,
até então, de uma unidade no edifício, ainda que não estivesse definida
qual. Áreas comuns são… comuns.
d) a reportagem de O Globo afirmava que Lula e Marisa eram
“futuros proprietários” porque eram, como confirmado pela Presidência da
República, mas ainda neste momento da unidade 141.
e)Mais tarde, Marisa pediu o dinheiro de volta e o casal deixou de ter direito sobre qualquer unidade.
f) Por que Lula não perguntou a Leo Pinheiro o preço do triplex?
Havia uma tabela, que fixava preço em R$900 mil ou ainda não havia
negociações de valores. Há várias interpretações, além daquela que diz
que isso prova que o triplex seria dado a Lula. f) o depoimento de Leo
Pinheiro é o mais relevante indício, pois nele se baseia a sentença de
Moro.
Colo abaixo o relato, em 25/01/2018, de Luís Nassif sobre este depoimento:
7) A denúncia de Léo Pinheiro obedeceu à seguinte trajetória:
01/06/2016 – Delação de Léo Pinheiro (LP) trava após inocentar Lula (https://goo.gl/kp3whZ).
23/11/2016 – LP recebe sentença de 26 anos de prisão confirmada pelo TRF4 (https://goo.gl/qFEvgB).
12/07/2017 – por ter ajudado no processo contra Lula, Sérgio Moro reduz a pena de LP a 10 anos e 8 meses.
21/09/2017 – Procuradoria Geral da República não aceita a delação
de Léo Pinheiro por não ter apresentado nenhum elemento de prova
(https://goo.gl/4kn7tF). Mesmo assim, Moro mantém o depoimento de LP e o
TRF4 reduz sua pena para três anos e seis meses. Como já cumpriu uma
parte, deverá ser solto em breve (https://goo.gl/TaY6kp).
8) LP teria dito que o dinheiro para pagar o imóvel viria de uma
conta na OAS de R$ 50 milhões, destinada ao PT, da qual teriam sido
descontados R$3 milhões para o triplex.
O acerto teria sido combinado com o tesoureiro do PT, João Vaccari
Neto, em reunião onde só estavam os dois. O depoimento é claramente uma
troca: acusar Lula para conseguir redução de pena (22,5 anos a menos).
Qual prova LP apresenta? Nenhuma, nem gravação, nem documento, nem
foto, nem agenda, nada. E João Vaccari confirmou? Não foi nem ouvido.
9) Conclusão: todos os indícios indicam que havia a intenção de
repassar o triplex para Lula e que a OAS o reformou atendendo pedido do
casal presidencial.
Nada prova que seria como propina. Os indícios, pelo contrário, indicam que havia uma transação comercial em curso.
O mesmo depoimento que serve para condenar Lula, na interpretação de Moro, também o inocenta. LP disse à Justiça:
“se o presidente não quisesse eu nós íamos ter um belo problema,
não sei o que eu ia fazer com o apartamento porque ele é muito
personalizado, é um valor excessivamente maior das reformas que foram
feitas, da decoração feita, do que valia o apartamento, isso é público e
notório, está nos autos, então está muito claro isso.”
Dois engenheiros da OAS endossam esta mesma versão, em depoimentos.
Igor Pontes afirmou: “O que foi dito foi que ele estava fazendo uma
visita para ver se ele ia ficar com a unidade, um potencial comprador
era o termo que se utilizava.”
Inquirido por que a reforma no apartamento foi feita, Igor respondeu:
“A justificativa foi que no apartamento seria feita uma melhoria
com o objetivo de facilitar o interesse pela unidade, porque a unidade
era muito simples, era uma unidade básica, enfim, e o objetivo era
melhorar o apartamento para ver se de repente o ex-presidente se
interessava em ficar.”
Mariuza Marques, outra engenheira, confirma a tese:
“Não, eu não sei lhe informar se ela possuía um proprietário, se
dizia que tinha, iria, assim, reformar, melhorar porque tinha, assim,
um cliente em potencial para comprar essa unidade, que tinha interesse
nessa unidade.”
10) O que fica claro é que Lula tinha interesse na unidade e direito
de adquiri-la. E tudo indica que era apenas um potencial comprador.
