domingo, 10 de julho de 2011

“JUÍZA” ANULA A LEI ÁUREA

O QUE IMPORTA É A CANA




Por Laerte Braga

Segundo a juíza Marli Lopes Nogueira, da 20ª Vara do Trabalho do Distrito Federal o trabalho escravo não pode ser interrompido antes de completada a colheita da safra de cana. Foi esse o conteúdo da liminar que a “juíza” concedeu à empresa INFINITY AGRÍCOLA, suspendendo uma operação de resgate de trabalhadores escravos numa fazenda da empresa no município de Navaraí, no Mato Grosso do Sul.

A operação estava sendo conduzida por auditores do trabalho, um procurador do trabalho e policiais federais. Estavam retirando 1817 trabalhadores em regime de escravidão, muitos deles migrantes (de Minas Gerais, Pernambuco e 275 indígenas), todos submetidos a condições humilhantes de serviço.

A juíza – é um escárnio e deve ter recebido propina da empresa – suspendeu inclusive a interdição das frentes de trabalho imposta pelas autoridades do setor. Os trabalhadores não contavam com banheiros, a jornada de trabalho superava o permitido em lei, numa temperatura inferior a 10 graus. Para a “magistrada”, do alto de sua competência e de seus privilégios, numa sala aquecida em Brasília, importante é que seja completada a colheita/corte da cana para que a empresa não tenha prejuízo.

Está anulada em nome da empresa privada a Lei Áurea que extinguiu em 1888 a escravidão no Brasil.

Esse tipo de decisão do Judiciário está previsto no acordo firmado entre o Superior Tribunal de Justiça e o Banco Mundial, que orienta o Judiciário (Judiciário?) a tomar decisões que não prejudiquem o capital.

A decisão afirma taxativamente que a “interdição está causando prejuízos irreversíveis, já que desde a data da interdição a cana cortado está estragando e os trabalhadores e equipamentos parados. A “juíza”, subornada é óbvio, impede que a empresa seja colocada na chamada lista suja, a que registra as que usam trabalho escravo.

O procurador do trabalho no local Jonas Ratier Moreno afirmou que a “juíza” – comprada evidente – ignorou o laudo técnico sobre as condições degradantes a que estavam submetidos os trabalhadores, “uns farrapos” e que “a empresa não fornecia nem cobertores diante do frio”.

A rescisão do contrato de trabalho entre a empresa e os escravos não mais acontecerá pela decisão da “juíza” – corrupta é lógico – e os trabalhadores terão que voltar ao trabalho sob pena de serem até presos. É que com a rescisão os direitos trabalhistas teriam que ser pagos, aí, foram parar na conta da “juíza”, ou alguém tem dúvida?

A INFINITY AGRÍCOLA, defensora do “progresso”, dos “valores morais e cristãos” está na lista suja desde 2010 quando foi pega usando escravos, 64 trabalhadores, em outra usina de cana de açúcar do grupo. Em fevereiro de 2011 conseguiu uma liminar na justiça retirando-a da lista (eita Justiça, em Minas um desembargador foi afastado faz pouco porque vendia sentenças a traficantes).

A Advocacia Geral da União está tentando reverter a decisão da “juíza”, esperando encontrar – existem muitos – juízes sérios e competentes que façam com que a lei seja cumprida e não a vontade dos senhores de terra, os latifundiários. Um tipo de câncer para o qual a cura é a reforma agrária e a permanência, em futuro próximo, é a transformação de extensas áreas em desertos pelo cultivo impróprio e uso de agrotóxicos, além dos desmatamentos. O cara que Dilma convidou para o Ministério dos Transportes – recusou –. Blairo Maggi é o rei da moto-serra. Preferiu continuar nos “negócios”.

No Rio de Janeiro numa operação da Polícia “Pacificadora” do corrupto governador Sérgio Cabral a Polícia Militar mata uma criança – o menino Juan – e some com o corpo. A Polícia Civil faz corpo mole nas investigações e o assunto só veio a público por conta da grita da família.

