Os quilombos ou mocambos eram territórios geoestratégicos que resultavam da fuga de negros das senzalas, onde sua mão-de-obra era escrava.O quilombo dos Palmares foi o que obteve maior expansão, longevidade e reputação, existiu entre 1605 e 1694 numa extensão territorial grande na Serra da Barriga - interior do que hoje é o estado de Alagoas -, e contou com uma população de aproximadamente vinte mil quilombolas.
Por Bruno Peron
Hoje há uma pequena cidade de nome União dos Palmares que recorda a história do quilombo naquele território.
Narrado por alguns contadores de histórias como um provável descendente
de guerreiros angolanos fortes, Zumbi é certamente considerado o último
dos líderes do quilombo dos Palmares. Sua data de nascimento não é
precisa, mas se situa no ano de 1655 em território que hoje pertence ao
estado de Alagoas. Zumbi liderou o Quilombo dos Palmares desde um motivo
emancipatório comunitário que transbordou ao civilizatório nacional.
A resistência ecoou do Quilombo dos Palmares aos limites da colônia portuguesa na América do Sul.Palmares esteve vulnerável a ataques dos colonos portugueses com o objetivo de reconquista dos escravos para manter o sistema de exploração colonial. Para isso, relata-se que a capoeira desenvolveu-se entre os afro-descendentes como uma prática de treinamento de resistência contra a opressão dos colonizadores portugueses e da elite crioula sob o manto de uma dança típica africana. A prática da capoeira já existia entre os escravos da colônia, no entanto.
Embora se atribua a culpa dos descaminhos históricos brasileiros à
herança colonizadora, os grupos dominantes brasileiros foram os grandes
responsáveis por entregar o Brasil aos portugueses e anexá-lo ao sistema
econômico do Continente-Sanguessuga. Um destes representantes foi o
bandeirante paulista e sicário Domingos Jorge Velho, que, no menor
descuido dos livros didáticos de história, pode injustamente inverter o
papel do herói.
Ainda que uma proposta de negociação com Palmares tenha vindo de Pedro
Almeida, governador da capitania de Pernambuco, Zumbi recusou-a com
desconfiança e continuou a resistência. No entender de Zumbi, a
condescendência dos quilombolas de Palmares à monarquia portuguesa não
resolveria o problema da escravidão na colônia. Zumbi pensava na
coletividade. Em 20 de novembro de 1695, porém, Zumbi foi capturado e
decapitado. Assim como na posterior história de Antônio Conselheiro e
seu messianismo no sertão nordestino, as forças oficiais tentam
historicamente cooptar o desenvolvimento de forças alternativas. A
própria noção de refugiado em que os quilombolas se enquadraram implica
uma organização política outra que elude o risco de depender de
políticas oficiais de inclusão social.
Contudo, os quilombos não se desenvolviam somente com base na população
afro-descendente que fugia da opressão das casas-grandes.
Havia neles também uma minoria de indígenas, mestiços e brancos pobres.
Portanto, sua organização sócio-política não era excludente de grupos
diferentes dos que foram extirpados de suas famílias na África para ser
trazidos como animais de força motriz e trabalhar numa economia em vias
de globalizar-se. Por alguma razão estranha, quilombo quer dizer
desordem e confusão na Argentina.
A negociação dos colonos com os quilombolas não traria resultados positivos fora da resistência destes à opressão colonial, assim como o diálogo que o governo colombiano tenta estabelecer com o grupo guerrilheiro das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia traria uma paz relativa devido à divergência de ideias. Esta interpretação se deve a que, na primeira situação, os negros não se incluíram na sociedade, mas passaram da escravidão à exclusão, enquanto, na segunda, as propostas revolucionárias alternativas tendem a dar lugar ao consentimento a uma ordem capitalista oficial de controle das pessoas e dos territórios.
Vinte de novembro é um dia cujas lutas se rememoram como "consciência" de um grupo étnico que sofreu sob o jugo da pretensa superioridade branca. Um feriado comemorativo da braveza e da resistência dos afro-descendentes no Brasil é muito mais digno que o número sufocante de festividades de tantos santos cujo vestígio remanesce dos colonizadores. Por razões que se lhe ocorriam menos na época em que o maior objetivo era libertar todos da opressão dos portugueses, Zumbi virou mártir das lutas atuais de afirmação étnico-racial.
Fonte: Portal Vermelho
Saiba mais:
Zumbi vive na Serra da Barriga
Se apurarmos o ouvido, escutaremos os atabaques chamando às armas, anunciando a chegada dos negreiros malditos.
Escultura de Zumbi dos Palmares na praça da Sé, em Salvador (BA) -
Foto: Gorivero/CC
Em
20 de novembro de 1695, Nzumbi dos Palmares caía lutando em mata
perdida do sul da capitania de Pernambuco. Seu esconderijo fora revelado
por lugar-tenente preso e barbaramente torturado.
Mutilaram seu corpo.
Enfiaram seu sexo na boca. Expuseram a cabeça do palmarino na ponta de
uma lança em Recife. Os trabalhadores escravizados e todos os oprimidos
deviam saber a sorte dos que se levantavam contra os senhores das
riquezas e do poder.
