terça-feira, 29 de março de 2011

1964: data incômoda para a direita

O livro de Beatriz Kushnir, Cães de guarda, da Boitempo, continua a ser leitura indispensável para uma visão real do papel da mídia no golpe e na ditadura.


Por Emir Sader


A cada ano, quando nos aproximamos da data do golpe de 1964, uma sensação incômoda se apossa da direita – dos partidos, políticos e dos seus meios de comunicação. O que fazer? Que atitude tomar? Fingir que não acontece nada, abordar de maneira “objetiva”, como se eles não tivessem estado comprometidos com a brutal ruptura da democracia no momento mais negativo da história brasileira ou abordar como se tivessem sido vítimas do regime que ajudaram a criar?

Difícil e incômoda a situação, porque a imprensa participou ativamente, como militância politica, da preparação do golpe, ajudando a criar um falso clima tanto de que o Brasil estivesse sob risco iminente de uma ruptura da democracia por parte da esquerda, como do falso isolamento do governo Jango. Pregaram o golpe, mobilizaram para as Marchas da Família, com Deus, pela Liberdade, convocadas pela Igreja, tentaram passar a ideia de que se tratava de um movimento democrático contra riscos de ditadura e promoveram a maior ruptura da democracia que o Brasil conheceu e a chegada ao poder da pior ditadura que conhecemos.


Na guerra fria, a imprensa brasileira esteve plenamente alinhada com a politica norteamericana da luta contra a “subversão” contra o “comunismo”, isto é, com o radicalismo de direita, com as posições obscurantistas e contrárias à democracia, estabelecida com grande esforço no Brasil. Estiveram em todas as tentativas de golpe contra Getúlio e contra JK. Em suma, a posição golpista da imprensa brasileira em 1964 não foi um erro ocasional, um acidente de percurso, mas a decorrência natural do alinhamento na guerra fria com as forças pró-EUA e que se opuseram com todo empenho ao processo de democratização que o Brasil viveu na década de 1950.


Deve prevalecer um misto de atitude envergonhada de não dar muito destaque ao tema, com matérias que pretendam renovar a ideia equivocada de que a imprensa foi vitima da ditadura – quando foi algoz, aliado, fator no desencadeamento do golpe e da ditadura. (O livro de Beatriz Kushnir, Cães de guarda, da Boitempo, continua a ser leitura indispensável para uma visão real do papel da mídia no golpe e na ditadura.) Promoveu o golpe, saudou a instalação da ditadura e a ruptura da democracia, tratou de acobertar isso como se tivesse sido um movimento democrático, encobriu a repressão fazendo circular as versões falsas da ditadura, elogiou os ditadores, escondeu a resistência democrática, classificou as ações desta resistência como terroristas – em suma, foi instrumento do regime de terror contra a democracia.

Por isso a data é incômoda para a direita, mas especialmente para a imprensa, que quer passar por arauto da democracia, por ombudsman das liberdades politicas. Quem são os Mesquitas, os Frias, os Marinhos, os Civitas, para falar em nome da democracia?


Por isso escondem, envergonhados, seu passado, buscam a falta de memória do povo, para que não saibam seu papel a favor da ditadura e contra a democracia, no momento mais importante da história brasileira. Por isso tem que ressoar sempre nos ouvidos de todos a pergunta: Onde você estava no golpe de 1964?

Fonte: Carta Maior

Saiba Mais sobre a Autora do livro Cães de Guarda:

Beatriz Kushnir é mestre em História Social pela Universidade Federal Fluminense e doutora em História Social do Trabalho pela Unicamp. Atualmente desenvolve um projeto de pós-doutoramento, com financiamento do CNPq, no Centro de Estudos de Migrações Internacionais (Cemi/Unicamp), e desde 1998 presta consultoria história para cinema e teatro. É autora de Baile de máscaras: mulheres judias e prostituição e organizadora de Perfis cruzados: trajetórias e militância política no Brasil, ambos publicados pela Imago.


PUBLICAÇÕES NA IMPRENSA:

20/03/2004 - Jornal do Brasil online - Nova versão das relações entre jornalistas e a censura - Paula Barcellos
31/03/2004 - Jornal da Usp - Jornalistas que disseram sim
07/05/2004 - Diário do Pará - O jornal de maior tiragem do país - Elias Ribeiro Pinto
01/01/2005 - O Globo - Beatriz Kushnir põe o dedo em feridas ainda abertas ao analisar as relações entre jornais e o regime militar - João Batista de Abreu
18/02/2008 - Blog Vi o Mundo - Beatriz Kushnir: o livro que a mídia fez que não viu - Luiz Carlos Azenha
20/02/2008 - Site Vermelho - O livro que denunciou jornalistas e veículos pró-ditadura
26/04/2008 - Conversa Afiada - Máximas e Mínimas 1093 - Paulo Henrique Amorim
01/05/2008 - Revista Imprensa - Censura
01/06/2008 - Site do Centro de Estudios de la Mujer en la Historia - Cães de guarda
22/04/2009 - Site Vermelho - Beatriz Kushnir: a estreita união entre imprensa e ditadura - André Cintra
29/10/2010 - Carta Maior - A tentação de ver - Beatriz Kushnir
3/12/2010 - Rio Bravo - Podcast 170 - Arquivos da ditadura: Beatriz Kushnir e a ética do olhar - redação
22/02/2011 - Carta Capital - Dilma na cova dos leões - Leandro Forte


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