As reformas, caras, poderiam ser dadas como propina ou mesmo toda a
diferença entre a unidade 141 e a 174. Mas Lula desistiu do negócio e
pediu os R$209 mil de volta. Por quê?
Talvez porque não gostou das reformas, talvez porque teve medo da repercussão política, fosse um negócio lícito ou ilícito.
De qualquer forma, o crime pelo que foi condenado não aconteceu. Lula foi, como no filme Minority Report, condenado pela intenção de
cometer um crime, um pré-crime. E nem esta intenção está claramente
comprovada. Pelo contrário, há mais indícios que atestam que se tratava
de uma transação comercial do que de que se tratava de corrupção.
11) O ponto dois da acusação é que ele teria praticado um ato de ofício que beneficiaria a OAS, em três contratos da Petrobrás.
Sérgio Moro, na sentença, exclui isso, pois não consegue, nem ele,
formar convicção. Daí a importância do depoimento de LP mais uma vez,
alegando que se tratava de uma conta geral de R$50 milhões, já que não
era possível indicar especificamente quais atos o presidente Lula
cometeu para favorecer a OAS.
Provas disso? Nenhuma. Vaccari, que podia confirmar (também poderia fazer uma delação premiada), não foi nem ouvido.
Logo, não há ato de ofício, apenas uma afirmação genérica sem provas.
E a lei especifica que delação premiada só vale com provas e, por isso,
LP não foi levado a sério em outras instâncias, mas convenceu ou
reforçou a convicção prévia de Moro.
12) Em suma, Lula foi condenado por um pré-crime, no máximo, e sem
ter praticado ou deixado de praticar, na Presidência da República,
nenhum ato identificável para beneficiar a OAS.
Condenação sem provas, portanto, por um crime que não aconteceu. Não há corpo, não há arma do crime; só há o assassino.
13) O enredo mais provável do que aconteceu é bem mais simples. Lula
saiu da Presidência da República com 87% de aprovação popular e como um
dos líderes mais respeitados do mundo.
Passou seu mandato viajando para outros países, como um mascate,
oferecendo produtos de empresas brasileiras e fazendo acordos bilaterais
e multilaterais de comércio com outros países. Isso, em tempos de
preços altos de commodities, permitiu vários saldos seguidos na
balança comercial, possibilitou o pagamento da dívida externa e criou
uma imensa reserva cambial para o Brasil de US$288 bilhões (isso mesmo,
dólares).
Quando saiu do mandato, continuou operando a favor das empresas
brasileiras no exterior, sobretudo a construção civil. Isso é moral?
Talvez não, mas não é ilegal. E é basicamente o que fazem todos os
países capitalistas ao buscar promover, proteger e ampliar o raio de
ação das empresas nacionais.
Mesmo que a OAS quisesse dar o triplex a Lula, seria mais razoável
supor que era pelo papel que ele desempenhava para a empresa naquele
momento e não por atos praticados quatro ou cinco anos antes.
14) Você pode não gostar que Lula fosse um tipo de porta-voz da OAS
(e outras várias construtoras) depois que saiu da Presidência.
Já querer que ele seja preso por isso, sendo que a prática não é
criminosa, é absurdo. Você pode acreditar que Lula recebia propina da
OAS na forma de palestras, pois é um “cachaceiro” que só sabe “fazer
metáforas de futebol”.
Eu acho que isso é preconceito com um presidente reconhecido como o
melhor ou pelo menos um dos melhores da história do Brasil. Tem muita
gente que pagaria sim, muito dinheiro, por uma palestra de Lula, como
também pagaria por palestras de Deltan Dallagnol.
Não há crime em fazer e receber por palestras, mas é muito mais
imoral fazê-las ainda no exercício do cargo público. Além disso, Lula
não fazia palestras: abria mercados. Quanto isso vale para empresas da
construção civil?
15) Há outros elementos que comprovam que Lula está sendo perseguido
pela Justiça e que a sentença, em si, é ilegal, que o resultado era
sabido desde o princípio e que o trâmite jurídico serviu apenas para dar
um verniz formal a uma arbitrariedade.
Ou seja, o processo é legal na forma, mas não no conteúdo.