Em 1654, com a expulsão dos
holandeses do Nordeste, os lusitanos lançaram expedições para repovoar
os engenhos com os cativos fugidos ou nascidos nos quilombos da
capitania. Para defenderem- se, as aldeias quilombolas confederaram- se
sob a chefia política do Ngola e militar do Nzumbi. A dificuldade dos
portugueses de pronunciar o encontro consonantal abastardou os étimos
angolanos nzumbi em zumbi, nganga nzumba, em ganga zumba. A confederação
teria uns seis mil habitantes, população significativa para a
época.
Em novembro de 1578, em Recife, Nganga Nzumba rompeu
a unidade quilombola e aceitou a anistia oferecida apenas aos nascidos
nos quilombos, em troca do abandono dos Palmares e da vil entrega dos
cativos ali refugiados ou que se refugiassem nas suas novas
aldeias.
Acreditando nos escravizadores, Ganga Zumba
deu as costas aos irmãos de opressão e aceitou as miseráveis facilidades
para alguns poucos. Abandonou as alturas dos Palmares pelos baixios de
Cucuá, a 32 quilômetros de Serinhaém. Foi seduzido por lugar ao sol no
mundo dos opressores, pelas migalhas das mesas dos algozes.
Então Nzumbi assumiu o comando político-militar da confederação.
Para
ele, não havia cotas para a liberdade ou privilegiados no seio da
opressão! Exigia e lutava altaneiro pelo direito para todos!
Não
temos certeza sobre o nome próprio do último nzumbi que chefiou a
confederação após a defecção de Nganga Nzumba. Documentos e a tradição
oral registram-no como Nzumbi Sweca.
Nos derradeiros
ataques aos Palmares, as armas de fogo e a capacidade dos escravistas de
deslocar e abastecer rapidamente os soldados registravam o maior nível
de desenvolvimento das forças produtivas materiais do escravismo,
apoiado na superexploração dos trabalhadores feitorizados. As tropas
luso-brasileiras eram a ponta de lança nas matas palmarinas da divisão
mundial do trabalho de então.
Não havia possibilidade de
coexistência pacífica entre escravidão e liberdade. Palmares era
república de produtores livres, nascida no seio de despótica sociedade
escravista, que surge hoje nas obras da historiografia apologética como
um quase paraíso perdido, onde a paz, a transigência e a negociação
habitavam as senzalas. Palmares era exemplo e atração permanentes aos
oprimidos que corroíam o câncer da escravidão.
Como já
lembraram, nos anos 1950, o historiador marxista-revolucionário francês
Benjamin Pérret e o piauiense comunista Clóvis Moura, a confederação dos
Palmares venceria apenas se espraiasse a rebelião aos escravizados dos
engenhos, roças e aglomeração do Nordeste, o que era então materialmente
impossível.
Palmares não foi porém luta utópica e
inconsequente. Por longas décadas, pela força das armas e a velocidade
dos pés, assegurou para milhares de homens e mulheres a materialização
do sonho de viver em liberdade de seu próprio trabalho. Indígenas,
homens livres pobres, refugiados políticos eram aceitos nos Palmares.
Eram braços para o trabalho e para a resistência.
A proposta da
retomada da escravidão colonial em Palmares, com Zumbi com um “séquito
de escravos para uso próprio”, é lixo historiográfico sem qualquer base
documental, impugnado pela própria necessidade de consenso dos
palmarinos contra os escravizadores. Trata-se de esforço ideológico de
sicofantas historiográficos para naturalizar a opressão do homem pelo
homem, propondo- a como própria a todas e quaisquer situações
históricas.
Palmares garantiu que milhares de homens e
mulheres nascessem, vivessem e morressem livres. Ao contrário, em poucos
anos, os seguidores de Ganga Zumba foram reprimidos, re-escravizados ou
retornaram fugidos aos Palmares, encerrando- se rápida e tristemente a
traição que dividiu e fragilizou a resistência quilombola.
A
paliçada do quilombo do Macaco foi a derradeira tentativa de
resistência estática palmarina, quando a resistência esmorecia. Ela foi
devassada em fevereiro de 1694, por poderoso exército, formado por
brancos, mamelucos, nativos e negros, entre eles, o célebre Terço dos
Enriques, formado por soldados e oficiais africanos e afro-descendentes.
Não havia e não há consenso racial e étnico entre oprimidos e
opressores.
O último reduto palmarino, defendido por
fossos, trincheiras e paliçadas, encontrava- se nos cimos de uma
altaneira serra.
A Serra da Barriga e regiões próximas,
na Zona da Mata alagoana, com densa vegetação, são paragens de beleza
única. Quem se aproxima da serra, chegado do litoral, maravilha-se com o
espetáculo natural. O maciço montanhoso rompe abruptamente, diante dos
olhos, no horizonte, como fortaleza natural expugnável, dominando as
terras baixas, cobertas pelo mar verde dos canaviais flutuando ao lufar
do vento.
Se apurarmos o ouvido, escutaremos os atabaques
chamando às armas, anunciando a chegada dos negreiros malditos.
Sentiremos a reverberação dos tam-tans lançados do fundo da história,
lembrando às multidões que labutam, hoje, longuíssimas horas ao dia, não
raro até a morte por exaustão, por alguns punhados de reais, nos verdes
canaviais dessas terras que já foram livres, que a luta continua,
apesar da já longínqua morte do general negro de homens livres.
Mario Maestri é professor do programa de pós-graduação em História da UPF.
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