É vergonhoso que autodenominados democratas se calem e fiquem neutros ante a ameaça que paira sobre o Brasil e seu povo. A neutralidade é uma forma de adesão neste momento. A neutralidade é a face covarde que escolhe essa fúria negativa e obscurantista que erguerá escombros do que resta desta democracia doente. Repudiando essas condutas é preciso ter uma resolução firme e escolher a prudência corajosa representada por Haddad. Não basta escolher, é preciso anunciar a escolha e lutar por ela.
Aldo Fornazieri
Muitos brasileiros têm
motivos fundados para não votar no candidato do PT. Menos por Fernando
Haddad e mais pelo PT. Afinal de contas, o partido, que foi combativo,
vigoroso e defensor da ética na política se corrompeu no governo. Se é
verdade que os dois mandatos do presidente Lula ficarão entre os mais
exuberantes e exitosos da história do Brasil, também é verdade que o
governo Dilma deixou muito a desejar e, em parte, está na raiz da atual
crise. Mas se tudo isto for colocado nos pratos da balança da história é
possível perceber que há um saldo mais positivo do que negativo em
favor dos governos petistas.
Ademais, na própria
questão da corrupção, foi sob os governos petistas que se criaram os
mais poderosos instrumentos de combate à mesma, sem os quais o Brasil
estaria ainda mergulhado no lodaçal que degrada os governantes e as
instituições e desacredita os cidadãos. Foi dada autonomia à Polícia
Federal, foi fortalecido o Ministério Público, foi sancionada a Lei da
Delação Premiada e foi criada a Controladoria Geral da União. Não
bastasse isto, não há nenhuma acusação séria contra a gestão de Haddad
pelos quase sete anos à frente do MEC e sua gestão na Prefeitura de São
Paulo foi marcada pelo desbaratamento da máfia dos fiscais e pela
recuperação de milhões de reais desviados desde os tempos de Maluf.
Quiseram os caprichos da
história e da Fortuna destinar a Haddad a tarefa de enfrentar o maior
perigo para o frágil processo de construção da democracia desde o início
da redemocratização. Perigo expresso em tudo o que a candidatura de
Bolsonaro representa. Assim, todos os eleitores que não gostariam de
votar no PT e, mesmo, muitos eleitores que votaram em Bolsonaro, movidos
por uma justa raiva e tristeza, estão postos diante de uma terrível
encruzilhada: votar em Bolsonaro e levar o Brasil por caminhos escuros e
escorregadios que o conduzirão aos abismos do ódio entre irmãos, entre
familiares, à violência política e, quiçá, à guerra civil ou votar em
Haddad para que se possa divisar uma luz no fim do túnel, para que se
possa disputar eleições com um convívio pacífico e para que se inicie um
novo processo de construção da democracia, com justiça, liberdade,
direitos e igualdade.
Em política, a palavra,
as promessas e as ações dos líderes sacramentam o conteúdo das alianças
que eles fazem com o povo, com os eleitores. A campanha de Bolsonaro tem
pregado a violência generalizada, tem estimulado o estupro, tem pregado
mais pregos nas mãos e nas almas dos negros e negras que carregam uma
cruz histórica desde os tempos da escravidão. O candidato votou contra
as empregadas domésticas, contra os direitos dos deficientes, contra as
demandas dos trabalhadores. As suas votações no Congresso contribuíram
para espezinhar os mais fracos, os humildes, aqueles que mais sofrem. Em
quase trinta anos de mandato, ele não produziu nenhuma obra contra a
corrupção e apenas usufruiu das benesses do poder.
Bolsonaro se diz
patriota. Mas o que é a pátria? A pátria é o povo que vive em um lugar e
que tem uma cultura, uma língua, uma identidade. Não se pode ser
patriota sem amar o povo, sem defender os seus direitos, a igualdade e a
sociedade justa. Não se pode ser patriota e defender os ricos, as
injustiças, a opressão e a discriminação. Não se pode ser patriota e
semear a violência, a discórdia e a inimizade entre o povo. Ninguém que
é injusto, impiedoso, cruel e desumano é patriota.
Bolsonaro proclama "o
Brasil acima de tudo", mas não diz o que isto significa. O Brasil acima
de tudo só pode significar o povo acima de tudo, um povo com educação,
cultura, saúde, moradia, trabalho, direitos e civilidade. O Brasil
estará acima de tudo se suas riquezas forem postas a serviço do bem
estar do seu povo, se o meio ambiente for preservado, se o
desenvolvimento for sustentável se as gerações presentes deixarem como
herança boas condições de vida ambientais e materiais para as gerações
futuras. Bolsonaro afirma que defenderá a família. Mas como defenderá a
família semeando a violência? Como defenderá a família não defendendo os
direitos de igualdade das mulheres, inclusive a igualdade salarial?