16) Primeiro, se Moro admitiu que o dinheiro não veio de contratos
específicos com a Petrobrás, Lula não poderia nem ser julgado por ele e
nem acusado pela Procuradoria do Paraná, pois deixa de ser um caso
relativo à Lava Jato.
O processo deveria ser remetido a São Paulo, foro de Lula. Neste
momento, com o fim do foro privilegiado de Geraldo Alckmin (deixou de
ser governador para concorrer à Presidência da República), seu processo
está sendo remetido do STF para a justiça de primeira instância em São
Paulo. Era o que Moro deveria ter feito com Lula, remetendo o processo
para São Paulo.
17) Segundo, construíram a imagem de Lula como o chefe de uma
quadrilha, mas ele receberia menos propina que o terceiro escalão. Faz
sentido?
18) Terceiro, a Lava Jato está destruindo o instituto da delação
premiada, usando prisões como tortura para forçar denúncias contra quem
quer que seja.
A lei, para evitar isso, exige que delatores apresentem provas. Sem
provas, é o mesmo procedimento que, na idade média, levou a inquisição a
queimar diversas mulheres sob a acusação de bruxaria.
Delação sem prova é medieval e ilegal. Moro aceitou uma prova ilegal,
claramente forçada e, mesmo assim, que contradizia sua tese.
19) Quarto, no país onde a demora do judiciário para julgar espalha o
sentimento de impunidade na população e gera insegurança jurídica, Lula
foi julgado em duas instâncias em tempo recorde.
Moro mandou prendê-lo minutos após receber autorização do TRF4 para
isso. Há mais de uma dezena de condenados em segunda instância em
liberdade ainda, esperando ordem de Moro.
20) Quinto, o TRF4 julgou em desacordo com sua própria jurisprudência. Cito aqui o advogado Márcio Paixão (gl/eVhDGM):
“Em diversos julgados, Sua Excelência, Desembargador Federal João
Pedro Gebran Neto, vem consignando as balizas adotadas por aquela Turma
para formação do convencimento judicial com base somente em indícios,
como nesse caso.
São, em suma, esses os critérios: (…) Esta prova indireta deverá ser acima de qualquer dúvida razoável,
excluindo-se a possibilidade dos fatos terem ocorrido de modo diverso
daquele alegado pela acusação. É dizer, seguindo na lição de Knijnik, os
diversos indícios que envolvem o fato probando devem ser analisados em
duas etapas, primeiro em relação a cada indício; depois o conjunto
deles.
Assim, sendo cada indício certo e preciso, pode-se obter a
concordância a partir do conjunto (op. cit., p. 51), sendo que um único
indício, mesmo que certo e grave, pode acarretar na exclusão de um juízo
de certeza quanto aquilo que se pretende provar.”
Com base nesta jurisprudência, o advogado aposta (o texto é
anterior ao julgamento no TRF4) na absolvição de Lula: “firmo três
conclusões:
(i) o conjunto indiciário é somente parcialmente consistente com a versão da acusação, segundo a qual Lula seria proprietário do tríplex desde 2009;
(ii) o conjunto indiciário é plenamente consistente com a versão da defesa, segundo a qual houve interesse pelo tríplex, mas o casal não o adquiriu e Lula não o recebeu;
(iii) o conjunto composto pela totalidade dos elementos de convicção (indícios e provas) é integralmente coerente com a hipótese apresentada pela defesa e apenas parcialmente coerente com a hipótese apresentada pela acusação”.
21) Eu firmo as minhas convicções, sem nenhuma sombra de dúvida: Lula
não cometeu crime, não praticou ato identificável para beneficiar a
OAS, não recebeu nem nunca desfrutou do triplex, foi julgado de forma
parcial, com uso de delações forjadas sem provas, condenado com base em
indícios que mais provam sua inocência que sua culpa, em tempo
desproporcional em relação a outros réus e em desacordo com a lei e a
jurisprudência. Sofre um processo de exceção, legal na forma, ilegal no
conteúdo, e é um prisioneiro político.
*Mário Messagi Júnior é jornalista, doutor em Ciências da Comunicação pela Unisinos e professor de Comunicação na UFPR.