Façamos nós mesmos, agora, já! as novas formas de organização social, plena de liberdade, esta que é a “mãe da ordem” como afirmou o francês Proudhon, o “pai do anarquismo”

Por Rogério Nascimento
Por vezes acontece de sermos invadidos por uma terrível sensação de impotência diante do quadro social aterrador envolvente, onde a recorrência é de arbítrio e violências as mais diversas, nos dando a bisonha impressão de não haver lugar para a utopia, para a poesia, para o sonho de uma sociedade justa, livre do domínio e da exploração e tantas outras mazelas. Às vezes chegamos a nos sentir como que esmagados, de modo a sentirmos quase suprimida uma das características humanas mais características: a capacidade da indignação e da revolta, pressupostos necessários da ousadia, do confrontamento, do impulso lutador, libertador e liberador.
A dominação de uns sobre outros, e sua irmã gêmea a exploração, são constantemente naturalizadas, tomando contornos nítidos no cotidiano e na vida de todos, independente do sexo, da idade e do grupo social a que pertença. No trabalho, na T.V., na escola, na família, nas religiões, com os amigos, no lazer, enfim, na quase totalidade da vivência social do ser humano tem existido e se mantém uma dinâmica instauradora de relações verticais e hierarquizantes, onde o modelo de poder autoritário da sociedade é reproduzido, se sustentando no micro-cosmo social e realimentando o padrão geral; este padrão, por sua vez, é reproduzido no cotidiano de todos, fechando-se num ciclo aparentemente interminável.
Na contracorrente desta história os anarquistas têm, desde o século retrasado, particularmente quando da origem do movimento internacional dos trabalhadores (com a fundação em Londres da 1ª Associação Internacional dos Trabalhadores em setembro de 1864), alertado os produtores quanto aos perigos à dignidade humana e à manutenção da vida no planeta que representa a permanência de um modelo de sociedade baseado na desigualdade, sustentado e garantido pela dominação, exercida através de todos os tipos de governos. A ala libertária da 1ª AIT lutou não só contra o capitalismo, mas também contra o estatismo e pela instauração, de uma forma ampla, da anarquia, que quer dizer pelo estabelecimento de relações sociais libertárias, igualitárias e solidárias.
“Mas, a anarquia, apesar de ser desejável, é uma utopia!”, dirão uns, numa demonstração inequívoca de um certo, mas limitado, conhecimento do anarquismo. “O homem não está preparado para viver sem governo!”, dirão outros, pretendentes ao exercício da governança. “Anarquia ?! Isso é coisa de sonhadores!”, dirão ainda outros, que se consideram (junto com os anteriores), pasmem, simplesmente “realistas” (?). Aos primeiros que entendem utopia como uma impossibilidade, como algo longe da praticidade da vida social, eu digo que o atual modelo de sociedade também é resultado da criação, da inventividade e do poder imaginativo humano.
Da mesma forma, outras formas de sociabilidades a serem instauradas também o serão. Diria mais: se nós, anarquistas, vivemos, segundo os “realistas” (?), na realidade um sonho, eles, de outro lado, vivem a ilusão da realidade, pois não consideram que todo olhar constitui num processo social de seleção, onde elementos e variáveis os mais diversos sofrem um exercício de inclusão e exclusão. Isto que chamam “real politic” ou “a vida como ela é” é, na verdade, uma construção de um certo imaginário social compartilhado por quem nele quer acreditar. Não existe uma realidade fora da mediação conceitual humana e nem tampouco uma forma absoluta de organização da vida social. O ser humano cria e transforma constantemente as formas de convivência social a partir de vários referenciais e de um caldeamento de elementos sociais. O que resta a fazer, e é de fato uma grande obra, é canalizar as energias humanas para a construção de um modo de vida libertário, sedimentando cada vez mais os laços de sociabilidade e solidariedade em confronto direto com tudo que fira a integridade da liberdade de todos e de cada um. Canalizar as energias coletivas e individuais para um sentido de liberdade sempre foi, em todos os tempos, uma tarefa muito complexa uma vez estar condicionada a uma alta sensibilidade por parte de alguns indivíduos e segmentos sociais. Esta sensibilidade é que possibilita a junção dos elementos potencialmente subversivos existentes numa sociedade com as características conjunturais apresentadas nesta mesma sociedade, resultando na configuração das grandes comoções sociais. ]
