Se
a polícia ou o oficial de justiça for aos bairros e disfarçadamente perguntar,
as pessoas vão dizer qual o valor pecuniário que receberam para expor as placas
do político delinquente. Ou exatamente o quanto foram ameaçadas pelo “apoio
gratuito”.
Por Antonio
Cavalcante e Vilson Nery*
Do ponto de vista técnico,
ao dizer sobre crime eleitoral deveríamos nos reportar ao que dispõe o Código
Eleitoral, uma lei antiga dos anos 60, que contém umas seis dezenas de condutas
que a lei define como puníveis por meio de sanção tipicamente penal (restrição de
liberdade e de direitos).
Para o que nos
interessa, adotando a linguagem já absorvida pela população, crime eleitoral (ou
corrupção eleitoral) é toda aquela conduta que desequilibra a eleição, seja
pelo uso desmedido do poder econômico ou de autoridade (abuso de poder econômico
ou político, conduta vedada), valendo-se o delinquente do dinheiro do chamado “caixa
dois” (recursos não declarados à Justiça Eleitoral) ou compra de voto (captação
ilícita de sufrágio).
De todos os crimes, a
compra de votos é a mais odiosa.
Quando vemos esses “zumbis
ambulantes”, os pobres usuários de crack presentes em nossas cidades, de imediato
vem a mente a sensação de pena desses dependentes (que em última ratio são doentes). Mas também
recrudesce a repulsa contra a postura dos traficantes, típicos vampiros da era moderna
que sugam o dinheiro e a dignidade dos usuários.
Os traficantes de crack
roubam a dignidade das pessoas.
Político que compra
voto é exatamente igual.
Ao traficante e ao mau
político é crucial que as pessoas continuem na miséria.
O traficante de voto
passa a circular em bairros populosos e onde a população não tem água tratada
(e nem “destratada”), desconhece escolas e creches, o asfalto na rua é só objeto
de desejo, e posto de saúde só se for a “benzedeira” do final da rua.
Esses mau caráter (mau
político e traficante) se disfarçam de várias formas: presidente de bairro, liderança
da comunidade, dirigente partidário, representante da igreja, e por aí segue. Suas
armas são as odiosas ofertas de cesta básica (sacolão), consultas médicas e
odontológicas, assessoria jurídica, promessa de empregos, entrega de dinheiro,
materiais de construção etc..
Para disfarçar a criminosa
atuação e enganar a Justiça Eleitoral, os traficantes de voto, que sempre são comandados
por (maus) políticos (quando não é o próprio), ao entregar o dinheiro exige que
o usuário, digo eleitor, fixe na porta de sua casa uma placa ou cartaz de
propaganda. Pagam quinzenalmente quantias que chegam até a R$ 600,00
(seiscentos reais). Em todos os partidos há pelo menos um criminoso desses e
não são combatidos.
Ao analisar a história
dos delitos eleitorais, aí utilizando a classificação tripartite consagrada popularmente (uso da máquina
pública, caixa dois e compra de voto) podemos visualizar uma engenhosa “evolução”
dos métodos usados pelos delinquentes.
No
ano de 2.000, na primeira eleição sob a regência da Lei 9.840 (a lei da captação
ilícita de sufrágio ou corrupção eleitoral) os candidatos faziam cadastros de
eleitores, para “contabilizar” a despesa. Com uma prancheta na mão, igual a um
apontador do jogo do bicho (aliás, a compra de voto funcionava ao lado das bancas
do Comendador Arcanjo, em Cuiabá), os traficantes de voto anotavam os dados pessoais
do eleitor. No dia da eleição, após a apuração dos votos, se formavam enormes filas
em frente ao comitê do político criminoso. Eram os “eleitores usuários” em
busca do pagamento pelo crime cometido, vestidos com camisetas e bandeiras dos
candidatos, o que os marqueteiros classificavam como “a festa da democracia”.
