Eurípedes (Veja), Bucci (Estadão), Sardenberg (TV Globo), Merval (O Globo), Villa (Globonews e outros) e Fiuza (Época) são alguns dos nomes conhecidos na imprensa que fazem parte do Instituto Millenium, centro de pensamento liberal que diz defender a liberdade e o estado de direito no país. Se dizem liberais, mas nenhum faz ressalvas à oligopolização da mídia. Dez entre dez artigos do instituto veem guerra ideológica em cada esquina brasileira. Nos últimos meses, eles estão ainda mais raivosos. O que esperar para 2013?
Heberth Xavier _247 - O nome é pomposo,
Millenium. O Instituto Millenium se diz um “centro de pensamento que
trabalha para a promoção e o fortalecimento da democracia, da liberdade,
do estado de direito e da economia de mercado”. Seus integrantes vêm
das redações de jornais, revistas, internet, da academia, espalhados por
diversas áreas. Tem gente de todo o tipo, mas todos com algo em comum:
têm um medo apavorante do rumo seguido pelo Brasil nos últimos dez anos,
que perigosamente estaria flertando com teorias e práticas contra a
liberdade de imprensa e com o intervencionismo econômico -- alguns, mais
radicais, chegam a relembrar o comunismo…
Lá está o colunista de O Globo, Merval Pereira,
acompanhado por artigos em que o governo federal, dez em dez vezes, é
sempre vilão. Ou o historiador Marco Antonio Villa, cuja notoriedade
recente, alimentada sempre pela crítica ao governo federal, impressionou
o jornalista Paulo Nogueira, ex-editor de Veja e ex-diretor de redação de Exame
(“É um símbolo de como alguém pode chegar aos holofotes e virar
‘referência’ falando apenas o que interesses poderosos querem ouvir”,
disse Nogueira). Ou o global Arnaldo Jabor, cujo único mérito do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi ter mantido, graças ao
temperamento conciliador, “os bolcheviques” fora do poder.
Nenhum deles, ou quase nenhum, vai admitir, mas é
inevitável a analogia entre o Millenium e Instituto de Pesquisas e
Estudos Sociais (Ipes), que reunia nos início dos anos 1960 “pensadores”
tão liberais e democratas quanto temerosos de uma ditadura comunista no
Brasil -- claro, o Ipes e seu discurso contra João Goulart ajudaram a
dar um verniz “sofisticado” ao golpe de 1964.
O Ipes era bancado por grandes empresas brasileiras e
multinacionais. No caso do Millenium, o patrocínio vem do “prestígio”
dos grandes grupos de mídia: Roberto Civita, da Editora Abril; Otávio
Frias Filho, da Folha; e Roberto Irineu Marinho, da Globo, são os
grandes anfitriões dos encontros do instituto.
Vários dos expoentes do Millenium usava fraldas, ou nem
isso, naquele 1964. Mas repetem, basicamente, um discurso parecido com o
do Ipes. Onde estavam as críticas a Goulart, Juscelino, Fidel Castro e
Stalin há 50 anos, estão hoje o medo do bolivarianismo, de Hugo Chávez,
de Rafael Correa, ou o temor a Lula e ao controle da mídia.
O Millenium é liberal e tem orgulho disso. Mas não imagine
que defenda, explicitamente, teses caras ao liberalismo econômico, como
a crítica aos monopólios e oligopólios. O monopólio da Petrobras é
ainda criticado, mas ignora-se solenemente qualquer discussão acerca do
fim do oligopólio na mídia. Ignora-se, da mesma forma, limites à
propriedade cruzada nos meios de comunicação, a exemplo do que fizeram
vários países europeus. Liberalismo, sim, pero no mucho…
Nos últimos dias, os textos ficaram ainda mais
contundentes, estimulados pelo julgamento da Ação Penal 470, o chamado
mensalão. No último deles, o jornalista Eugênio Bucci, outrora
presidente da Radiobras no governo Lula e simpático ao PT, fala sobre a
“lógica desastrosa de Lula sobre a imprensa”. Em outro artigo desta
semana, o economista Mailson da Nóbrega, que deixou o Ministério da
Fazenda no governo Sarney com uma inflação na casa de 80% ao mês,
critica o que chama de “volta ao passado” do governo Dilma na economia.
