sábado, 14 de julho de 2012

Dr. Ficha Limpa

Em João Lisboa, município com 30 mil habitantes no interior do Maranhão, vive o juiz Marlon Reis, um dos idealizadores da Le Complementar 135/ 2010, também conhecida como Lei da Ficha Limpa, que impede políticos que tenham sido condenados de se candidatarem para cargos público. Com mais de 1,6 milhões de assinaturas pedindo pela aprovação da Lei, o processo foi um marco histórico na forma de se fazer leis e de envolvimento da população na política.


Por Lucas Reino, Thaísa Bueno e Alan Milhomem
Foto: Marcus Tulio


Com a aprovação da Lei Complementar 135/2010, a Lei da Ficha Limpa, uma pessoa que tenha sido julgada por um tribunal não poderá se candidatar?

A lei estabelece critérios muito mais rigorosos para as candidaturas, mas ela é muito mais do que isso, porque nós nunca debatemos o passado dos candidatos. A sociedade se acostumou a se preocupar apenas com a viabilidade eleitoral, mas não sobre a origem do candidato. De onde ele veio? Qual é o passado dessa pessoa? Qual é a sua trajetória? As eleições brasileiras estão impactadas por essa lei, não há cidade nenhuma que, já nesse processo eleitoral, não esteja sofrendo as consequências positivas da Lei da Ficha Limpa, inclusive com afastamento de pessoas que iriam se candidatar.

"Nós nunca havíamos debatido o passado dos candidatos, este é um avanço do Ficha Limpa"

O senhor pode explicar mais detalhadamente como funciona a Lei da Ficha Limpa?

A lei tem o seguinte critério: uma vez condenado por um tribunal, por um crime que está relacionado na Lei, essa pessoa está inelegível por, no mínimo, oito anos. Há várias outras situações em que esse período pode se estender. Além do critério condenação, existem muitos outros previstos na Lei, como a estratégia de renunciar ao mandato para escapar de uma punição. Agora, a Lei da Ficha Limpa estabelece que quem renunciar depois de ter sido denunciado no parlamento, fica inelegível também. Isso faz com que não haja mais essa opção.

E essa condenação é a partir de quando?

A partir do momento em que a condenação acontece ele está inelegível e só volta a ficar elegível oito anos depois do término do cumprimento da pena. Ou seja,dependendo da pena ele pode ficar 10, 15, 18 anos impedido de participar.

Mas não é o eleitor que deve decidir quem pode e quem não pode ser seu representante?

A democracia não é só liberdade, é liberdade com responsabilidade, por isso tem que haver normas institucionais para o jogo democrático, para fixar as normas institucionais. E quem é que pode fazer isso? É a via democrática. Quem limita a democracia é a própria democracia. O que é a democracia? É a liberdade do eleitor, mas junto com proteções institucionais.

Pela morosidade da Justiça alguns casos demoram para serem julgados. No caso de o candidato não ter sido julgado a tempo, ser eleito esse ano e condenado posteriormente, ele perde o mandato?

Nesse caso não, porque a Lei da Ficha Limpa é eleitoral, os requisitos da lei são observados no momento do registro da candidatura. Se a pessoa era elegível no momento da candidatura, ela fica no mandato, mas pode perder o mandato por outro motivo, porque a lei penal diz que nos crimes contra a administração pública, por exemplo, é possível aplicar essa pena como uma pena acessória. E aí ele perde o mandato, mas não pela lei da Ficha Limpa.

Como surgiu a ideia da lei da Ficha Limpa?

Lamentavelmente a questão do narcotráfico e das milícias gerou uma densidade anormal de pessoas eleitas e condenadas no Rio de Janeiro. Houve alguns casos de pessoas que foram eleitas dentro da prisão. E por que acontecia isso? Porque enquanto elas estavam candidatas havia grupos de milicianos e narcotraficantes ameaçando as comunidades para que essas pessoas fossem eleitas. Através do Dom Dimas Lara, que era secretário geral da CNBB, nós do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) recebemos essa demanda de uma iniciativa popular contra a candidatura de pessoas condenadas, e foi daí que nós partimos.


E como surgiu esse nome?

