sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Invasão de Gaza - Criminosa e abjecta











Quando se define como "entidade terrorista" uma zona povoada por um milhão e meio de seres humanos, entra-se na lógica do genocídio.








Michel Warschawski *








Há que dizê-lo e repeti-lo: a carnificina de Gaza não é uma reacção "desproporcionada" aos morteiros que disparam os militantes da Jihad Islâmica e outros grupúsculos palestinianos contra as localidades israelitas próximas da Faixa de Gaza, e sim uma acção premeditada e preparada desde há muito, como reconhece a maior parte dos comentadores israelitas.
Há que dizê-lo e repeti-lo: estes disparos de morteiro não são"provocações inaceitáveis", como querem fazer crer certos diplomatas europeus, e sim respostas, reconheçamos que bastante penosas, a um bárbaro embargo imposto por Israel, desde há um ano e meio, ao milhão e meio de habitantes da Faixa de Gaza, mulheres, crianças, idosos, com a criminosa colaboração dos EUA mas também da União Europeia.
Há que dizê-lo e repeti-lo: não se trata, como tentam explicar os que têm a memória curta ou selectiva, de um acto de "auto-defesa", muito atrasado, perante uma injustificável agressão palestiniana. Ehud Barak confessa-o sem problemas: há meses que o exército israelita se preparava para atacar a "entidade terrorista" chamada Gaza. Como bem explicava Richard Falk, relator especial da ONU sobre os territórios ocupados, quando se define como "entidade terrorista" uma zona povoada por um milhão e meio de seres humanos, entra-se na lógica do genocídio.
Como o ataque ao Líbano de 2006, a agressão israelita inscreve-se na guerra global permanente e preventiva dos estrategas neo-conservadores no poder em Tel-Aviv e ainda por algum tempo na Casa Branca.
Como o seu nome indica, esta estratégia é preventiva e não precisa de pretextos imediatos e tangíveis: o Ocidente democrático estaria ameaçado por um inimigo global que se identificou em primeiro lugar como "terrorismo internacional", depois como "terrorismo islamista" para finalmente se identificar simplesmente com o Islão. O "choque das civilizações" de Huntington não é uma descrição da realidade política internacional, e sim o quadro ideológico da estratégia ofensiva dos neo-conservadores americanos e israelitas, tal como foi elaborada em comum na segunda metade dos anos 80. Nesta estratégia de guerra, a ameaça islamista tem vindo a substituir o que tinha sido o perigo comunista durante a Guerra Fria: um inimigo global que justifica uma guerra global.
Se o criminoso bombardeamento de Gaza desfruta em Israel de um apoio consensual, se a esquerda institucional, e em particular o partido Meretz, juntou a sua pequena voz ao coro belicista dirigido por Ehud Barak, é precisamente porque partilha a visão do mundo que faz do Islão uma ameaça existencial que é preciso neutralizar imperiosamente "antes que seja demasiado tarde".
Ao horror do crime, é preciso acrescentar a abjecção das motivações imediatas; em breve terão lugar eleições gerais israelitas e as vítimas palestinianas são também argumentos eleitorais. Os mártires do ataque israelita contra Gaza são objecto de uma disputa mediática entre Ehud Barak, Tsipi Livni e Ehud Olmert, sobre quem é o mais enérgico na brutalidade. O criminoso de guerra que dirige o Partido Trabalhista, ou melhor, o que resta desse partido, gaba-se de ter ganho quatro pontos nas sondagens. Para além do cinismo sem limites que mercadeja vítimas inocentes contra uns milhares de votos, Barak demonstra mais uma vez a sua miopia política: na luta para ver quem é mais bestial, e apesar de todos os seus esforços, nunca conseguirá superar Benjamin Netnyahu, porque o eleitorado prefere sempre o original e não a cópia.
Tanto mais que o chefe de guerra se encontra hoje confrontado com o mesmo problema que transformou a guerra do Líbano no fiasco israelita, um problema bem conhecido de todos os que iniciaram guerras coloniais: como terminá-la? "Não vamos parar enquanto não tivermos acabado o trabalho", anuncia ele com toda a arrogância dos pequenos caciques. Mas quando terão "acabado o trabalho"? Quando a população de Gaza e da Cisjordânia estiver disposta a capitular perante os sonhos coloniais dos dirigentes israelitas e a limitar as suas aspirações nacionais a um "Estado palestiniano" reduzido a uma dezena de reservas isoladas umas das outras e cercadas por um muro? Se esse é o "trabalho" que Barak espera poder realizar, o povo israelita deve então preparar-se para uma guerra que não só será extremamente longa, mas interminável. E se o Estado judeu está bem armado para as Blitzkriege, sobretudo quando são levadas a cabo pela aviação, entra rapidamente em crise quando se trata de uma corrida de fundo em que são peritos os palestinianos, como todos os outros povos vítimas da opressão colonial.
É o que explica que, pouco depois de ter começado, e apesar das declarações triunfalistas de políticos e militares, o ambiente em Israel já esteja a mudar. No sábado passado, algumas horas depois dos bombardeamentos de Gaza, manifestávamos a nossa raiva e a nossa vergonha, pouco mais de um milhar de pessoas. Seremos muitos mais neste sábado à noite a exigir sanções internacionais contra Israel e a apresentação de Ehud Barak a um Tribunal Internacional. Estou seguro disso.
Michel Warschawski é um jornalista israelita e dirigente do Centro Alternativo de Informação
Traduzido e publicado originalmente por Comité Palestina