Polícia Militar com a estrutura que tem em nosso País, os privilégios, a orientação que recebe (inimigo é estudante, trabalhador, camponês) é tão somente uma organização terrorista legitimada pelo Estado, ou alguém acha que o BOPE cumpre a lei? É um bem que desceu dos céus cercado de anjos por todos os lados?

A forma como a mídia trata esses casos ao contrário de se transformar em fator de indignação com a barbárie, a corrupção, acaba criando mitos montados na boçalidade e na descaracterização de qualquer sentimento humano. Trabalho paciente para alienar.

O importante é que a cana seja colhida e a “ralé” não chegue aos domínios das elites políticas e econômicas que no estranho governo de alianças em que o vice-presidente é dono de parte do aparelho estatal e no fim chamam isso tudo de democracia.

Penso que a “juíza” que revogou a Lei Áurea deveria ser condenada a trabalhar dez dias, pelo menos, em condições semelhantes aos escravos da INFINITY AGRÍCOLA. É o mínimo.

Fonte:Rede Castor

visite a pagina do MCCE-MT

Leia também:

Dor, mas esperança resiste em Mato Grosso do Sul



Por Egon Heck

Nesta semana, luzes e sombras se projetam sobre a luta dos Kaiowá Guarani e outros povos indígenas no Mato Grosso do Sul. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) anunciou a criação da Comissão para estudar a questão indígena no MS e apontar soluções para o grave problema das terras indígenas no estado. Uma delegação de parlamentares vão a Brasília conversar com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, para encontrar soluções para os conflitos e tensões no campo, em função da não demarcação das terras indígenas. Na saída do encontro, esbanjam otimismo, pois finalmente parece haver disposição e sugestões concretas para resolver o problema.

No entanto, nem tudo reluz como parece, pois ao mesmo tempo levantamento realizado pela Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul) aponta que conflitos fundiários envolvendo as terras indígenas têm como saldo, hoje, um total de 42 áreas irregularmente ocupadas por índios em todo o estado. Na mesma semana, e seguindo a mesma toada, a juíza Marli Lopes Nogueira, da 20ª Vara do Trabalho do Distrito Federal, atendeu a um pedido de liminar em mandado de segurança movido pela Infinity Agrícola suspendendo a libertação de trabalhadores em condição análoga à de escravidão em uma fazenda de cana, localizada no município de Naviraí. O grupo móvel de fiscalização, composto por auditores do trabalho, procurador do trabalho e policiais federais, estavam retirando 817 pessoas – dos quais 542 migrantes de Minas Gerais e Pernambuco e 275 indígenas de diversas etnias – por estarem submetidas a condições degradantes.

Como não faltasse mais nada, vem o deputado estadual Laerte Tetila (PT) com um projeto de sua autoria que prevê a criação do Fundo Estadual de Aquisição de Terras Indígenas. Projeto ilegal, mas que será aprovado rapidinho pela Assembleia Legislativa do MS, pois o governador do estado, André Puccinelli (PMDB) já anunciou apoio ao projeto.


Vidas atropeladas



À beira da estrada,
Na retomada,
No confinamento,
As vidas sofridas
De Kaiowá Guarani,
Vão sendo atropeladas,
Abreviadas,
Ceifadas!
É o caminho da cruz,
Do sofrimento,
Da luta,
Da esperança,
Da terra sem males!

Cruzes à beira da estrada. Ou nada. Simplesmente a memória de que ali muitos Kaiowá Guarani perderam a vida. As rodovias asfaltadas que cortam a maioria das aldeias, são testemunhas silenciosas de dezenas de vidas ceifadas nas últimas décadas.

Lembro, quando em 2004 fui visitar a aldeia de Limão Verde, e me mostraram o local onde há poucos dias haviam morrido atropelados três membros da comunidade. Após um atropelamento, outros foram socorrer e acabaram sendo também atropelados.

