O cenário que se esboça é a repetição da disputa entre esquerda e direita que ocorre desde as eleições de 1994: de um lado o PT e seus aliados, com um programa de governo inovador e, de outro, PSDB e Centrão
Por Marcus Lanoni*
A estratégia do PT de manter a candidatura de Lula, mesmo ele estando
preso, está se revelando frutífera do ponto de vista eleitoral. Em
primeiro lugar, a campanha de denúncia e de luta contra o processo
judicial arbitrário, sem provas, altamente politizado, enfim, que o
levou à prisão é uma posição de resistência política fundamental contra a
deterioração do Estado Democrático de Direito associada ao golpe contra
a presidente Dilma Rousseff, em 2016. Em segundo lugar, a
criminalização do PT e a exclusão política da candidatura de Lula são as
principais motivações da marcha à direita em curso no país, de modo que
o PT apostou, e considero que o fez corretamente, na exploração de
todas as possibilidades políticas e institucionais de resistência
possíveis, usando o próprio processo eleitoral como um caminho
singularmente fértil para maximizar a luta contra o arbítrio e, assim,
fortalecer seu cacife para o pleito presidencial de 2018.
Na última pesquisa Vox Populi/CUT, Lula tem 41% das intenções de
voto. O segundo colocado, Jair Bolsonaro (PSL) aparece bem distante, com
apenas 12%. Como disse um humorista recentemente, o candidato preso
está com a vida bem mais fácil que os candidatos livres, que suam a
camisa percorrendo o Brasil, mas não chegam a ameaçar o petista. Nesse
cenário, Lula venceria já no primeiro turno.
Mas há também duas novidades importantes no campo progressista. A
primeira é que, confirmada a cassação do registro da candidatura de Lula
ou mesmo, em caso mais grave ainda, se esse próprio registro for
casuisticamente negado pelo TSE, as tendências apontam para o aumento de
sua capacidade de transferência de votos para outro candidato,
mecanismo que já ocorreu nas eleições de 2010, 2012 e 2014: a eleição e
reeleição de Dilma Rousseff e a eleição de Fernando Haddad.
Há cerca de um mês, uma pesquisa eleitoral feita por encomenda da XP
Investimentos constatou que se a candidatura de Haddad, por exemplo, for
apresentada isoladamente, reúne 3% das preferências, mas esse número
sobe para 11% se o candidato for vinculado a Lula. Há dez dias, a Vox
Populi mensurou que a capacidade de transferência de Lula, nesse
momento, varia entre um mínimo de 20% até um teto de 32%. Esse quadro
colocaria o eventual Plano B do PT no segundo-turno. Dois terços dos
eleitores de Lula tendem a votar em quem ele indicar.
A outra novidade importante que impacta no campo progressista é o
revés enfrentado, no momento, pela candidatura de Ciro Gomes em função
do Centrão (PP, PR, DEM, PRB e SD) ter recuado em apoiá-lo e estar
negociando o apoio a Geraldo Alckmin. Embora hoje, como nunca antes na
história nacional, tudo que era sólido se desmancha no ar e, por isso, a
previsibilidade está um tanto quanto pressionada pela volatilidade, não
é pouca coisa essa reação da direita neoliberal mais orgânica,
capitaneada pelo PSDB, para fazer frente ao Bolsonaro. Desenha-se uma
forte candidatura alternativa de direita à extrema-direita, inclusive
pelo tempo de TV que pode arregimentar. A maré conservadora é forte,
mas, como seu programa tem pouco a oferecer à Nação, essa força pode ser
um mero castelo de areia.
Por outro lado, a esquerda enraizada na base popular e competitiva
para governar não está sangrando, pelo contrário, a estrela petista
sobe. O programa de governo da candidatura Lula, coordenado por Fernando
Haddad, começou a ser divulgado. Contém propostas inovadoras, que, por
um lado, motivam a militância, por outro lado, representam alternativas
ao caos econômico e político nacional: a revogação da emenda
constitucional do teto de gastos e da reforma trabalhista, o aumento da
oferta de crédito, inclusive por meio da redução do spread bancário pela
via da política tributária e o incentivo à democracia direta prevista
na Constituição de 1988, com os plebiscitos e referendos.
Enfim, prevalecendo o cenário desenhado nesse artigo, se repetirá a
estrutural disputa entre esquerda e direita que ocorre desde as eleições
de 1994: a efetiva competição será entre, por um lado, PT e seus
aliados e, por outro lado, PSDB e o Centrão. Uma virada política à
esquerda está sendo construída e se revelando factível de viabilizar-se
em 2018. Mas toda a perseverança e a inteligência política são poucas
para garantir essa vitória que poderá tirar o país do fundo do poço e
resgatar a democracia maltratada pela ofensiva conservadora. Um pacto de
não agressão e uma ponte de diálogo entre os progressistas precisam ser
cultivados. Boas ideias para a economia também são fundamentais.
*É cientista político, professor do Departamento de Ciência Política da
Universidade Federal Fluminense (UFF), realizou estágio de pós-doutorado
na Universidade de Oxford e estuda as relações entre Política e
Economia
Fonte Brasil Debate
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