Há necessidade urgente de uma reforma partidária. Ela é o ponto de partida para tudo. Para quem defende voto distrital, esqueça a reforma partidária. Os partidos acabarão no Brasil, que será um pais de caciques num País dividido em feudos.
Por Márlon Jacinto Reis*
A proposta do voto distrital que estão discutindo, o tal "distritão", tem o objetivo de prejudicar partidos emergentes, só interessa ao PMDB. Com essa proposta os partidos serão reduzidos a quase nada, pois os candidatos não precisarão deles para se eleger, sem falar que a briga dentro da própria legenda será ainda pior do que já é hoje.
O voto distrital não facilita o controle, mas facilita o clientelismo. Os patronos assumirão o controle vitalício e hereditário dos distritos. O distrito é o ambiente perfeito para a compra de votos. Será o fim dos partidos, que serão oficializados como simples exigência burocrática para a candidatura .
Até o sistema atual é melhor do que isso. Os deputados serão de uma vez por todas sim, simples despachantes, interessados apenas em carrear recursos para o Distrito, secundarizando os debates estratégicos nacionais.
As listas partidárias têm que ser bem compostas, se o partido quiser ser bem votado. Um deputado que participou de um escândalo não entra, porque compromete a votação de toda a lista. Figuras inexpressivas também não terão destaque nas listas. Por outro lado, a lei deve exigir que a lista seja formada por votação dos filiados e não por escolha do diretório.
A lista pré-ordenada é transparente. Sabe-se exatamente o impacto do voto. Ela é, ao contrário, um antídoto já testado em outras nações contra o caciquismo e o clientelismo, já que a base para coesão nos partidos fisiologistas é a possibilidade de alcance do mandato. Se o cacique dita qual é a ordem, o que manterá unidos os que não forem contemplados? Só partidos sustentados por programas permanecem coesos após a escolha da lista.
Na Espanha, após quase meio século de ditadura de Franco, optou-se pela lista fechada e bloqueada como meio de impedir o controle da política por patronos locais. O resultado foi a saída da Espanha da condição de quintal da Europa para a posição de destaque que tem hoje , com o maior percentual do mundo de adultos com formação superior. Lá as eleições são debates ideológicos, propiciados pela ação de partidos delineados programaticamente. E o sistema foi implantado num pais pobre e analfabeto.
A lista pré-ordenada, que chamo de lista transparente, é o meio propício para o desenvolvimento de partidos identificados com programas.
A formação da lista deve obedecer a uma lógica de coesão partidária, pois se ela não tiver uma lógica interna, se justificando perante os demais membros do partido e especialmente entre os demais pretendentes, o partido se dissolve. Não dá para empurrar pessoas na lista.
O partido naturalmente iria zelar pela lista: não colocaria candidatos envolvidos em escândalos. Se colocado tal candidato ( corrupto, fraudulento, desonesto, desleal, indigno), este afastaria os eleitores, mais do que agregaria.
Portanto, a lógica na lista partidária, não é a atual (lógica) de deputados isolados, mas a de grupos. Passa-se da fase primitiva da política de indivíduos para a de sujeitos coletivos.
Com votações individuais, em que membros de um partido tem que disputar o voto com correligionários, não é possível formar partidos programáticos . Já no voto distrital, os partidos acabam de vez, pois só importa a pessoa, a figura pessoal dos candidatos. Se hoje um grupo de ambientalistas quiser formar um partido, será destruído pela lógica. Só a disputa interna, exigida pelo sistema que leva uns a disputarem votos com os outros . Se houvesse lista fechada, todos atuariam como um bloco. Já os partidos em que prevaleça o fisiologismo não consegue alcançar a coesão necessária para manter todos unidos em torno de uma lista formada por um cacique. Por que os outros ajudariam, se foram vítimas de uma prática democrática dentro do partido?
