Eleitores votarão sem saber se o candidato é financiado por empresas que
lesam o meio-ambiente, diz juiz eleitoral | Foto: Brizza Cavalcante/Ag.
Câmara
Por Felipe Prestes
O juiz eleitoral Márlon Reis foi um dos idealizadores e redatores da
Lei da Ficha Limpa, além de fundador do Movimento de Combate à Corrupção
Eleitoral (MCCE). Agora, ele empreende nova batalha. No último dia 9 de
maio, Reis baixou um provimento na 58ª Zona Eleitoral do Maranhão, da
qual é juiz titular, que tem competência sobre os municípios de João
Lisboa, Buritirana e Senador La Rocque. A norma determina que os
candidatos nas eleições deste ano nas três cidades terão que entregar à
Justiça Eleitoral nos dias 6 de agosto e 6 de setembro uma relação dos
nomes dos doadores e os valores doados.
Assim, Reis contesta legislação eleitoral vigente no país, que
determina sigilo sobre as doações de campanha, informação que só é
revelada após o pleito, na prestação de contas final. “Quem financia as
campanhas? A verdade é que os eleitores vão votar às cegas, sem saber se
são empresas, por exemplo, que lesam o meio-ambiente, que promovem o
trabalho escravo, que praticam a corrupção. Isto é muito grave”, alerta o
magistrado, que revela que movimentos sociais já se organizam para que o
provimento dele se espalhe pelo país.
Em conversa por telefone com o Sul21, Márlon Reis
também falou sobre a reforma política por iniciativa popular que o MCCE
está levando a cabo com outros movimentos e criticou duramente o atual
modelo de financiamento de campanhas. O juiz eleitoral contou ainda
quais são suas expectativas com a aplicação da Ficha Limpa, que ocorrerá
pela primeira vez nas eleições municipais deste ano.
“Os eleitores votam sem saber exatamente em quem, porque os doadores representam grande parte da inclinação do mandato”

Sul21 – O senhor recentemente tomou uma medida na zona eleitoral em que trabalha para que as doações de campanha sejam divulgadas antes do dia eleição. Qual a importância desta medida?
Márlon Reis – Todos nós brasileiros vamos votar às
cegas. Um dos dados mais importantes da campanha é quem financia, porque
quem dá suporte financeiro à campanha vai ter uma ascendência sobre o
mandato. Seria irrazoável crer o contrário. Quem financia as campanhas? A
verdade é que os eleitores vão votar às cegas, sem saber se são
empresas, por exemplo, que lesam o meio-ambiente, que promovem o
trabalho escravo, que praticam a corrupção. Isto é fundamental para o
eleitor. Entendemos que, seja porque há uma lesão expressa ao princípio
constitucional da publicidade, ou porque colide com o novo espírito
legislativo introduzido pela Lei de Acesso à Informação, estas normas
que garantem o segredo dos nomes dos doadores das campanhas não podem
prevalecer.
Sul21 – Existem normas neste sentido?
Márlon Reis – Por incrível que pareça, o artigo 28,
parágrafo 4º, da Lei das Eleições diz que o nome dos doadores só pode
ser revelado depois do pleito. É incrível, mas nós chegamos a 2012 com
uma norma desta característica no nosso Direito Eleitoral. Por isto é
que este assunto, quem está financiando quem, não vem à baila durante as
eleições. Depois é que as entidades fazem pesquisa para ver quem
financiou, mas isto é sempre em relação ao passado. Durante a campanha
mesmo, esta informação não está socialmente disponível. Isto é muito
grave. Significa que os eleitores votam sem saber exatamente em quem,
porque os doadores representam grande parte da inclinação do mandato.
Sul21 – Existe algum movimento para espalhar este provimento pelo país?
Márlon Reis – Várias organizações da sociedade
civil, especialmenteem São Paulo, estão difundindo o provimento,
comunicando a juízes e solicitando que adotem. Eu tenho notícia de um
caso em que foi baixado provimento similar, na cidade de Pedro Afonso,
em Tocantins. É incrível que isto nunca tenha sido questionado no
Brasil. Fico muito surpreso com a falta de atividade das instituições e
da própria sociedade, de não se queixar desta verdadeira armadilha
legislativa que está estabelecida.
“O financiamento de campanha que temos hoje condena as nossas eleições à proximidade com o escândalo”
Sul21 – Como o senhor analisa a posição do TSE?
Márlon Reis – Acho que se o TSE for indagado, não há
como ele afirmar que os candidatos têm direito de manter em segredo os
nomes de seus doadores. Acho que está faltando uma discussão disto no
âmbito do TSE. Se esta discussão acontecer, tenho certeza que vai mudar,
até por que temos observado uma marcha forte da Justiça Eleitoral, e aí
eu destaco o TSE, no sentido de aprimoramento da aplicação da lei. O
que a gente observa é um aumento do rigor. Me parece que apenas este
detalhe não está sendo observado. O caso é que é um detalhe grave.
Precisamos que receba a devida resposta dos órgãos da Justiça Eleitoral.