Como colocar Deus acima de todos e querer a desigualdade e a injustiça
entre os seres humanos? Todas as religiões dizem que Deus é justo.
Em nenhum outro momento
da história, o povo brasileiro foi chamado a votar com a razão, com a
reflexão e com a ponderação como neste momento. O povo terá que escolher
entre a destruição e a possibilidade de um novo recomeço da democracia.
A ira do povo é justa, não há dúvida sobre isto, pois os governantes
tiram muito do povo e devolvem pouco. Mas raiva não pode deixar o povo
surdo e mudo quanto às advertências e os perigos que a escolha de
Bolsonaro representam. A ira do povo não pode atrair o mal sobre o
próprio povo. É preciso restabelecer o diálogo com o povo irado,
mostrar-lhe, sem sectarismo e sem rancor, onde está a verdade, onde está
a justiça, onde está a fé, onde estão os remédios para superar este
presente triste e onde está a esperança por um futuro melhor.
Mais uma vez, os
caprichos da história e da Fortuna quiseram que Haddad representasse
esta fé, esta razão e esta esperança porque se há um sentido de justiça e
de bem estar nesta disputa, este sentido está em Haddad. Votar em
Haddad é perdoar os pecados dos outros, perdoar o PT. Mas o PT também
precisa pedir perdão à sociedade. Votar em Haddad é dar uma chance para
que o sistema político brasileiro, com seus partidos, se reconstrua em
bases éticas, em bases orientadas para a justiça, em bases onde as
instituições se tornem mais eficazes na solução dos problemas do povo e
do Brasil.
Um povo irado pode querer
um líder irado, é compreensível. Mas um capitão descontrolado pode
levar o barco a pique em meio à tempestade. Bolsonaro pode ser irado,
mas a sua ira não é nem santa e nem justa pelo que prega e pelo que
votou no Congresso. A ira santa e justa é aquela que defende os humildes
e os humilhados, os oprimidos e os espezinhados pelas injustiças. Não
há como ter uma ira santa e justa sem defender e colocar-se ao lado dos
pobres, dos negros, das mulheres e dos jovens - essas imensas maiorias
que não conseguem se dar um destino porque as condições materiais e
espirituais injustas o impedem.
Nesse momento de tormenta
da vida política brasileira, o Brasil e o povo precisam de um líder
prudente, corajoso, comprometido com a salvação do país. Para que a ira
do povo se transforme na espada luminosa a guiá-lo rumo a um futuro
melhor, rumo à terra prometida, a ira precisa se transformar em razão,
em luz que ilumina as escolhas. A razão clama o voto em Haddad, pois ele
é este líder prudente e sensato em meio aos tormentos do sofrimento e
do medo.
Nada de digno, nada de
edificante, nada de justo surgirá sobre a montanha de mentiras, da falta
de escrúpulos, da falta de moralidade erguida pela campanha de
Bolsonaro. Trata-se de uma campanha que está semeando a semente do mal e
da violência e disto não poderá frutificar nenhum bem. Todos os limites
do aceitável foram rompidos quando se trata de exigir parâmetros
mínimos de respeito aos critérios democráticos da disputa. O PT ficou 13
anos no governo e em nenhum momento a democracia foi ameaçada, nenhuma
violência foi cometida contra cidadãos. Em contrapartida, bolsonaristas
agridem e matam pessoas que declaram voto em Haddad, cravam a ponta de
faca a suástica nazista em jovem que discordam deles e picham igrejas
com a mesma suástica. Amanhã agirão para impô-la sobre a bandeira do
Brasil.
Não chega a ser estranho
que a Justiça Eleitoral e outras autoridades se calem covardemente ante
os atentados que vêm sendo cometidos contra as regras democráticas.
Autoridades que rasgaram a Constituição não se guiam pelo metro das leis
É vergonhoso que autodenominados democratas se calem e fiquem neutros
ante a ameaça que paira sobre o Brasil e seu povo. A neutralidade é uma
forma de adesão neste momento. A neutralidade é a face covarde que
escolhe essa fúria negativa e obscurantista que erguerá escombros do que
resta desta democracia doente. Repudiando essas condutas é preciso ter
uma resolução firme e escolher a prudência corajosa representada por
Haddad. Não basta escolher, é preciso anunciar a escolha e lutar por
ela.
Aldo Fornazieri - Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP).