Epidemiologista evolutivo descreve a fórmula que ameaça furacão de novas epidemias, com a nefasta indústria das Big farms. E como o governos neoliberais as reforçam, ao sentenciar população à contaminação deliberada
Rob Walace, em entrevista a Anna Beatriz Anjos, na Agência Pública
Outras Palavras
Não é de hoje que o epidemiologista evolutivo Rob Wallace alerta para
a relação entre o agronegócio e o surgimento de patógenos mortais aos
seres humanos. No livro “Big Farms Make Big Flu”, de 2016 – lançado no
ano passado em português como “Pandemia e Agronegócio” –, ao analisar
surtos do vírus influenza em fazendas de porcos e aves, o
norte-americano comparou o vírus a furacões e escreveu, em tom quase
premonitório, que “um Katrina de influenza poderia estar engrossando
seus braços na fila das epidemiologias”.
Três anos depois, a Covid-19 transformou em realidade as previsões de
Wallace. Embora não tenha sido o influenza a varrer o mundo, ele
explica que o aparecimento do coronavírus causador da doença, cuja
origem possivelmente são morcegos, está intimamente relacionado ao atual
modelo de produção de alimentos. “Na China e em outros lugares, a vida
selvagem está sendo incluída no modelo industrial do agronegócio”, disse
à Agência Pública.
Por isso, ele vislumbra novas epidemias num futuro não tão distante.
“É improvável que demore mais cem anos para que tenhamos uma nova
pandemia realmente grave, como aconteceu a partir de 1918 [com a gripe
espanhola]. É muito provável que tenhamos a Covid-22, a Covid-23”,
afirma. No fim do ano passado, em parceria com outros pesquisadores,
Wallace lançou um novo livro, “Dead Epidemiologists: On the Origins of
Covid-19”, abordando esse e outros aspectos da pandemia.
Ex-consultor da FAO-ONU e do Centro de Controle e Prevenção de
Doenças dos Estados Unidos (CDC), o epidemiologista também critica os
governos “neoliberais de direita” que adotaram “uma abordagem
malthusiana” e apostaram na “imunidade de rebanho”, mas destaca que,
ainda assim, o caso de Jair Bolsonaro é “único”: “A filosofia política
genocida já ocorria muito antes do surgimento da Covid-19, portanto, de
certa forma, não nos surpreendemos com ela. Mesmo assim é horrível,
porque do que vale um governo que não consegue proteger sua população?”,
questiona.
O norte-americano Rob Wallace é autor de “Pandemia e Agronegócio” e
coautor de “Dead Epidemiologists: On the Origins of Covid-19”
O Brasil é visto neste momento como o epicentro da pandemia,
com o número mais alto de mortes diárias no mundo. Além disso, novas
cepas têm sido detectadas por aqui – primeiro a P1, em Manaus, e agora
outra variante, que combina 18 mutações, identificada por pesquisadores
em Belo Horizonte. Você acredita que o Brasil é uma ameaça para todo o
planeta no que diz respeito ao enfrentamento da pandemia?
O Brasil é apenas mais um dos países onde houve negligência, ela está
em todos os lugares, em alguns mais do que em outros. Nos países onde a
negligência foi adotada como política oficial, vimos surgir novas
variantes: nos Estados Unidos, temos uma que apareceu na Califórnia; há o
caso da Inglaterra, com a B117; a P1 no Brasil; além da cepa da África
do Sul. Em sua maioria, esses são regimes neoliberais de direita. No
início do surto, o pensamento nesses lugares era: “O que vamos fazer?
Imunidade do rebanho. Vamos deixar o vírus se espalhar e aí todo mundo
vai ficar protegido por ter sido exposto.” Essa é uma abordagem
malthusiana, porque permite que milhões de mortos sejam deixados pelo
caminho, e também um completo fiasco, já que a resposta imune das
pessoas à exposição ao vírus é diferente da resposta gerada pela
vacinação – a vacina provoca uma resposta muito mais forte. Por outro
lado, há países politicamente bastante diferentes entre si – China,
Islândia, Vietnã, Taiwan, Nova Zelândia, Austrália – que usaram a
governança para seu fim básico: intervir para que uma grande pandemia
não matasse seu próprio povo. É importante analisar a complexidade do
contexto geral para perceber que, ainda assim, o Brasil é único, por ter
como presidente um incompetente e fascista que vê o genocídio como
parte de seu programa de governo. A filosofia política genocida já
ocorria muito antes do surgimento da Covid-19, portanto, de certa forma,
não nos surpreendemos com ela. Mesmo assim é horrível, por que do que
vale um governo que não consegue proteger sua população? Nós tiramos o
Trump da presidência aqui, mas mais de 70 milhões de eleitores votaram
em um homem que matou meio milhão de norte-americanos. Trump e sua
filosofia derivam da própria história colonial e genocida dos EUA, que
perdura até hoje e se manifesta no assassinato de indígenas e na
escravização de pessoas negras. Vemos a mesma política no Brasil, de
muitas maneiras. Portanto, de certa forma, os EUA e o Brasil são
espelhos um do outro.
Você vê com preocupação o potencial de surgimento de novas variantes no Brasil, por conta da alta circulação do vírus?
Nosso grupo de pesquisa batizou a variante B117, que surgiu no Reino
Unido, de “cepa BoJo”, em homenagem ao primeiro-ministro Boris Johnson.
Isso tem um aspecto de sátira política, mas queremos chamar atenção para
o fato de que o aparecimento de doenças não tem a ver só com o vírus.
Sim, é importante fazer análises moleculares e acompanhar as mutações,
mas há uma razão bastante explícita pela qual as novas variantes
surgiram em países negligentes: eles permitiram que o vírus circulasse.
Em vez de imunidade de rebanho, tivemos a “multiplicidade de rebanho”,
que é quando você permite que o vírus circule em meio às pessoas e faça
experimentos com o sistema imunológico humano de forma a driblar a
imunidade. Certamente isso aconteceu no Brasil, onde a P1 emergiu mesmo
com alguns esforços de promover o lockdown. Esses patógenos normalmente
evoluem em um local e se espalham para o resto do mundo, superando as
outras variantes. Portanto, a resposta é sim, isso é perigoso.
Em sua análise, no Brasil há locais com condições favoráveis
ao aparecimento de um novo patógeno perigoso para os humanos, como
aconteceu em Wuhan, na China?
Com certeza. Muitos dos patógenos transmitidos por vetores se
urbanizaram. Sei que o Zika tem a reputação de ser um patógeno
urbanizado – foi da África para a Ásia e depois para o Brasil,
principalmente nas cidades –, mas isso não significa que não tenha nada a
ver com desmatamento, tem muito e em vários aspectos. O primeiro deles é
que o Zika teve alguns dos piores resultados clínicos, principalmente
se co-infectado com dengue e febre amarela – é o que chamamos de
ativação recíproca, quando as proteínas de um patógeno ativam as
proteínas do outro. Nas duas últimas décadas, cientistas brasileiros têm
mostrado que o desmatamento está impulsionando a disseminação de várias
espécies de mosquitos que atuam como vetores de doenças, e alguns
entomologistas brasileiros descrevem em detalhes como muitas dessas
espécies estão chegando às áreas urbanas. Em segundo lugar, a distinção
entre urbano e rural não é mais o que era antes: há a propagação do
continuum urbano para dentro da floresta a ponto de cidades estarem
surgindo encravadas na floresta. Isso expande o circuito de produção e
leva a uma simplificação da floresta em termos ecológicos.
Assim como o SARS-Cov-2, pesquisadores acreditam que os
coronavírus causadores da SARS, cujo surto eclodiu em 2002, e da MERS,
que apareceu em 2012, vieram de morcegos. Por que os morcegos estão
envolvidos no surgimento de patógenos que conseguem quebrar a barreira
de espécie e infectar humanos – processo conhecido como spill over?
Em condições normais, a maioria dos patógenos leva um tempo para
passar de hospedeiro a hospedeiro, e isso deve ser um limite para o quão
“durão” ele pode ser. As exceções a essa regra são os patógenos de
animais como os morcegos, os únicos mamíferos que voam. O sistema
imunológico dos morcegos tem que ser muito bom porque eles não podem se
dar ao luxo de ficar doentes, já que um morcego que não voa é um morcego
morto. Os morcegos e seus patógenos, portanto, vivem numa espécie de
guerra evolutiva, o problema é que, em humanos, esses patógenos causam
danos consideráveis porque nós não estamos no mesmo nível. Quando a SARS
surgiu em 2002, pesquisadores encontraram na floresta vários tipos de
coronavírus parecidos com o SARS-Cov-1 [causador da SARS]. Tivemos três
eventos terríveis de SARS nos últimos oito anos porque os coronavírus
estão evoluindo a partir das defesas que os morcegos estão desenvolvendo
contra eles. Nós definitivamente não queremos entrar no meio dessa
briga. Imagine só, a gente entra num bar e vê dois caras, um segurando
uma garrafa quebrada e outro com uma arma. O que fazemos? Saímos do bar,
não queremos ficar entre eles, certo? Mas é exatamente isso que estamos
fazendo.
Em que sentido estamos “entrando nessa briga”?
Quando vemos um morcego com uma arma na mão e o SARS com uma garrafa
quebrada, nos afastamos. A mesma coisa com os mosquitos: queremos
garantir que as pessoas não sejam picadas por eles dando-lhes moradia e
saúde adequadas e o que mais for necessário. Só não queremos nos expor a
potenciais danos com os quais não podemos lidar. O que as florestas
fazem é trabalhar para nós por conta própria. Em virtude de sua
complexidade, elas são como uma caixa que guarda alguns dos patógenos
mais perigosos e garante que eles não se espalhem para as comunidades ao
redor. Ainda assim, às vezes acontece o spill over para comunidades
indígenas ou pequenos agricultores que vivem ao seu redor. Porém, quando
esses grupos estão ligados a uma longa cadeia periurbana, qualquer
evento de spill over – cujas frequência e diversidade aumentaram – tem
uma chance muito maior de chegar a uma cidade da região e, de lá, se
propagar para o resto do mundo. Agora, é muito trabalhoso se tornar um
vírus celebridade, nem todo mundo pode ser a Madonna ou o Justin Bieber.
Você precisa experimentar muito antes de chegar à combinação que te
permitirá abrir o cadeado e se tornar um patógeno celebridade. Quando
comunidades tradicionais e pequenos agricultores são forçados a deixar
suas terras, basicamente elimina-se as pessoas que sabem manejar a
floresta, preservar sua complexidade e cuidar dos serviços
ecossistêmicos dos quais dependemos. E essas grupos provavelmente serão
forçados a entrar no ciclo de migração, fazendo com que o corredor
periurbano seja não apenas o meio pelo qual as mercadorias são
transportadas, mas um caminho que as pessoas percorrem o tempo todo, de
uma direção a outra, de forma que qualquer patógeno pode encontrar seu
trajeto para a cidade.
Segundo Wallace, as florestas “são como uma caixa que guarda alguns
dos patógenos mais perigosos”; por isso, o desmatamento está diretamente
ligado ao surgimento de novas doenças
Esse processo tem a ver com o aumento da frequência de aparecimento de patógenos mais perigosos?
Antigamente, os patógenos diziam “levei 150 anos para me tornar uma
celebridade”, e agora você tem essa estrela que saiu de um rincão da
Amazônia e cinco anos depois já está na balada bebendo champanhe e se
divertindo. Aumentamos a velocidade com que isso acontece e a
diversidade dos patógenos que estão atingindo esse feito. É improvável
que demore mais cem anos para que tenhamos uma nova pandemia realmente
grave, como aconteceu a partir de 1918 [com a gripe espanhola]. É muito
provável que tenhamos a Covid-22, a Covid-23. Ou serão as próximas
pandemias causadas pelos vírus influenza? Ou vai ser um vírus Nipah [que
apareceu pela primeira vez na Malásia em 1998]? Muitos de nós estávamos
de olho na peste suína africana, que saiu da África, atravessou a
Eurásia e chegou à China em 2018, matando metade dos suínos chineses.
Não estamos vendo apenas novas celebridades emergindo um ano após o
outro, estamos vendo várias aparecendo ao mesmo tempo. Muitos tipos de
patógenos diferentes estão percorrendo esse caminho em vários lugares ao
redor do mundo.
Especialistas têm discutido em que lugares do mundo há
chances da próxima pandemia surgir – China, Índia, Brasil etc –, quase
todos países do Sul Global. Isso dificulta a responsabilização de
empresas e países ricos que incentivam o modelo de agronegócio e lucram
com ele?
