sábado, 10 de março de 2012

A Comissão da Verdade e o silêncio dos culpados

Apesar de ter sido vítima de tortura na juventude, Dilma evita o embate direto com os militares pela abertura dos arquivos da ditadura.



Por Bruno Lima Rocha

A chiadeira de militares da reserva, incluindo oficiais generais, diante de alguns possíveis avanços da Comissão da Verdade, não espanta. Pode até indignar aqueles que imaginavam tratar-se de questão superada– uma falsa impressão – mas não surpreende quem acompanha o posicionamento de veteranos das três forças e seus discursos após a Abertura e a redemocratização.

É consenso entre a tigrada, o pessoal dos porões e os comandantes do Estado de Guerra Interna afirmar de que no Brasil tanto não houve tortura, como os denunciantes o fazem em causa própria.

Tamanho absurdo materializa-se como um pacto castrense, dirimindo de responsabilidade os operadores e mandantes de crimes de lesa humanidade, portanto, não prescritíveis.

O Brasil tem uma trajetória conservadora e pactuante nos temas da política. Assim fomos desde nossa fundação como Reino Unido com a metrópole lusa e depois como Império rodeado de repúblicas.

O silêncio em relação ao criminoso “processo civilizatório” até hoje existente nas fronteiras agrícolas é o mesmo que tolera a tortura e a violação de direitos humanos em dependências policiais.

É esta a gangorra a ser interrompida, a mesma que recrutara os “brucutus” da Invernada de Olaria e dos Esquadrões da Morte de Rio e São Paulo para as equipes de repressão política.

Se de um lado a inteligência militar mandara oficiais para West Point e reproduzira um ambiente de produção intelectual conservadora na Escola Superior de Guerra, de outro a montagem do Sistema cujo mentor (Golbery do Couto e Silva) reconhecera haver: “criado um monstro!” contou com os piores elementos das delegacias de ordem política e social das polícias estaduais.

Negar que o Estado brasileiro deliberadamente torturou, matou, cometeu desaparição forçada, violentou, liberou seus chacais para saque e botim de bens de opositores é negar a história do país.

Seria o mesmo que ex-nazistas negarem o horror dos campos de concentração ou esperar transformar ex-agentes da KGB (como Vladimir Putin e Cia.) em notórios democratas.

Infelizmente esta mesma negação do óbvio faz com que tenhamos aprovado a Anistia para criminosos oficiais e, ao contrário das demais democracias do ConeSul, sermos o país que menos puniu a seus antigos algozes.

No Chile, Argentina e Uruguai a punição chega a colaboradores civis das ditaduras, ultrapassando a teoria dos dois demônios e tentando passar a história a limpo.

O Estado brasileiro deveria banhar-se em humildade e repetir os bons exemplos de nossos vizinhos.

Este artigo foi originalmente publicado no blog do jornalista Ricardo Noblat.

Fonte:Estratégia e Análise

Leia mais:

O discurso da direita

A Comissão da Verdade é um momento que a direita, nas suas distintas versões, tem medo, porque tem medo da verdade.



Por Emir Sader

A direita brasileira tem no seu DNA o golpe de 1964 e a ditadura militar. No momento mais decisivo da história brasileira até aqui, quando se jogava o futuro do país, no choque entre democracia e ditadura, a direita – em todas as suas vertentes, partidárias, intelectuais, midiáticas, empresariais, religiosas – ficou com a ditadura.

A boa pergunta a cada homem público, a cada instituição, a cada força política, a cada jornalista, a cada intelectual, a cada brasileiro, a cada cidadão, é saber onde estava naquele momento crucial: defendendo a democracia ou apoiando o golpe e a ditadura militar?

Por isso os constrangimentos desses setores todos para se referir àquele período da nossa história. Tratam de esconder sua postura na ruptura da democracia, para deslocar tudo para os momentos em que foram vítimas do próprio monstro que ajudaram a criar como, por exemplo, na censura a órgãos de imprensa. Querem deixar de passar como verdugos para aparecerem como vítimas da ditadura cuja instalação eles apoiaram. Ou para anularem o papel de verdugos e vítimas, igualando e anulando aos dois.

Como a direita se refere agora à ditadura? Há vários discursos. A ultra direita –incluindo setores militares – segue com o discurso dos militares no momento do golpe - reproduzido naquela época por todos os que os apoiavam – mídia, partidos de direita, igreja, empresários, etc., etc . – de que se tratava de um golpe preventivo, que buscava evitar um golpe da esquerda (?), que levaria o Brasil a ser um país comunista, como Cuba, China e a URSS (sic).

Teriam atuado então na defesa da democracia, literalmente diziam que era um movimento de defesa da democracia, contra o totalitarismo comunista. É o discurso que mantem a ultra direita, cívica e militar. Teria se dado uma “guerra” entre duas partes, uma defendendo a democracia, outra querendo implantar o “totalitarismo comunista”, triunfou uma delas, que deveria ser reconhecida pela nação como sua salvadora.

Desconsideram que tudo aconteceu porque eles violaram a democracia e impuseram a ditadura, eles destruíram o Estado de direito, prenderam arbitrariamente, torturaram, fuzilaram, desapareceram pessoas e seus corpos. Destruíram a democracia que o Brasil vinha construindo e impuseram um regime de terror, valendo-se do aparato de Estado, construído com os impostos da cidadania, para controlar e atacar o Estado de direito.

Por isso, eles têm medo da Comissão da Verdade, têm medo da democracia, têm medo da apuração do realmente aconteceu. Dizem que haverá “revanchismo”. Só se for a revanche da verdade sobre a mentira. (Como disse Dilma, na ditadura não há verdade, só mentira.) Da Justiça sobre o regime de terror. Da democracia sobre a ditadura. Quem não deve, não teme, não tem medo da verdade.

Outra versão - proveniente dos que defenderam essa primeira versão no seu momento, mas que pretenderam estar reciclados para a democracia - é a chamada “teoria dos dois demônios”, segundo a qual a democracia teria sido assaltada por duas forças antidemocráticas, que se equivalem, ambas totalitárias. Dizem isso, embora eles mesmos tivessem estado firmemente de um dos lados – o da ditadura.

Agora, reclicados como liberais, pretendem equidistância dos enfrentamentos entre duas propostas supostamente “totalitárias”, felizmente derrotadas pelo advento da democracia liberal. Não consideram que, quem assaltou a democracia – com o seu apoio –, foram os golpistas, que os da resistência a defenderam, usando do direito à rebelião, consagrado como direito universal.

Precisam esquecer 1964, daí que encaram a história brasileira depois do fim da ditadura. A direita brasileira não pode falar de 1964, do seu papel de promover as mobilizações e as articulações golpistas, do bloco que articularam, para promover a ditadura militar. Não pode fazer sua história. A ultra direita é mais sincera, mas é inaceitável pelos consenso liberais predominantes hoje, então fica isolada, como primo renegado da direita oficial de hoje.

A Comissão da Verdade é um momento que a direita, nas suas distintas versões, tem medo, porque tem medo da verdade.

Fonte: Carta Maior

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