quinta-feira, 29 de março de 2012

O golpe, a ditadura e a direita brasileira

A direita brasileira é uma direita golpista, elitista, racista, que assume a continuidade da velha república, de 1932, do golpe de 1964 e do neoliberalismo de FHC.




Por Emir Sader

O golpe e a ditadura foram a desembocadura natural da direita brasileira – partidos e órgãos da mídia, além de entidades empresariais e religiosas. A direita brasileira aderiu, em bloco, ao campo norteamericano durante a guerra fria, adotando a visão de que o conflito central no mundo se dava entre “democracia”(a liberal, naturalmente) e o comunismo (sob a categoria geral de “totalitarismo”, para tentar fazer com que aparecesse como da mesma família do nazismo e do fascismo).

Com esse arsenal, se diabolizava todo o campo popular: as políticas de desenvolvimento econômico, de distribuição de renda (centradas nos aumentos do salário mínimo), de reforma agrária, de limitação do envio dos lucros das grandes empresas transnacionais para o exterior, como políticas “comunizantes”, que atentavam contra “ a liberdade”, juntando liberdades individuais com as liberdades das empresas para fazer circular seus capitais como bem entendessem.




A direita brasileira nunca – até hoje – se refez da derrota sofrida com a vitória de Getúlio em 1930, com a construção do Estado nacional, o projeto de desenvolvimento econômico com distribuição de renda, o fortalecimento do movimento sindical e da ideologia nacional e popular que acompanhou essas iniciativas. Foi uma direita sempre anti-getulista, anti-estatal, anti-sindical, anti-nacional e anti-popular.

Getúlio era o seu diabo – assim como agora Lula ocupa esse papel -, quem representava a derrota da burguesia paulista, da economia exportadora, das oligarquias que haviam governado o país excluindo o povo durante décadas. A direita foi golpista desde 1930, começando pelo movimento – chamado por Lula de golpista, de contrarrevolução – de 1932, que até hoje norteia a direita paulista, com seu racismo, seu separatismo, seu sentimento profundamente antipopular.

A direita caracterizou-se pelo chamado aos quarteis quando perdiam eleições -e perderam sempre, em 1945, em 1950, em 1955, ganharam e perderam com o Jânio em 1960 – pedindo para “salvar a democracia”, intervindo militarmente com golpes. Seu ídolo era o golpista Carlos Lacerda. Esse era o tom da mídia –Globo, Folha, Estadão, etc., etc.

Era normal então que a direita apoiasse, de forma totalmente unificada, o golpe militar. Vale a pena dar uma olhada no tom dos editoriais e da cobertura desses órgãos no período prévio ao golpe a forma como saudaram a vitória dos militares. Cantavam tudo como um “movimento democrático”, que resgatava a liberdade contra as ameaças do “comunismo” e da “subversão”.




Aplaudiram as intervenções nos sindicatos, nas entidades estudantis, no Parlamento, no Judiciário, foram coniventes com as versões mentirosas da ditadura e seus órgãos repressivos sobre como se davam as mortes dos militantes da resistência democrática.

Por isso a cada primeiro de abril a mídia não tem coragem de recordar suas manchetes, seus editoriais, sua participação na campanha que desembocou no golpe. Porque esse mesmo espírito segue orientando a direita brasileira – e seus órgãos da mídia -, quando veem que a massa do povo apoia o governo (O desespero da UDN chegou a levar que ela propusesse o voto qualitativo, em que o voto de um engenheiro valesse muito mais do que o voto de um operário.). Desenvolvem a tese de que os direitos sociais reconhecidos pelo governo são formas de “comprar” a consciência do povo com “migalhas”.

Prega a ruptura democrática, quando se dá conta que as forças progressistas têm maioria no país. Não elegem presidentes do Brasil desde 1998, isto é, há 14 anos e tem pouca esperança de que possam vir a eleger seus candidatos no futuro. Por isso buscam enfraquecer o Estado, o governo, as forças do campo popular, a ideologia nacional, democrática e popular.





É uma direita herdeira e viúva de Washington Luis (e do seu continuador FHC, ambos cariocas de nascimento adotados pela burguesia paulista) e inimiga feroz do Getúlio e do Lula. (Como recordou Lula em São Paulo não ha nenhum espaço público importante com o nome do maior estadista brasileiro do século passado, o Getúlio, e tantos lugares importantes com o nome do Washington Luis e do 9 de julho).