Podemos discutir porque os patógenos são a causa do surto. Aí podemos
falar sobre a causa da causa, que é o desmatamento. Depois, temos que
debater ainda a causa da causa da causa, que é como o desmatamento está
sendo impulsionado e por quais motivos. Isso tem a ver com os circuitos
de capital e as geografias relacionais, segundo as quais o que acontece
de um lado do mundo influencia o que ocorre no outro. O nosso grupo de
pesquisa considera que lugares como Londres, Nova York e Hong Kong são
os maiores focos mundiais de doenças porque é dessas cidades que parte o
dinheiro responsável por promover o desmatamento que leva aos eventos
de spill over, seja no Brasil, África ou China.
Em seus livros, você explica que a agricultura industrial
oferece os “meios exatos pelos quais patógenos desenvolvem os fenótipos
mais virulentos e infecciosos”. O que isso significa?
O melhor jeito de facilitar o surgimento de um patógeno mortal é por
meio do sistema industrial de criação de aves, suínos ou gado. Não estou
dizendo que o agronegócio tem a intenção de fazer isso, mas é uma
junção perfeita de circunstâncias que contribuem exatamente para o
aparecimento desses patógenos. Explicando melhor: imagine que você é um
vírus ocupando um hospedeiro. Você não pode ser muito letal porque, se
matar seu hospedeiro muito rapidemante, não consegue infectar o próximo.
Você precisa se replicar somente até o ponto em que está pronto para
passar ao seguinte hospedeiro, e para isso calcula mais ou menos quanto
tempo demora normalmente para que ele apareça.
Por isso as florestas, com sua complexidade, são tão importantes: num
ambiente desse, é improvável que você encontre seu próximo hospedeiro
tão rápido, isso demora um pouco [devido à biodiversidade]. Mas se você
está num celeiro com 50 mil perus ou 250 mil galinhas apinhados e com o
mesmo sistema imunológico, todos terão a imunidade deprimida pelas
condições de aglomeração a que estão submetidos. Você, que é um vírus,
olha e pensa “isso é ótimo, não tenho que me preocupar porque meu
próximo hospedeiro está logo ao lado”. O fato desses celeiros estarem
cheios de porcos e galinhas ajuda a selecionar as linhagens mais
virulentas. E não é apenas um celeiro, frequentemente eles são
construídos perto um do outro, num mesmo lugar, para atender às
necessidades da produção em escala. Como o agronegócio tem muito poder
político, eu costumo dizer que esses vírus têm os melhores advogados do
mundo trabalhando para eles, porque esses advogados estão protegendo um
modelo de negócio de sofrer intervenções. Mas podemos seguir colocando a
culpa no vírus, nos pequenos agricultores ou na China.
Segundo especialistas, o SARS-Cov-2 se espalhou por meio do
comércio de animais selvagens na China. Que semelhanças esse tipo de
comércio tem com o agronegócio mais tradicional?
Nós estávamos preocupados com sopa de morcego, mas não se trata
apenas do animal, é mais sobre como ele está sendo integrado a um
determinado modo de produção. Na China e em outros lugares, a vida
selvagem está sendo incluída no modelo industrial do agronegócio. Parte
do dinheiro que sustenta o agronegócio está começando a custear esse
setor mais formalizado. Como estamos caminhando a passos largos para a
destruição da Terra e de seus animais, o que sobra deles se torna cada
vez mais valioso, e de repente se transforma em mais um meio de ganhar
dinheiro. Resumindo, os animais selvagens estão se tornando menos
selvagens de duas maneiras: ao serem integrados à agricultura industrial
e ao serem expulsos das florestas por conta de sua fragmentação. Por
isso, cada vez mais estão sendo selecionados animais que consigam
sobreviver nessas novas paisagens periurbanas. É o que acontece nos
Estados Unidos com os gansos da neve: eles costumavam passar o verão nas
terras úmidas do Golfo do México, que foram destruídas para dar lugar a
shoppings centers. Enquanto outros animais não resistem e morrem, os
gansos agora passam o verão nas fazendas do norte do país, aumentando a
interface com a criação de aves e o spill over do vírus influenza. O
capital industrial está desconectando todas essas ecologias. As
ecologias estão sempre mudando, mas agora elas estão sendo desplugadas e
reconectadas de forma a permitir que patógenos anteriormente
marginalizados surjam em todos os lugares ao mesmo tempo.