Entre os articulistas, há gente de mente arejada e plural, como o
cientista político Murilo de Aragão, mas elas são exceções: ganha um
doce quem achar algo que vá além do medo assombrado contra a estatização
exagerada no Brasil e contra os ataques que estariam sendo feitos à
liberdade de imprensa (observação: não se conhece, entre os
articulistas, qualquer um que tenha sido censurado pelo governo atual).
O Millenium conta entre seus quadros com gente que adora a
polêmica. E gente que força a polêmica, ainda que gratuita. Marcelo
Madureira, que até há pouco era conhecido apenas por ser humorista e
membro do grupo Casseta e Planeta, decidiu-se pela política mais
explícita. E escolheu o Millenium para expor suas ideias. Em um dos
encontros, gritou: “Quero denunciar o seguinte: a sociedade brasileira é
vítima de ataques à democracia! São ataques à democracia, como o
mensalão é um ataque à democracia, a legislação eleitoral é um ataque à
democracia”. Não falou mais, ou explicou melhor esses ataques, ou mesmo
deu uma satisfação sobre quem estava fazendo esses ataques. Mas foi
muito aplaudido.
Reinaldo Azevedo, o polêmico blogueiro de Veja, é claro,
também é Millenium. E, como seu companheiro Madureira, também vê uma
guerra ideológica em cada esquina: “Existe uma guerra em curso. O lado
de cá, o lado de cá que eu digo é o lado da democracia…”
O jornalista José Nêumane Pinto, articulista do Estadão e
comentarista político no SBT, também é Millenium. Em seu livro mais
recente, “O que sei de Lula”, ele acusa o ex-presidente de ter delatado
colegas na época de sindicalismo em São Bernardo do Campo. Antes de
publicar o livro, na campanha eleitoral de 2010, chegou a convocar os
militares. Criticando as bases do Plano Nacional de Direitos Humanos,
Nêumane extrapolou e encerrou assim seu comentário. “O presidente assina
o que não lê, a oposição idem e os militares… bem, alguém sabe onde
andam os militares?”
Fonte: Brasil 247
Leia mais:
Pacto adversativo x Pacto progressista
Por Saul Leblon
A 'Folha' quer ser o bastião de um conservadorismo mais que nunca determinado a implodir a agenda progressista que ordena o país desde 2003.
A exemplo dos pavões do PSDB, porém, o veículo dos Frias também se pretende 'moderno' .Uma referência de desprendimento republicano, 'a serviço do Brasil'.
Incompatibilidades entre uma coisa e outra são escamoteadas frequentemente abusando-se de um recurso ardiloso: o fraseado adversativo.
Basta um 'mas' depois das vírgulas. Pronto.
A relação de forças, os conflitos de interesses que estruturam os impasses macroeconômicos atuais, as dinâmicas condicionadas pela desordem neoliberal, o saldo dos avanços e, sobretudo, os riscos de uma ruptura tudo se dissipa e se dissolve.
O pontificado do arrasa-terra lubrifica-se nesse genial truque de um 'mas' depois da vírgula.
Evidências incontornáveis reduzem-se a partículas de Higgs. Por exemplo, o fato de o dispositivo midiático ser um dos escudos implacáveis do rentismo neoliberal que engessou e corroeu - e ainda corrói - as turbinas do investimento produtivo nacional.
Nada disso importa ao pasteurizador narrativo da Folha.
O truque consiste em nivelar um avanço inquestionável da década petista a um ponto não contemplado da agenda conservadora.
Passo seguinte: conclui-se que nada de relevante aconteceu no país; nada mudou desde 2003; não houve um miserável centímetro de avanço histórico.
Escavado o buraco negro desobriga-se o foco de contemplar as conquistas --desobriga-se também quem de direito a defende-las. No limite podemos chegar ao suicídio assistido pelos princípios inquebrantáveis que levaram alguns a preferir a vitória de Serra contra Haddad em SP -- 'para punir a degeneração petista'.