Da mesma forma, outras formas de sociabilidades a serem instauradas também o serão. Diria mais: se nós, anarquistas, vivemos, segundo os “realistas” (?), na realidade um sonho, eles, de outro lado, vivem a ilusão da realidade, pois não consideram que todo olhar constitui num processo social de seleção, onde elementos e variáveis os mais diversos sofrem um exercício de inclusão e exclusão. Isto que chamam “real politic” ou “a vida como ela é” é, na verdade, uma construção de um certo imaginário social compartilhado por quem nele quer acreditar. Não existe uma realidade fora da mediação conceitual humana e nem tampouco uma forma absoluta de organização da vida social. O ser humano cria e transforma constantemente as formas de convivência social a partir de vários referenciais e de um caldeamento de elementos sociais. O que resta a fazer, e é de fato uma grande obra, é canalizar as energias humanas para a construção de um modo de vida libertário, sedimentando cada vez mais os laços de sociabilidade e solidariedade em confronto direto com tudo que fira a integridade da liberdade de todos e de cada um. Canalizar as energias coletivas e individuais para um sentido de liberdade sempre foi, em todos os tempos, uma tarefa muito complexa uma vez estar condicionada a uma alta sensibilidade por parte de alguns indivíduos e segmentos sociais. Esta sensibilidade é que possibilita a junção dos elementos potencialmente subversivos existentes numa sociedade com as características conjunturais apresentadas nesta mesma sociedade, resultando na configuração das grandes comoções sociais. ]
Aos segundos, antes de qualquer coisa, digo que isto é argumento de todos os beneficiários do poder, ou, quando não seja este o caso, é de quem aspira ser dominador, a “chegar ao poder”. Por quê razão (a não ser pelo fato de melhor espoliar o semelhante ou de se beneficiar com esta situação) o ser humano não pode viver sem autoridade centralizada? Baseado em quê princípio (a não ser o do privilégio) se justifica a preponderância de uma parte da sociedade sobre as outras? Na verdade, quem não está preparado para viver sem governo são os pretensos “representantes do povo” (quer estejam de plantão, quer constituam na parcela que procura “tomar o poder”).
Ademais, não preconizamos o desgoverno. Queremos o autogoverno da sociedade e de cada um; a descentralização política; a autogestão dos trabalhadores; a autonomia dos indivíduos e dos agrupamentos sociais; a liberdade solidária; a socialização dos meios de produção, não significando estatização; o direito de todos a tudo. Queremos a libertação e liberação integral do ser humano, isto é, nos aspectos econômico, político, social, cultural, intelectual, religioso e tantos quantos existam, sem privilegiar um ou outro aspecto da vida social humana.
Ademais, não preconizamos o desgoverno. Queremos o autogoverno da sociedade e de cada um; a descentralização política; a autogestão dos trabalhadores; a autonomia dos indivíduos e dos agrupamentos sociais; a liberdade solidária; a socialização dos meios de produção, não significando estatização; o direito de todos a tudo. Queremos a libertação e liberação integral do ser humano, isto é, nos aspectos econômico, político, social, cultural, intelectual, religioso e tantos quantos existam, sem privilegiar um ou outro aspecto da vida social humana.
Por fim, para quem se considera “realista” (?) e nos chama sonhadores, idealistas ou outro adjetivo desta natureza, confesso muito sinceramente ficar por demais lisonjeado. Afinal de contas não têm sido os sonhadores, os idealistas, os visionários quem têm provocado as mais radicais transformações sociais ao longo da história humana? Não foram os comunards em Paris de 1871 sonhadores? Não foram sonhadores os mexicanos durante a revolução em 1910? Não foram sonhadores os revolucionários em outubro de 1917 na Rússia e em 1918 na Ucrânia? Não foram sonhadores os trabalhadores no Brasil que deflagraram a greve geral em junho de 1917? Não foram sonhadores os revolucionários espanhóis durante os anos de 1936-39? Por acaso não foram os sonhadores abolicionistas que lutaram para exterminar a escravidão negra? Não foram também outros tantos sonhadores quilombolas que ousaram adentrar a mata e criar uma outra sociedade afrontando a sociedade escravista? Quem senão sonhadores e idealistas desafiaram os impérios coloniais e os poderes por estes representados? Quem desafiou e tem desafiado todas as tiranias em todos os lugares e tempos a não ser sonhadores e idealistas? E os chamados “realistas” (?) em todas as épocas não têm sido, indubitavelmente, elementos fundamentais da reação, da conservação e do conformismo? Não são os “realistas” (?) os que têm procurado desanimar e desmantelar as forças insubmissas, de maneira a domesticá-las e acomodá-las mais rapidamente aos grilhões e ao conforto dos convencionalismos de cada época?