Celeiros “cheios de porcos e galinhas ajudam a selecionar as linhagens mais virulentas”, diz Wallace
Considerando que o agronegócio é uma força política e
econômica muito importante em vários países – no Brasil, representa 26%
do PIB –, há maneiras de ao menos diminuir o risco epidemiológico
relacionado a essa atividade?
Existem maneiras muito práticas de intervir, como a engenharia
reversa. Primeiro, é preciso introduzir a agrobiodiversidade, que atuará
como uma espécie de corta-fogo imunológico. Isso quer dizer que, numa
mesma fazenda, deve-se criar diferentes raças de animais, porque aí, se
um porco ficar doente, é improvável que o patógeno passe para as cabras
ou galinhas. Dessa forma, o agricultor consegue sobreviver
economicamente e não favorece o surgimento de novas doenças, porque não
haverá a densidade necessária para suportar um patógeno tão mortal. Não
significa o fim da doença, só significa que uma doença não vai acabar
com tudo. A segunda coisa é permitir que os animais se reproduzam de
maneira natural para que aqueles que sobreviveram a surtos
epidemiológicos transmitam sua imunidade à próxima geração. Em outras
palavras, reintroduzir as leis de Darwin como um serviço ecossistêmico a
favor da agricultura. Muitos pequenos produtores já fazem isso, e esse é
o melhor jeito de alimentar o mundo e ao mesmo tempo protegê-lo do
estrago que esses patógenos podem causar. Existe um processo de
descampezinação, mas devemos pegar o sentido contrário, precisamos de
mais camponeses. Isso confunde as mentes progressistas porque elas
aceitam as premissas da produção industrial e pensam que a única coisa
que se tem a fazer é socializar os meios de produção, quando na
realidade a riqueza depende do trabalho e da terra. Precisamos de terra
no sentido de uma fonte regenerativa dos meios pelos quais sobrevivemos
como espécie, e os animais não humanos e todos os outros seres devem ser
incluídos na noção do que é uma visão progressista.
Você disse em outras entrevistas que a vacina “pode ser uma
distração das medidas necessárias para evitar que os patógenos continuem
a se expandir”. Por quê?
Quando se trata de derrotar a Covid-19, precisamos vacinar todo mundo
para evitar que as variantes surjam. O problema é o foco unicamente no
aspecto emergencial do surto como forma de desviar a atenção de suas
razões estruturais. Ao dizermos “temos uma vacina, o problema está
resolvido”, deixamos de lado todas as discussões sobre a causa da causa
da causa, que não só nos trouxe a esta pandemia e a todos os diferentes
surtos ocorridos no século XXI, como também nos levará àqueles que ainda
estão por vir. Obviamente precisamos tomar medidas de emergência, elas
são importantes: a vida das pessoas está em jogo e precisamos de
vacinas, antivirais e atendimento de saúde, mas as razões pelas quais
tudo isso não está disponível para todos estão estreitamente ligadas aos
motivos pelos quais as doenças surgem.
Acredita que os modos de vida dos povos indígenas e tradicionais oferecem uma alternativa a esse sistema?
Não quero fetichizar ou colocar ninguém num pedestal, mas as
populações indígenas entendem como produzir alimentos, como mantê-los,
como pensar nosso lugar no mundo. Eles estão tentando nos apontar um
caminho e, de alguma forma, estão nos chamando de volta à Terra, porque
partimos dela. Quando o Elon Musk coloca uma nave no espaço, isso
representa, de fato, o que fizemos: deixamos para trás nosso planeta e
os povos indígenas. Eles têm o direito de estar incrivelmente bravos com
o que fizemos, mas muitos deles, de alguma forma, conseguem nos
oferecer perdão em seus corações, nos chamando de volta à Terra e
dizendo “vamos nos unir novamente ao planeta”. Não é que as culturas ao
redor do mundo não tenham cometido erros, houve civilizações que
colapsaram por razões ecológicas, mas os erros foram específicos,
relacionados a uma paisagem particular. Já nós, o sistema capitalista,
fizemos a versão global disso, constituímos a falha de julgamento como
diretriz primária, como princípio – vamos destruir coisas e nos
orgulhamos disso. Somos deuses caminhando sobre a terra da qual
dependemos e estamos destruindo. O capitalismo gosta muito de enaltecer a
engenhosidade da humanidade. Mas o Elon Musk nos levando a Marte não
tem nada a ver com salvar a humanidade, é sobre o fim da humanidade.
Fonte Outras Palavras
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