Pensemos num "político" famoso de São Paulo, que quase presidiu o Brasil. Ele tem muitos votos para se eleger deputado mas a rejeição a ele é tão forte que ele seria considerado um praga por qualquer lista partidária. Sua votação individual é muito forte. Ele seria eleito por muitos distritos em São Paulo. Poderia escolher o distrito onde ficaria para sempre eleito sem fazer campanha. Mas numa lista partidária, sua presença seria muito danosa para o coletivo, que teria apenas a votação que hoje já pertence a esse polêmico parlamentar, o que levaria seu partido a um fracasso nas urnas. Temos portanto de fugir da idéia de vinculação de parlamentares com o distrito. O papel de proximidade com o povo é dos vereadores, prefeitos e o governo do Estado. A Câmara dos Deputados deve pensar leis para o Brasil. Sua função é genérica, abstrata, não paroquial. O Parlamento precisa ser uma representação das ideologias que vicejam no Brasil, não uma disputa para para ver quem individualmente tem mais voto .As mulheres são 9% do parlamento e 51% da população. E os índios, não são brasileiros. Não há um só deles no Congresso Nacional.
Há necessidade urgente de uma reforma partidária. Ela é o ponto de partida para tudo. Para quem defende voto distrital, esqueça a reforma partidária. Os partidos acabarão no Brasil, que será um pais de caciques num País dividido em feudos. Pergunta-se: Se tivermos voto distrital, como será a divisão das circunscrições eleitorais? E é aí que está: É o Parlamento quem fará a divisão. Como acham que ela será feita? Os mais fortes derrotarão os mais fracos, fixando distritos em suas bases eleitorais. Quase vejo como ficará o Maranhão: Um Estado dividido em distritos. Cada um será dominado por um patrono que irá a Brasília apenas para buscar recursos para a sua clientela.O Brasil já teve o voto distrital. Foi assim no Império e na República Velha. Foi preciso uma revolução (a de 1.930) para que o sistema fosse mudado. Ele acabava com as minorias. Os eleitos nos distritos eram, sempre, por razões óbvias, os que eram ligados ao Governo.
Imaginem as eleições de 2.010 quando o Presidente tinha elevados índices de aprovação. Em quantos distritos venceriam pessoas que o criticassem? Os candidatos apoiados pelo partido se aproveitariam da popularidade do Presidente, e ainda seriam vistos como os que mais poderiam trazer de Brasília, para os seus distritos.A oposição teria sido esmagada.
Por fim, a lista fechada não é o modelo ideal, mas é o único que permite o desenvolvimento de partidos ideológicos, coisa de que o Brasil já precisa, mas não propicia o ambiente adequado para que surjam e cresçam. Não podemos estancar o amadurecimento da idéia.O sistema de votação em listas é bastante utilizado no mundo e pode ser uma alternativa Não existe somente o sistema de lista fechada como em alguns locais da Espanha ou mesmo em Portugal, em que fica a cargo do partido a escolha dos lugares . Por exemplo a Suécia, Holanda, Dinamarca e Finlândia, que estão entre os dez países menos corruptos do Mundo, onde o penúltimo inclusive ocupa o primeiro lugar, utilizam o sistema de lista semi-aberta, onde não cabe ao Partido determinar exclusivamente qual o candidato que irá ocupar o lugar, por conta do número de votos nos candidatos individuais.
É necessário também aprofundar a discussão sobre o voto distrital o qual, poderá ser combinado com o sistema de lista semi aberta. Na Espanha, que deu um salto social e político formidável nos últimos 20 anos, agora se começa a pensar em flexibilizar a lista. Mas hoje o grau de amadurecimento da democracia é outro. O ideal é que se possa alterar a ordem da lista, mas isso é mais recomendável para democracias robustas e consolidadas. Na Itália, sob a vigilância do voto preferencial, pesquisas demonstram que as regiões de melhores indicadores sociais votavam em siglas partidárias, enquanto as mais empobrecidas votavam em pessoas, por causa do clientelismo. Há excelente pesquisa sobre o assunto em livro de Robert Putnam HTTP://www.oab.org.br/noticia.asp?id=21635
*Dr. Márlon Jacinto Reis, Juiz no Estado do Maranhão, coordenador do MCCE e Presidente da Abramppe, fala com os internautas sobre o distritão.
Fonte: Plataforma pela Reforma do Sistema Político
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