segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Zumbi, mártir dos Palmares

 

Os quilombos ou mocambos eram territórios geoestratégicos que resultavam da fuga de negros das senzalas, onde sua mão-de-obra era escrava.O quilombo dos Palmares foi o que obteve maior expansão, longevidade e reputação, existiu entre 1605 e 1694 numa extensão territorial grande na Serra da Barriga - interior do que hoje é o estado de Alagoas -, e contou com uma população de aproximadamente vinte mil quilombolas.

 

 

Por Bruno Peron

 

Hoje há uma pequena cidade de nome União dos Palmares que recorda a história do quilombo naquele território.

Narrado por alguns contadores de histórias como um provável descendente de guerreiros angolanos fortes, Zumbi é certamente considerado o último dos líderes do quilombo dos Palmares. Sua data de nascimento não é precisa, mas se situa no ano de 1655 em território que hoje pertence ao estado de Alagoas. Zumbi liderou o Quilombo dos Palmares desde um motivo emancipatório comunitário que transbordou ao civilizatório nacional. 

A resistência ecoou do Quilombo dos Palmares aos limites da colônia portuguesa na América do Sul.Palmares esteve vulnerável a ataques dos colonos portugueses com o objetivo de reconquista dos escravos para manter o sistema de exploração colonial. Para isso, relata-se que a capoeira desenvolveu-se entre os afro-descendentes como uma prática de treinamento de resistência contra a opressão dos colonizadores portugueses e da elite crioula sob o manto de uma dança típica africana. A prática da capoeira já existia entre os escravos da colônia, no entanto.

 

  Embora se atribua a culpa dos descaminhos históricos brasileiros à herança colonizadora, os grupos dominantes brasileiros foram os grandes responsáveis por entregar o Brasil aos portugueses e anexá-lo ao sistema econômico do Continente-Sanguessuga. Um destes representantes foi o bandeirante paulista e sicário Domingos Jorge Velho, que, no menor descuido dos livros didáticos de história, pode injustamente inverter o papel do herói.
Ainda que uma proposta de negociação com Palmares tenha vindo de Pedro Almeida, governador da capitania de Pernambuco, Zumbi recusou-a com desconfiança e continuou a resistência. No entender de Zumbi, a condescendência dos quilombolas de Palmares à monarquia portuguesa não resolveria o problema da escravidão na colônia. Zumbi pensava na coletividade. Em 20 de novembro de 1695, porém, Zumbi foi capturado e decapitado. Assim como na posterior história de Antônio Conselheiro e seu messianismo no sertão nordestino, as forças oficiais tentam historicamente cooptar o desenvolvimento de forças alternativas. A própria noção de refugiado em que os quilombolas se enquadraram implica uma organização política outra que elude o risco de depender de políticas oficiais de inclusão social.

Contudo, os quilombos não se desenvolviam somente com base na população afro-descendente que fugia da opressão das casas-grandes.

Havia neles também uma minoria de indígenas, mestiços e brancos pobres. Portanto, sua organização sócio-política não era excludente de grupos diferentes dos que foram extirpados de suas famílias na África para ser trazidos como animais de força motriz e trabalhar numa economia em vias de globalizar-se. Por alguma razão estranha, quilombo quer dizer desordem e confusão na Argentina.

 

 

A negociação dos colonos com os quilombolas não traria resultados positivos fora da resistência destes à opressão colonial, assim como o diálogo que o governo colombiano tenta estabelecer com o grupo guerrilheiro das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia traria uma paz relativa devido à divergência de ideias. Esta interpretação se deve a que, na primeira situação, os negros não se incluíram na sociedade, mas passaram da escravidão à exclusão, enquanto, na segunda, as propostas revolucionárias alternativas tendem a dar lugar ao consentimento a uma ordem capitalista oficial de controle das pessoas e dos territórios.

 

Vinte de novembro é um dia cujas lutas se rememoram como "consciência" de um grupo étnico que sofreu sob o jugo da pretensa superioridade branca. Um feriado comemorativo da braveza e da resistência dos afro-descendentes no Brasil é muito mais digno que o número sufocante de festividades de tantos santos cujo vestígio remanesce dos colonizadores. Por razões que se lhe ocorriam menos na época em que o maior objetivo era libertar todos da opressão dos portugueses, Zumbi virou mártir das lutas atuais de afirmação étnico-racial.  

 

Fonte: Portal Vermelho

 

Saiba mais: 

 

 Zumbi vive na Serra da Barriga 

Se apurarmos o ouvido, escutaremos os atabaques chamando às armas, anunciando a chegada dos negreiros malditos.


Escultura de Zumbi dos Palmares na praça da Sé, em Salvador (BA) -
Foto: Gorivero/CC





Em 20 de novembro de 1695, Nzumbi dos Palmares caía lutando em mata perdida do sul da capitania de Pernambuco. Seu esconderijo fora revelado por lugar-tenente preso e barbaramente torturado.

Mutilaram seu corpo. Enfiaram seu sexo na boca. Expuseram a cabeça do palmarino na ponta de uma lança em Recife. Os trabalhadores escravizados e todos os oprimidos deviam saber a sorte dos que se levantavam contra os senhores das riquezas e do poder.
           