Em
2002, na medida em que a tática fora descoberta, a corrupção eleitoral transmudou-se,
e o deputado cassado Rogério Silva mostrava diversas fotos suas ao eleitor que a
ele “confiara” seu voto. Só recebia o pagamento o eleitor/usuário que apontasse
com exatidão qual fotografia do candidato fora mostrada na urna eletrônica.
No
ano de 2004, já sob os efeitos da dinheirama que jorrava fartamente das arcas
do “mensalão” o crime eleitoral se apresentou disfarçado na contratação de
cabos eleitorais. Eram aos milhares, exércitos de pessoas uniformizadas, com camisetas
estampadas com as cores e o numero do candidato. Se você perguntasse a qualquer
eleitor se ele, pelo menos uma vez na vida, teria visto pessoalmente o tal
candidato de sua “preferência”, dele ouviria como resposta um “não o conheço,
mas vou lhe dar uma ‘ajudinha’”.
Para
não se alongar, do resultado da atuação desses políticos delinquentes sabemos
que nasceram escândalos em nossas câmaras municipais e prefeituras, com péssimas
administrações pipocando e novas fortunas pessoais brotando aqui e acolá.
Há
dois efeitos ainda mais danosos da corrupção eleitoral.
O
primeiro é que o crime organizado, crime comum (tipo PCC) elegeu representantes
(quando menos, simpatizantes) em importantes cidades de nosso Estado, a capital
incluída. A Polícia Federal e o Ministério Público sabem que campanhas
eleitorais eram movidas a partir do Presídio Central de Cuiabá (antigo Pascoal
Ramos).
Basta
dizer que no ano passado (2011) o cunhado de um deputado estadual foi preso em
flagrante explodindo caixas eletrônicos, junto com o PCC. Dificilmente continua
preso.
O
segundo efeito danoso: multidões de crianças nas ruas, reféns do “narco-escravagismo”,
empobrecimento das estruturas policiais (para impedi-las de atuar contra os barões
do crime), explosão dos índices de cometimento de crimes hediondos, como o latrocínio
e o estupro, além do tráfico de drogas. Sem nos esquecermos da morte de
inocentes nos corredores de hospitais e a falência gerencial das gestões públicas.
E
hoje, como age o criminoso eleitoral em 2012?
Simples:
espalha placas nas casas, preferencialmente em bairros pobres e populosos,
simulando dali receber apoio gratuito. Nos bairros Santa Isabel em Cuiabá os
beneficiários de ações da defensoria pública são pressionados a aderir a um
desses delinquentes. Em Várzea Grande, nos bairros Jardim Esmeralda e São
Mateus, candidatos ligados ao tráfico obrigam a colocação de placas de “apoio”.
Se
a polícia ou o oficial de justiça for aos bairros e disfarçadamente perguntar,
as pessoas vão dizer qual o valor pecuniário que receberam para expor as placas
do político delinquente. Ou exatamente o quanto foram ameaçadas pelo “apoio
gratuito”.
Outra
forma de compra de votos é a entrega de dinheiro ou tíquete de combustível ao
eleitor que se comprometa a colocar aquelas “lindas caras” de candidatos na lataria
do seu carro ou no para-brisa traseiro.
De
novo, se a polícia ou o oficial de justiça fizerem blitz nos postos de gasolina
e recolher os tíquetes de combustível naqueles comércios (por amostragem) vai
constatar que estão sendo comprados votos mediante a entrega de combustível ao
eleitor.
Só
não vê quem não quer.
Feito
o retrospecto histórico sobre a compra de voto e os crimes eleitorais,
renovam-se as esperanças de que a Justiça Eleitoral, o Ministério Público e a
Polícia justifiquem sua importância para o existir da Democracia.
*Antonio
Cavalcante e Vilson Nery são ativistas do MCCE (Movimento de Combate à
Corrupção Eleitoral)
Visite a pagina do MCCE-MT