É uma direita golpista, elitista, racista, que assume a continuidade da velha república, de 1932, do golpe de 1964 e do neoliberalismo de FHC.


Fonte Carta Maior





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MEU CORAÇÃO E MEU TECLADO ESTÃO AO LADO DOS JOVENS MANIFESTANTES



No início de 1970, quando a repressão do ditador Médici estava desembestada, foi-me passada uma nova aliada, que nem me lembro quais serviços andou prestando para nós da VPR.

O inusitado era a figura da mulher, uma idosa simpática e robusta, com ânimo invejável. Voz forte e calorosa. Gestos desinibidos, espalhafatosos. Jeitão de quem lidava ou lidara com as artes.

Simpatizei muito com ela. Mas, não tinha, nem de longe, a forma de ser e o discurso de quem apoiava a luta armada. Conseguia imaginá-la em passeatas, nunca na resistência clandestina.



Por mera curiosidade --dela não tive um pingo de suspeita-- indaguei o motivo de ter decidido nos ajudar. A resposta me deixou arrepiado, foi algo mais ou menos assim:

"Meu tempo de discutir linhas políticas já passou. Agora, tenho de acreditar nos jovens e apoiar o que eles estão fazendo. Vocês são nossa única esperança".

É como me sinto em relação às manifestações de protesto contra antigos torturadores, articulados pela internet e levadas a cabo pelo movimento Levante Popular da Juventude em sete capitais brasileiras, nesta 2ª feira (26).

Carregamos o bastão há décadas, era mais do que tempo de passá-lo às novas gerações. Devemos encarar sua entrada na luta como sopro renovador, coroamento dos nossos esforços e estímulo para perseverarmos: sabemos agora que o sacrifício dos resistentes dos anos 60 e 70 continuará servindo de inspiração para os que travam o bom combate e que nossos mortos continuarão sendo honrados quando nós mesmos já não o pudermos fazer.

Então, deploro a rabugice de Ivo Herzog, diretor do Instituto Vladimir Herzog, que fez questão de rechaçar os invasores de sua praia numa declaração, pra lá de infeliz, que deu ao jornal da ditabranda:



"Sou contra esse tipo de protesto. Quem tem que dizer quem torturou é o poder público. A sociedade deve se manifestar, mas pichar a calçada das pessoas é vandalismo".

Era exatamente o que o pessoal do PCB dizia de nós em 1968, quando tudo fazia para convencer sua militância a manter a compostura, não se misturando com baderneiros.

Acontece que o poder público vem se omitindo covardemente, vergonhosamente, repulsivamente, desde 1985. Agora mesmo, é patética a demora para serem definidos os membros e empossada a Comissão da Verdade.

Então, meu coração e meu teclado estão ao lado dos jovens manifestantes.

E vou rir muito quando eles se posicionarem diante do Clube Militar do RJ em pijamas, debochando desses golpistas de outrora que insistem em enaltecer até hoje o despotismo.

Também aí o poder público está sendo extremamente omisso. Nos países civilizados, quem exalta o nazismo e nega o Holocausto é merecidamente processado e chega a cumprir pena de prisão.

Aqui se permite que glorifiquem quarteladas, façam apologia do terrorismo de estado e achincalhem heróicos resistentes com a maior sem cerimônia.

Fonte Nàufrago da Utopia

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A COMISSÃO DA VERDADE E AS CABEÇAS DA HIDRA


É um tiro na mosca o artigo de José Luiz Niemeyer dos Santos Filho, doutor em ciência política pela USP: Comissão da Verdade tem de incluir elites civis.

Vem ao encontro de uma posição que venho defendendo desde o início das discussões sobre a punição dos torturadores: a de que a culpa dos mandantes foi imensamente maior que a dos paus mandados, os únicos colocados na berlinda.

Os pittbuls agiram exatamente como se espera de pittbuls. Fiquei com raiva muito maior dos presumivelmente civilizados que lhes retiraram as focinheiras e atiçaram contra nós: presidentes, ministros, altos comandantes militares, cúmplices civis, etc.

Começando pelos signatários do Ato Institucional nº 5, horda que tem Jarbas Mandei às Favas Meus Escrúpulos Passarinho e Delfim Netto como remanescentes (creio que todos os outros já estão no inferno).