Fui convidado para uma palestra no interior do Piauí. Antes do encontro houve um jantar na casa paroquial, e quando nós estávamos lá chegou o prefeito da cidade. Falei sobre o projeto ma ele disse que não apoiava, que o projeto era “grosseiramente inconstitucional”. Ele foi embora e então um seminarista me disse: “se o senhor fosse fosse daqui jamais perderia seu tempo pedindo assinatura desse rapaz, porque talvez ele seja o maior recordista dessas condenações do Estado”. Eu respondi dizendo que partia do pressuposto de que uma autoridade pública seria em tese uma pessoa com a ficha limpa. Quando eu falei aquilo, começou a ressoar na minha cabeça, e não saia mais, até se tornar uma ideia fixa. E no dia seguinte eu estava convencido que seria um grande nome para a campanha. Aquele prefeito estava certo ao não assinar nossa petição pela Lei. Pouco tempo depois ele foi cassado por compra de votos pelo TRE/PI. Perdeu o mandato e está inelegível por muitos anos por causa da Lei da Ficha Limpa.

"Só 0,1% foram contra a Ficha Limpa. Agora eu fico imaginando quem sejam estas pessoas"

 Foram 1,6 milhão de assinaturas para o projeto chegar ao Congresso.

Sim. Tivemos uma receptividade imensa na sociedade, a ponto de fazer filas enormes de pessoas que queriam assinar. Nós tivemos uma resistência imensa na classe política, onde nem todo mundo recebeu com simpatia esse movimento. Eu lembro de uma pesquisa que revelava que mais de 95% dos brasileiros apoiavam o projeto de lei, os outros 5% não eram contra, eles só não conheciam. Só 0,1% eram contra, agora eu imagino quem são esses que eram contra. Só para ter uma ideia da resistência, um deputado federal me disse que era mais fácil um boi voar que esse projeto ser aprovado no Congresso.

E quais eram as críticas que esse 0,1% faziam ao projeto?

Eles diziam que era inconstitucional porque ofendia o princípio da presunção de inocência, que afetava o princípio da irretroatividade. Argumento não falta, quando se quer ser contra algo. Eu gosto muito de ouvir Luiz Gonzaga. Tem um trecho de Karolina com K em que ele diz: “quando a mulher quer, é bom demais”. De fato, quando um tribunal quer, é bom demais,assim como quando um tribunal não quer, é ruim demais. Felizmente os tribunais quiseram a Lei, e aí foi bom demais. Os argumentos favoráveis à constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa preponderaram. 

O que essa Lei já mudou nessa eleição? 

Não tem cidade no país que não tenha candidatos afetados por essa Lei. Então isso vai permitir uma renovação da classe política, vai permitir uma reflexão dos novos, porque os que entrarem agora vão pensar assim “o que foi que os outros fizeram no passado que eu não devo fazer para não cair na mesma”. Esse é o segredo da Lei da Ficha Limpa, ela não é de punição, é de prevenção, ela é para fazer com que quem entre já entre preocupado com o que deve fazer. Só a lista de inelegíveis do Tribunal de Contas da União atinge seis mil pessoas no Brasil 



"A Ficha Limpa vai proporcionar uma renovação na classe política do Brasil, vai permitir uma reflexão"


Um juiz que trabalha em João Lisboa, uma cidade com 30 mil habitantes no interior do Maranhão, está propondo mudanças que estão alterando o país. Como é isso? 

O que acontece é que isso serve como demonstração de que não existe mais barreiras. Ninguém mais pode usar o argumento de que não pode fazer alguma coisa, que não tem força, que tá calado, que está em um local isolado, nós estamos em uma aldeia global, de fato. Não tem mais barreiras, a internet mudou tudo e a gente tem feito muita articulação e juntado muita gente pelas redes sociais, e eu acho que a gente pode crescer muito mais, nós vamos para outras ações agora, a próxima é a mais ambiciosa de todas, nós somente queremos mudar o modelo eleitoral brasileiro, mudar o sistema, mudarquem financia, quem paga, como se vota, para com isso de votar em um palhaço e acabar elegendo outro lá. Dar transparência para todo o sistema. E isso pode ser feito da mesma maneira como foi feito a Ficha Limpa, só que agora com mais redes sociais, com mais gente ainda, a reforma política feita de baixo para cima.


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