Em 1654, com a expulsão dos holandeses do Nordeste, os lusitanos lançaram expedições para repovoar os engenhos com os cativos fugidos ou nascidos nos quilombos da capitania. Para defenderem- se, as aldeias quilombolas confederaram- se sob a chefia política do Ngola e militar do Nzumbi. A dificuldade dos portugueses de pronunciar o encontro consonantal abastardou os étimos angolanos nzumbi em zumbi, nganga nzumba, em ganga zumba. A confederação teria uns seis mil habitantes, população significativa para a época.      

Em novembro de 1578, em Recife, Nganga Nzumba rompeu a unidade quilombola e aceitou a anistia oferecida apenas aos nascidos nos quilombos, em troca do abandono dos Palmares e da vil entrega dos cativos ali refugiados ou que se refugiassem nas suas novas aldeias.     
     
Acreditando nos escravizadores, Ganga Zumba deu as costas aos irmãos de opressão e aceitou as miseráveis facilidades para alguns poucos. Abandonou as alturas dos Palmares pelos baixios de Cucuá, a 32 quilômetros de Serinhaém. Foi seduzido por lugar ao sol no mundo dos opressores, pelas migalhas das mesas dos algozes.     

Então Nzumbi assumiu o comando político-militar da confederação.   
         
Para ele, não havia cotas para a liberdade ou privilegiados no seio da opressão! Exigia e lutava altaneiro pelo direito para todos!     
    
Não temos certeza sobre o nome próprio do último nzumbi que chefiou a confederação após a defecção de Nganga Nzumba. Documentos e a tradição oral registram-no como Nzumbi Sweca.         
   
Nos derradeiros ataques aos Palmares, as armas de fogo e a capacidade dos escravistas de deslocar e abastecer rapidamente os soldados registravam o maior nível de desenvolvimento das forças produtivas materiais do escravismo, apoiado na superexploração dos trabalhadores feitorizados. As tropas luso-brasileiras eram a ponta de lança nas matas palmarinas da divisão mundial do trabalho de então.  

Não havia possibilidade de coexistência pacífica entre escravidão e liberdade. Palmares era república de produtores livres, nascida no seio de despótica sociedade escravista, que surge hoje nas obras da historiografia apologética como um quase paraíso perdido, onde a paz, a transigência e a negociação habitavam as senzalas. Palmares era exemplo e atração permanentes aos oprimidos que corroíam o câncer da escravidão. 
        
Como já lembraram, nos anos 1950, o historiador marxista-revolucionário francês Benjamin Pérret e o piauiense comunista Clóvis Moura, a confederação dos Palmares venceria apenas se espraiasse a rebelião aos escravizados dos engenhos, roças e aglomeração do Nordeste, o que era então materialmente impossível.   

Palmares não foi porém luta utópica e inconsequente. Por longas décadas, pela força das armas e a velocidade dos pés, assegurou para milhares de homens e mulheres a materialização do sonho de viver em liberdade de seu próprio trabalho. Indígenas, homens livres pobres, refugiados políticos eram aceitos nos Palmares. Eram braços para o trabalho e para a resistência.   

A proposta da retomada da escravidão colonial em Palmares, com Zumbi com um “séquito de escravos para uso próprio”, é lixo historiográfico sem qualquer base documental, impugnado pela própria necessidade de consenso dos palmarinos contra os escravizadores. Trata-se de esforço ideológico de sicofantas historiográficos para naturalizar a opressão do homem pelo homem, propondo- a como própria a todas e quaisquer situações históricas.      
    
Palmares garantiu que milhares de homens e mulheres nascessem, vivessem e morressem livres. Ao contrário, em poucos anos, os seguidores de Ganga Zumba foram reprimidos, re-escravizados ou retornaram fugidos aos Palmares, encerrando- se rápida e tristemente a traição que dividiu e fragilizou a resistência quilombola.      

A paliçada do quilombo do Macaco foi a derradeira tentativa de resistência estática palmarina, quando a resistência esmorecia. Ela foi devassada em fevereiro de 1694, por poderoso exército, formado por brancos, mamelucos, nativos e negros, entre eles, o célebre Terço dos Enriques, formado por soldados e oficiais africanos e afro-descendentes. Não havia e não há consenso racial e étnico entre oprimidos e opressores. 
      
O último reduto palmarino, defendido por fossos, trincheiras e paliçadas, encontrava- se nos cimos de uma altaneira serra.        

A Serra da Barriga e regiões próximas, na Zona da Mata alagoana, com densa vegetação, são paragens de beleza única. Quem se aproxima da serra, chegado do litoral, maravilha-se com o espetáculo natural. O maciço montanhoso rompe abruptamente, diante dos olhos, no horizonte, como fortaleza natural expugnável, dominando as terras baixas, cobertas pelo mar verde dos canaviais flutuando ao lufar do vento.     

Se apurarmos o ouvido, escutaremos os atabaques chamando às armas, anunciando a chegada dos negreiros malditos. Sentiremos a reverberação dos tam-tans lançados do fundo da história, lembrando às multidões que labutam, hoje, longuíssimas horas ao dia, não raro até a morte por exaustão, por alguns punhados de reais, nos verdes canaviais dessas terras que já foram livres, que a luta continua, apesar da já longínqua morte do general negro de homens livres.     

Mario Maestri é professor do programa de pós-graduação em História da UPF.

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