(Reformulado e inédito)
Por Rodrigo Travitzki, 09/04/2012
Anda circulando pelo Facebook um ranking de corrupção nos partidos,
alvo de muita discussão, críticas e elogios. Como é comum na internet,
algumas pessoas tecem sua análise crítica de 10 segundos, “curtem” ou
não, e logo passam pro próximo tópico. No entanto, a pressa é inimiga do
esclarecimento. Ler é diferente de navegar. A mesma internet que
permite aos antigos boatos circularem como se fossem recentes
descobertas científicas, também é um espaço que pode ser usado para se
esclarecer as coisas e buscar um pouco de objetividade no conturbado
mundo da informação. O processo que levou a este post é um interessante
exemplo desta dupla função da rede mundial de computadores.
Bem, para quem gosta de ver apenas os resultados, aí vai o ranking
que acabei de produzir, com base naquele que foi divulgado no Facebook e
outras informações.
* Dois partidos foram retirados do ranking original porque não tinham prefeitos eleitos. Mais detalhes no final do post.
Para quem quiser saber de onde veio isso, eu explico.
Em primeiro lugar, esclareço que, como muita gente, trato a política
como trato o futebol. A diferença é que não torço pra time nenhum. Gosto
de ver um jogo sem preconceitos. Ou pelo menos me esforço pra isso,
porque a mente é uma máquina preconceituosa por natureza.
Pois bem, quando o ranking apareceu “no meu face”, dei uma olhada,
gostei e “compartilhei” com meus amigos, como é de praxe nas redes
sociais. Por curiosidade, fui ver os comentários e neles havia uma rica
multiplicidade de ideias, opiniões e resmungos. Evidentemente, as
pessoas eram contra ou a favor dependendo de seu partido político
predileto, assim como a qualidade do juiz depende do time para o qual se
torce. Mas havia também alguns comentários mais inteligentes,
criticando pontos significativos do ranking e questionando sua
veracidade.
Com receio de ter enviado uma lorota aos amigos – aos quais prezo
muito – fui procurar a fonte original do ranking, e em menos de 10
minutos descobri que ele datava de 2007 e tinha como base a tese de
doutorado que o juiz Márlon Reis desenvolveu na Universidade de
Zaragoza, Espanha. Isto porque, infelizmente para nossa “democracia”, o
TSE não produz estatísticas desse tipo, embora tenha as informações.
Isso quer dizer que, para realizar sua pesquisa, Márlon Reis teve que
analisar os dados processuais de cada caso. Bom, isso me deixou mais
tranquilo, porque de fato parecia uma fonte confiável.
A coisa poderia ter parado por aí.. mas seja por amor à pátria ou por
falta do que fazer, resolvi ir um pouco mais além. Havia pelo menos
duas coisas nos comentários que estavam me incomodando.
Uma é que o ranking se baseava em números absolutos, então um partido
com 600 políticos eleitos e 3 cassados poderia ser considerado mais
corrupto do que um partido com 2 políticos eleitos, ambos cassados.
Muita gente fez essa observação, revelando que mesmo as análises
críticas de 10 segundos podem ser feitas com inteligência, felizmente.
O segundo incômodo é que, como observou um dos “comentaristas”, havia
no ranking de 2007 um partido que só foi criado em 2011 (o PSD), o que
punha em risco todo o resto, porque as informações são como maças: basta
uma podre para que todo o cesto seja jogado no lixo.
Para resolver esses dois incômodos, tive que recorrer aos recursos mais trabalhosos que a internet proporciona.
Em primeiro lugar, para compreender como uma tese de doutorado
poderia citar um partido que ainda não existe, dei uma boa olhada no
dossiê, mas nada encontrei que pudesse ajudar. Com uma esperança quase
ingênua, resolvi enviar um e-mail ao autor da tese pedindo
esclarecimentos a este respeito. Para minha surpresa, recebi a resposta
no mesmo dia, o que me motivou a escrever este “longo” post e terminar o
que havia começado. Márlon me explicou que o PSD, partido que o Kassab
criou ano passado, não é o mesmo que aparece no dossiê, trata-se de um
partido homônimo que foi extinto em 2003. Muito bem, um incômodo a
menos.
Partindo dessa informação, procurei algum site conhecido que me
dissesse quantas prefeituras havia por partido naquela época. Acabei
chegando numa reportagem do G1 de 2008, o que levou talvez pouco mais de
meia hora. A reportagem informava o número de prefeitos eleitos por
partido em 2004, o que estava bastante próximo do que eu queria.
Com os números em mãos fiz a tabela abaixo, a partir da qual pude construir o ranking que está no início do post.
Partido
|
Políticos cassados entre 2000 e 2007
|
Prefeituras eleitas em 2004
|
Porcentagem aproximada* de políticos cassados por partido
|
PTC
|
3
|
16
|
18,8
|
PRTB
|
2
|
12
|
16,7
|
PRONA
|
1
|
7
|
14,3
|
PSL
|
3
|
24
|
12,5
|
DEM
|
69
|
794
|
8,7
|
PSC
|
2
|
25
|
8,0
|
PDT
|
23
|
306
|
7,5
|
PSDB
|
58
|
870
|
6,7
|
PMN
|
2
|
31
|
6,5
|
PMDB
|
66
|
1060
|
6,2
|
PTB
|
24
|
421
|
5,7
|
PP
|
26
|
550
|
4,7
|
PPS
|
14
|
309
|
4,5
|
PR
|
17
|
383
|
4,4
|
PSB
|
7
|
174
|
4,0
|
PHS
|
1
|
25
|
4,0
|
PRP
|
1
|
37
|
2,7
|
PT
|
10
|
410
|
2,4
|
PV
|
1
|
57
|
1,8
|
* A porcentagem é aproximada porque a primeira coluna se refere a
todos políticos cassados entre 2000 e 2007 – cuja imensa maioria estava
nas prefeituras – enquanto a segunda se refere apenas às prefeituras
eleitas em 2004.
Vemos assim que, com um pouco de tempo e paciência, a internet pode
ser um excelente instrumento para o esclarecimento. Sem isso, o risco de
divulgar lorotas para os amigos é sempre grande.
Por fim, é bom lembrar que, como qualquer outro, isso é só um
ranking, não é a verdade universal sobre os partidos políticos. Ele tem
diversas limitações, como já expliquei. Mesmo assim, creio que isso é
melhor do que o puro “achismo” ou do que opiniões bem escritas mas
opacas, que não podem ser verificadas mais a fundo, como se vê em muitas
reportagens de “fontes anônimas”.
OBS: já prevendo algumas críticas, esclareço que não sou do PT, tampouco torço pro Corinthians. Mas gosto de ver um bom jogo
Fontes utilizadas na elaboração do ranking:
* Dossiê “Políticos cassados por corrupção eleitoral” (07/09/2007) .
Elaborado pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) , com base em pesquisa de doutorado do juiz Márlon Reis.
mcce.org.br/sites/default/files/politicoscassadosdossie.pdf
Elaborado pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) , com base em pesquisa de doutorado do juiz Márlon Reis.
mcce.org.br/sites/default/files/politicoscassadosdossie.pdf
* Reportagem “PT e PMDB ampliam número de prefeituras, e DEM e PSDB perdem” (27/10/08).
De Simone Harnik, para o G1.
g1.globo.com/Eleicoes2008/0,,MUL837881-15693,00.html
De Simone Harnik, para o G1.
g1.globo.com/Eleicoes2008/0,,MUL837881-15693,00.html
* E-mail enviado pelo juiz Márlon Reis em resposta à solicitação feita por este blog.
Fonte: Blog do Digão
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