Com medidas como a supressão do habeas corpus nos chamados casos de Segurança Nacional, o AI-5 foi uma licença dada à repressão para torturar e matar. Aquelas canetas pingavam sangue.

Mais que do cabo Polvorelli da Polícia do Exército, que me agrediu covardemente pelas costas e estourou para sempre meu tímpano, eu guardei raiva dos almofadinhas da 2ª Seção que às vezes vinham me visitar, curiosos sobre como seria seu congênere da guerrilha (eu comandava o setor de Inteligência da VPR).

Aqueles canalhas em fardas impecáveis ou ternos da moda, alguns até exalando perfume, eram os que analisavam, em gabinetes confortáveis e fora do alcance de nossos gritos, os apontamentos dos interrogatórios conduzidos sob torturas as mais bestiais

.

Balelas que impingíamos aos tacanhos brutamontes incumbidos do serviço braçal às vezes eram por eles desmascaradas. Como consequência, apanhávamos dobrado.

Nosso sangue neles não espirrava, ao contrário dos torturadores. Mas, eram culpados por nosso sangue espirrar: diziam quem, quando e quanto deveria sofrer. Eu não conseguia admitir que pessoas sofisticadas, conscientes do que faziam, se dedicassem a ofício tão hediondo.

Então, a perspectiva de ver apenas os Curiós engaiolados nunca me satisfez. Questão de perspectiva.

Eis os trechos principais do texto de Niemeyer dos Santos Filho:

"A participação ativa dos setores civis da sociedade no golpe militar de 31 de março de 1964 deve ser discutida e aprofundada, inclusive naquilo que se refere à tortura e ao desaparecimento daqueles que se opunham ao regime.

A participação civil nos regimes ditatoriais é regra quando se observa alguns dos processos históricos contemporâneos. Além dos militares e dos serviços secretos, sempre há aqueles grupos civis que incentivaram a ruptura institucional a partir do uso da força militar.

Foi assim no movimento de ascensão do nazismo na Alemanha, do fascismo na Itália e do comunismo na antiga União Soviética. É padrão: o setor conservador e radical das Forças Armadas se ancora no meio civil como braço auxiliar para a ação de poder.

E tão grave quanto: os setores civis, principalmente das elites empresariais conservadoras, utilizam-se da caserna para manterem privilégios e garantirem novas regalias.

Se os excessos cometidos pelos radicais de farda ocorreram, é necessário ressaltar que eles aconteceram também por incentivo e por interesse desses grupos.

Vale lembrar que a deflagração do golpe militar de 1964 foi precedida por uma movimentação da classe média paulista (a chamada 'Marcha com Deus Pela Liberdade', que foi organizada também por grupos ligados às grandes empresas de São Paulo).

Adicionar legenda


O ano de 1964 é também resultado do apoio irrestrito dos chamados 'capitães da indústria' de São Paulo e dos representantes mais conservadores das oligarquias agrárias do Nordeste à época.

São grupos civis, com origem ligada ao empresariado, que frequentavam recepções de congraçamento entre civis e militares, gabinetes governamentais e ambientes acadêmicos ideológicos, como a Escola Superior de Guerra (...), que viam no golpe de 1964 uma oportunidade única.

Essa oportunidade se baseava em uma estratégia que foi regra mestra no desenvolvimento econômico do período: o arrocho salarial para manutenção dos ganhos de capital, agenda decisiva para a manutenção do patamar de lucratividade dos investimentos nacionais e internacionais no período após Juscelino, de rápida industrialização do país.

Mas o incentivo para o golpe e o decisivo apoio durante boa parte da execução do regime de 1964 não ficam restritos a essa ação quase 'institucional' dos grupos civis que se fundiam aos interesses dos militares mais radicais à época.

Mais graves foram as ações pensadas e organizadas diretamente por grupos civis radicais, como o obscuro 'Comando de Caça aos Comunistas', a 'Operação Bandeirantes', entre outras, que foram conduzidas a partir de ações clandestinas, com o apoio dos serviços secretos militares e das lideranças e grupos empresariais à época.

Esperemos que (...) a Comissão da Verdade, de alguma forma, também possa se deter nesta seara que envolve uma segunda sombra do regime de 1964".

Fonte Nàufrago da Utopia

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