O país --o governo construído desde 2003, com suas falhas clamorosas e avanços reais-- vira uma terra de ninguém. Uma Geni de fim de ano. Pau nela.
Em torno do marco zero pontifica-se livremente sobre o futuro: tudo está por fazer.
O negacionismo adversativo é uma espécie de doença infantil do conservadorismo.
Como outras doenças infantis, trata-se de abduzir a realidade e a relação de forças no complacente espaço do idealismo.
É esse o motor do editorial da Folha desta 4ª feira, sugestivamente intitulado 'Reforma Geral'. Ou vassourão de fim de ano.
Ou ainda, 'chamada geral ao pacto adversativo contra o governo Dilma'.
A meta é exposta com todas as letras no texto: desqualificado o presente, o futuro passa por 'mudar desde as condições de produção até as próprias prioridades nacionais", convoca o confiável diário dos Frias.
Só isso.
Quais prioridades nacionais?
O editorial não tem a audácia (ainda) de propor a supressão dos avanços sociais implantados no governo Lula.
Tampouco de clamar por alguma forma velada de arrocho salarial --a começar pelo salário mínimo, quem sabe.
Mas é disso que se trata.
A restauração do projeto derrotado nas últimas três eleições presidenciais implica negar a qualquer avanço do ciclo petista o condão de uma nova alavanca de desenvolvimento.
O editorial é uma carta proposta nesse rumo. Virão outras, por certo, sempre escudadas no 'interesse nacional'.
A cobrança por avanços sintetiza um roteiro de regressão.
Reduzir o ciclo petista a uma montanha desordenada de corrupção, fracassos e intervencionismo-estatal-populista é o que autorizaria a volta dos geniais e impolutos tucanos ao leme.
Essa é a marcha dos acontecimentos.
Trechos ilustrativos desse ensaio de campanha para 2013/2014, pinçados do editorial adversativo da Folha desta 4ª feira, 26-12:
"... é verdade, o governo Dilma decidiu baixar o custo da energia, ainda que de forma desastrada"
" Impostos foram reduzidos de modo relevante, mas arbitrário".
"o conservadorismo do governo, que não vem de agora. A última novidade relevante foi o aumento do mercado interno, a partir de meados do período Lula".
"Decerto a redução dos juros terá efeito positivo, mas ela se deveu em parte a uma conjuntura econômica mundial excepcional".
" (o país) precisa de um programa de aceleração do crescimento, (mas ) não este da marca de fantasia do governo, mas de uma reforma que altere as condições em que se produz, a maneira de governar e as prioridades nacionais".
Vai por aí a coisa.
A investida conservadora contra a política econômica deve preocupar não só o governo.
Ela fala diretamente aos que pleiteiam avanços efetivos, e mais rápidos, na estratégia de crescimento com maior justiça social --e, portanto, com mais democracia participativa, único antídoto ao golpismo das togas.
A presidenta Dilma tem feito um pedaço do que cabe ao governo (faltam outros; a regualação da mídia, por exemplo).
Seguidos apelos aos empresários para que retomem o investimento na expansão da base industrial e logística ocorreram neste final de 2013. Será a batalha de 2014.
Um número resume todos os demais: 40 milhões de brasileiros saltaram da pobreza para o mercado de consumo no ciclo Lula.
O país foi pensado por uma elite que achava de bom tamanho governar para 30% da sociedade.
A ascensão progressista mudou a escala da economia e impôs a reordenação do desenvolvimento, da democracia e da comunicação.
A luta política atual é para adequar uma coisa a outra. Ou, do ponto de vista conservador, para retroagir uma coisa a outra.
O salto do investimento, a chamada formação bruta de capital fixo, é necessária para que o Brasil possa avançar na rota traçada desde 2003. Sem gargalos de infraestrutura e de oferta que terminem por gerar escassez e custos descontrolados.Em resumo: inflação, regressão na renda e alarmismo golpista (ensaios disso salpicaram recentemente na Economist,que pediu a cabeçaa de Mantega e no blog do Financial Times, desta 4ª feira, que excreta a carniça neoliberal em tratamento desrespeitoso a Dilma e ao Brasil).