No ano seguinte, visitando a comunidade de Taguapery, quando a rodovia que corta a terra indígena, recém havia sido asfaltada, falavam das quatro pessoas que já haviam ali morrido atropeladas, inclusive duas crianças que iam para escola. Só muito tempo depois foi colocado ali um quebra molas.

Em Nhanderu Marangatu, depois do asfaltamento de outra estrada que liga a cidade de Antônio João a Bela Vista, em 2006 - no limite da terra indígena -morreram atropelados três indígenas. A estrada permaneceu sem nenhum indicativo de cuidado e diminuição de velocidade por vários anos.

Joab, professor indígena, foi atropelado e esmagado, quando diversos carros passaram sobre seu corpo, próximo a Maracaju.

A comunidade de Larajeira Nhanderu, no município de Rio Brilhante, depois de expulsa da terra, permaneceu acampada à beira da BR 163, por quase dois anos. Neste período tiveram três de seus membros mortos por atropelamento. Cansados de ver seus filhos sendo mortos na estrada, decidiram retornar ao seu tekohá, onde permanecem há quase dois meses.

Os que correm maior risco de atropelamento são os Kaiowá Guarani acampados à beira das estradas, que somam mais de 20 acampamentos. Ali geralmente não tem sinalização nenhuma. Qualquer descuido pode ser fatal.

Dessas dezenas de mortes por atropelamento, a maioria fica na total impunidade. “É como se matassem um cachorro atropelado”, dizem alguns familiares das vítimas. Não tenho conhecimento de nenhum carro que tenha parado após o atropelamento e nem sido identificado ou aberto inquérito para apurar responsabilidades. Fica tudo por isso mesmo, continuam.

Pai e filho, a mesma morte

Quando os dois ônibus estraçalharam o corpo de Sidnei Kaiowá, perto de Dourados, o dado desse atropelamento soou como apenas mais um registro. No entanto, para sua comunidade não. Sidnei teve a mesma morte que pai, atropelado pela caminhonete de um fazendeiro, em 1999.

Em 14 de abril de 2004 Sidnei foi ao Ministério Público Federal prestar depoimento, onde afirmou “que seu pai, Ilário Cário de Souza fora assassinado em 2002 em decorrência da luta pela terra. Diz, que o Sr. Ilário fora abalroado por um veículo guiado por um fazendeiro proprietário da terra reivindicada pela comunidade do Sr. Ilário de Souza.” (DOC. 01). Ainda de acordo com seu depoimento, o atropelamento foi uma ação intencional, pois, após atropelá-lo, o motorista não prestou os devidos socorros à vítima. De acordo com Sidnei, o atropelamento foi testemunhado também por Damiana Cavanha e Jamiro Isnarde, cunhado do depoente. No documento, Sidnei reclamava que apesar dos pedidos da comunidade, nunca foi aberto um inquérito para apurar a possibilidade de um assassinato. Depois do atropelamento de Ilário, segundo o depoimento, o grupo foi arbitrariamente levado para a TI de Caarapó, conforme averiguado.

Esses relatos foram confirmados e divulgados por Alice Castilho Lutti na publicação ‘Acampamentos indígenas e ocupações: novas modalidades de organização e territorialização entre os Guarani e Kaiowá no município de Dourados – MS’, que retrata a situação vivida pelos indígenas da região entre os anos de 1990 e 2009.

Justamente Sidnei, que por diversas vezes denunciou a situação de descaso em que viviam seus parentes e os inúmeros registros de atropelamentos ao MPF, morreu de forma trágica ao ser atropelado da mesma brutal que fora seu pai anos atrás.

A viúva de Sidnei, Rosimara, tem 31 anos e ficou com quatro filhos. Ela afirmou ter visto os números dos dois ônibus que atropelaram seu marido.

Fonte: CIMI

Visite a pagina do MCCE-MT