"A mercantilização da campanha precisa acabar| Foto: Lauro Rocha/OAB-RS
Sul21 – O MCCE tem um projeto de reforma política de
iniciativa popular junto com outras entidades que prevê o fim do
financiamento privado. Como o senhor analisa o financiamento privado?
Porque ele deve acabar?
Márlon Reis – Na verdade, existe uma campanha, mas o
projeto ainda não foi redigido. Ainda não sabemos exatamente como
poderia se desenhar o financiamento cidadão, o financiamento público.
Existem muitas alternativas. O que a gente não pode tolerar é o que
temos hoje. A forma de financiamento que temos condena as nossas
eleições à proximidade com o escândalo. É a forma de financiamento que
torna nossas vizinhas do escândalo. Ela aproxima forçosamente os
candidatos da obtenção de recursos ilícitos, já que ganha quem tem mais
dinheiro para pagar cabos e agentes eleitorais. Esta mercantilização da
campanha precisa acabar, mas a forma específica de desenhar o padrão de
financiamento ainda precisamos fazer no âmbito do movimento. Estamos
propondo o fim do financiamento que temos aí, mas o desenho exato falta
definir.
Sul21 – Como está a coleta de assinaturas para a reforma política? O senhor tem acompanhado isto?
Márlon Reis – Na verdade, nós apoiamos uma série de
bandeiras apresentadas pela Plataforma dos Movimentos Sociais pela
Reforma Política, mas o MCCE continua debruçado sobre a vigência da
Ficha Limpa, porque apesar da declaração de constitucionalidade, agora
os advogados estão naquela fase de tentar encontrar pontos fracos na
lei. Então, estamos muito concentrados ainda nisto, por isto não temos
acompanhado mais de perto os passos da mobilização pela reforma
política, embora seja uma prioridade. Estamos sabendo esperar para no
seguinte momento a gente cair em campo nisto.
Sul21 – Além da corrupção, o financiamento privado também
causa uma elitização da política, não? Não é ele o responsável por
termos muito mais empresários e produtores rurais no Congresso que na
sociedade?
Márlon Reis – O financiamento privado da forma como é
hoje não tem limite. Não há um limite definido em lei, e as empresas
também podem doar sem limites, só depende do tanto que elas recebem, já
que a limitação é percentual. Então, empresas multibilionárias podem
doar bilhões. Isto significa que a eleição é privatizada. Ganha quem tem
mais dinheiro. Precisamos, sim, encontrar novos padrões de
financiamento que diminuam os custos das campanhas e, em decorrência
disto, a possibilidade de que todos disputem em condições de igualdade.
“A reforma política não sairá do Congresso. No máximo, sairão mínimas e cosméticas mudanças pontuais, sem transformação real”

Sul21 – Como o senhor tem visto a reforma política no
Congresso? O relator, deputado Henrique Fontana (PT-RS), não tem
conseguido colocar em votação.
Márlon Reis – A reforma política não sairá do
Congresso. No máximo, sairão mínimas e cosméticas mudanças pontuais, sem
capacidade de transformação real do quadro que temos. É por isto que a
sociedade precisa se mobilizar e fazer uma reforma política de baixo
para cima. Nós acreditamos que isto vai acontecer. É só uma questão de
tempo para os movimentos se organizarem e discutirem uma linha comum.
Nós não acreditamos no Congresso como ponto de partida de uma reforma
política nos termos em que precisa acontecer.
Sul21 – A Ficha Limpa era algo menos denso do que a reforma política.
Márlon Reis – Era menos denso e, mesmo assim, teve toda aquela dificuldade de aprovação.
Sul21 – O senhor não acha que a reforma política por iniciativa popular deve ter mais dificuldades que a Ficha Limpa?
Márlon Reis – Depende. Acho que temos que encontrar
um elo, um ponto de ligação entre os movimentos sociais. Na medida em
que ele for encontrado, será capaz de deflagrar que tenho certeza que
será maior que o da Ficha Limpa, justamente por atingir mais, por ir
mais longe. A sociedade não aceita mais o quadro atual. Qualquer reforma
que torne mais igualitárias as chances de disputa e elimine o caixa
dois e a corrupção nas eleições vai ter adesão massiva da sociedade
brasileira. Especialmente por causa do exemplo dado pela Ficha Limpa,
que foi um divisor de águas.
Sul21 – As eleições deste ano serão as primeiras em que, de
fato, será a aplicada a Lei da Ficha Limpa. Quais são suas expectativas?
Márlon Reis – A expectativa é a melhor possível. Há
dois fatores que me fazem estar otimista com relação à plena aplicação
da lei. Um é a origem popular da lei, que está acarretando a
fiscalização popular da sua aplicação. Os movimentos sociais em todo o
país estão acompanhando de perto cada passo da aplicação. Durante as
eleições isto vai ficar ainda mais evidente. Qualquer tentativa de
fraudar esta lei, como, por exemplo, através de mudanças no Congresso,
será rechaçada pela sociedade. Outro elemento que me faz ser otimista é a
bela receptividade desta lei na Justiça Eleitoral. Os tribunais
eleitorais não têm nenhuma resistência. Pelo contrário: apoiaram desde o
início a aprovação da lei e estão esperando agora para aplicá-la.