As empresas brasileiras estão líquidas. Há dinheiro em caixa para investir. O mesmo acontece no sistema financeiro. Há dinheiro grosso ocioso no sistema.
Desde 2008, no segundo governo Lula, medidas tem sido tomadas para induzir a transição a uma nova matriz macroeconômica.
Bancos públicos e decisões de Estado forçaram a queda dos juros (a Selic caiu 5,5 pontos em 12 meses). O câmbio ficou cerca de 14% mais competitivo. Desonerações tributárias em valor equivalente a 1% do PIB foram autorizadas para impulsionar o investimento.
O efeito-riqueza da farra rentista evaporou-se. Não dá mais para dobrar o pecúlio financeiro em dois, três anos.Muitas carteiras tornaram-se negativas.
Por que, então, as coisas ainda patinam a ponto de favorecer o chamamento da Folha ao pacto adversativo --a 'reforma geral' que incluiria "desde as condições de produção até a revisão das próprias prioridades nacionais"?
Um dos impasses consiste no fato de que o capital acostumado à liquidez rentista, associada a altas taxas de juros, recusa-se a migrar para projetos produtivos e de infraestrutura que não ofereçam vantagens líquidas equivalentes, na verdade maiores que as originais.
No fundo, rejeita-se o comando do Estado sobre o próximo ciclo de investimentos.
No geral,as taxas de retornodos projetos propostos pelo governo superam folgadamente o patamar obtido no mercado financeiro pós- crise de 2008. Sem esquecer que uma parte do capitla pe financiada a juros subsidiados do BNDES.
Mas eles querem mais.
Para investir em portos, ferrovias etc cobra-se em troca um retorno superior ao do mercado financeiro atual, ademais de um plus que compense a liquidez inferior, inerente a obras de longo prazo e difícil revenda.
Estamos no olho do furacão dessa queda de braço histórica.
Os dois lados enfrentam uma contagem regressiva mortal.
Os ponteiros do governo são ordenados pelo timming político.
A transição macroeconômica precisa ser validada por uma nova safra de investimentos. Ou Dilma chegará vulnerável à corrida para a reeleição.
O capital estocado nas tesourarias de bancos e empresas,por sua vez, queima como batata quente.
Não pode dar-se ao luxo de insistir em opções de baixa rentabilidade financeira desprezando retornos - de teto superiores - colocados na pauta do desenvolvimento.
A teimosia tem impactos em balanços,ações e dividendos. Acionistas podem fugir. Cabeças podem rolar. A resistência à eutanásia do rentista pode redundar em fuzilamento profissional de gestores atucanados.
Até quando a sabotagem conservadora poderá resistir?
Até onde o governo Dilma pode ir para tornar os atrativos à produção inapeláveis?
Não se trata de uma gincana entre ortodoxos e heterodoxos, mas de esticar o fio das possibilidades de futuro dentro da relação de forças do presente,que também pode ser modificada para melhor.
Esses são os fatos que urgem e rugem por trás do editorial da Folha e de similares que devem inundar a mídia em 2013.
Não é um problema do PT ou da Dilma.
Tem a ver com a próxima década do país.
Com a próxima geração.
Pode ou não confirmar as possibilidades e esperanças depositadas no pré-sal.
Pode ou não viabilizar a transformação de 40 milhões de novos consumidores em novo sujeito histórico.
O governo, o PT e as forças progressistas que pavimentaram a caminhada de 2003 até o ponto atual precisam - urgentemente - repactuar as bases de sua aliança para impulsionar o passo seguinte da história.
Do contrário, a lógica conservadora terá o campo livre para agir e se materializar num poderoso pacto adversativo.
É preciso conversar o mais rápido possível. Antes que as diferenças se transformem em distanciamento e o estranhamento em fragmentação progressista.
Cabe ao governo Dilma a iniciativa do jogo.
Fonte: Carta Maior
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"Políticas golpistas disseminam-se pelo continente americano. À medida em que os governos progressistas e de esquerda vão sendo sucessivamente eleitos, reeleitos e alguns re-reeleitos, novas modalidades conspirativas vão sendo testadas e postas em prática".
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