Os pretensos “realistas” (?) findam disseminando uma idéia um tanto quanto pessimista em relação à situação social e existencial vigente, arrolando motivos para uma ação dentro dos limites traçados pelos convencionalismos. Tais motivos conduzem a atitudes servis e covardes, a omissões, além de disseminar o oportunismo como saída, sempre individual vale salientar, das limitações e dominações do modo de vida social estabelecido. Quem se afirma “realista” (?) - oposto aos chamados “idealistas”, “sonhadores” ou outro termo para os que buscam estabelecer, e instaurar, novas formas de sociabilidade onde estejam ausentes à dominação e a exploração e seja exercitada a idéia de liberdade, de igualdade - o faz deixando de considerar a evidência das lutas sociais registradas na história de numerosas populações, através das quais os fundamentos da sociedade contemporânea foram fortemente abalados.
Ademais, os “realistas” (?) envidam esforços baseados antes de qualquer coisa num imaginário a partir do qual percebem, selecionam e interpretam muitas das informações e estímulos que lhes são apresentados cotidianamente. Este procedimento seletivo significa o estabelecimento de um contínuo dinamismo de exclusão e inclusão das diversas variáveis apresentadas nos fenômenos e eventos sociais humanos. Tanto que podemos encontrar entre os realistas as mais diferentes e opostas abordagens e descrições dos fenômenos humanos. A “realidade” pode ser um excelente suporte para justificar os mais diferentes pontos de vista, de maneira a podermos retirar, como lição neste ponto, à riqueza de imaginação e criatividade dos que tratam da “vida como ela é”. Michel Onfray em seu livro “A Política do Rebelde: tratado de resistência e de insubmissão” (título bastante sugestivo, não é?) numa certa altura onde problematiza a idéia de determinação social através da economia, subverte este pensamento afirmando ser a economia capitalista, em que pese toda a complexidade e implicações de aspectos relacionados, “o reflexo de uma metafísica que a subentende”; conclui o mesmo parágrafo de forma incisiva: “A economia decorre da superestrutura ideológica e não é, em nada, uma infra-estrutura separada, motriz do mundo, na sua totalidade”.
Os chamados sonhadores, de outro lado, não agem de forma aleatória, lunática ou instituindo a “porra-louquice”. Antes muito pelo contrário, a ação dos sonhadores acima citados se deu sempre dentro de conjunções históricas bastante precisas. Todos eles conheciam bem toda a trama sócio-histórica, político-econômico, na qual as suas sociedades enredavam grupos e individualidades, procurando prender a todos na teia tecida para conter a tendência transformadora. Com certeza todos os revolucionários se depararam com os “realistas” (?) de seu tempo tentando desviar os ímpetos e ações libertárias e liberatórias das coletividades rebeldes e das individualidades insubmissas. A diferença reside no fato dos sonhadores, em todo o tempo e lugar onde se encontrem, se esforcem na subversão da ordem estabelecida através de uma ação de escape da força limitadora do status quo. O conhecimento das condições históricas nas quais se encontram serve não como empecilho, mas como ferramenta a ser utilizada na mudança da sociedade. Conhecendo em profundidade os conceitos, termos chaves e características específicas de seu tempo e lugar, os sonhadores procuram arruinar, destruir e abolir os fundamentos e os sustentáculos da sociedade de sua época. Não se entregam aos limites, antes procuram conhecê-los e, com veemência, superá-los; mais que isto: ignoram muitas das “impossibilidades” colocadas pelas análises frias, ancoradas nos dados de uma dita “realidade” com pretensão à objetividade.
Os exemplos na história são incontáveis e inquestionáveis. Sonhadores e “realistas” (?) têm se encontrados repetidamente num confronto sem fim. Uns querendo e lutando pela transformação social no sentido da ampliação e aprofundamento das liberdades, enquanto outros procuram barrar-lhes o caminho com argumentos insustentáveis e violências sem qualificação. De fato, o que resta a todos, no “frigir dos ovos”, são estes dois caminhos: ou se contribui com ação e iniciativa para a emancipação total do ser humano, usando meios coerentes com os princípios e fins, ou não se luta nesta direção e então se contribui, ativamente ou com omissão, pela manutenção de uma sociedade desigual, violenta e despótica. Não há possibilidade de se ficar em cima do muro, mesmo porque, como já dizia um amigo, quem está em cima do muro está do lado do dono do muro. Assim, faça você mesmo! Façamos nós mesmos, agora, já! as novas formas de organização social, plena de liberdade, esta que é a “mãe da ordem” como afirmou o francês Proudhon, o “pai do anarquismo”
*Rogério Nascimento é pesquisador do Núcleo de Sociabilidade Libertária (NU-SOL) do Programa de Estudos PóS-Graduados em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.Visite o sitio do Núcleo de Sociabilidade Libertária: http://www.nu-sol.org/
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