O Tribunal de Justiça de Mato Grosso, ao decidir multar o sindicato dos servidores do sistema prisional, extrapola em suas atribuições, põe em risco sua credibilidade (e a segurança jurídica) e viola a luta histórica dos trabalhadores
Para o advogado Vilson Nery, tanto as decisões do TJ sobre a greve são
altamente questionáveis, quanto a imposição de multa ou percentual de
serviço que deve continuar sendo prestado pelos trabalhadores.
POR VILSON NERY
É cediço que o exercício da greve constitui direito inalienável dos
trabalhadores dos setores público e privado, todavia o exercício do
direito envolve uma série de particularidades, que devem ser observadas
pela organização do movimento (sindicatos), especialmente no que diz
respeito ao funcionalismo público.
A greve no serviço público encontra legalidade (fundamento de
validade) inclusive na Constituição Federal que, na sua redação original
(artigo 37, inciso VII) assegurou o exercício do direito de greve aos
servidores públicos civis, o qual deveria ser regulamentado sob a forma
de lei complementar.
Contudo a Emenda Constitucional nº 19/1998 passou a exigir lei
ordinária, mas o exercício do direito de greve dos servidores públicos
nunca foi regulamentado. A omissão legislativa restou reconhecida pelo
Supremo Tribunal Federal no julgamento dos Mandados de Injunção 670/ES,
708/DF e 712/PA, nos quais foi superada a questão da legalidade da greve
no serviço público e determinadas quais as normas que seriam aplicáveis
enquanto pendente a edição da legislação exigida (omissão legislativa).
Em resumo, nos citados mandados de injunção, espécie de processos
onde o cidadão exige do Congresso Nacional a edição de lei que garanta o
exercício de determinado direito previsto constitucionalmente, o
Supremo reconhece que a greve no serviço público encontra respaldo na
legalidade, direito este que deve ser exercido nos termos enunciados
pela Corte Suprema.
Ao apreciar os Mandados de Injunção 670/ES, 708/DF e 712/PA, o STF
conferiu efeito “erga omnes” (contra todos) às suas decisões, o que
importa dizer que as normas aplicadas aos casos julgados devem reger o
exercício do direito de greve de todos os servidores públicos até o
momento em que ocorra a edição da legislação específica. O Mandado de
Injunção 712/PA, de relatoria do ex ministro Eros Grau, determina a
aplicação da Lei nº 7.783/89 aos servidores públicos.
E o que diz a encimada Lei?
Afirma que é assegurado o direito de greve, competindo aos
trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os
interesses que devam por meio dele defender, reconhecendo como legítimo o
exercício do direito de greve a suspensão coletiva, temporária e
pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços ao seu
empregador.
Diz mais, no art. art. 3º: que frustrada a negociação ou verificada a
impossibilidade de recursos via arbitral, é facultada a cessação
coletiva do trabalho, devendo a entidade patronal correspondente ser
notificada, com antecedência mínima de 48 (quarenta e oito) horas, da
paralisação. A convocação deve ser feita pela entidade sindical dos
trabalhadores, na forma do respectivo estatuto, em assembleia geral,
onde se define as reivindicações da categoria e delibera-se quanto à
paralisação coletiva da prestação de serviços.
Ora, seguidamente o orçamento destinado ao sistema prisional é
contingenciado (chegou a 60%), o Estado prometeu pagar aos servidores o
adicional de insalubridade e nunca cumpriu. Basta dizer que os colegas
destes, do setor de arrecadação de tributos, fizeram uma greve de dois
dias e mereceram aumento de vencimentos. O impacto do aumento salarial
aos agentes tributários é de mais de 30 milhões de reais nas contas
públicas. Já os agentes prisionais não mereceram o mesmo atendimento,
que é um atentado à isonomia.
Interessante dizer que, de acordo com a orientação do STF, a
participação em greve suspende o contrato de trabalho, devendo as
relações obrigacionais, durante o período, serem regidas pelo acordo,
convenção, laudo arbitral ou decisão da Justiça do Trabalho. Portanto o
TJ/MT, ao decidir multar o sindicato dos servidores do sistema
prisional, extrapola em suas atribuições, põe em risco sua credibilidade
(e a segurança jurídica) e viola a luta histórica dos trabalhadores.
A lei veda a rescisão de contrato de trabalho (rectius, sanção
disciplinar) durante a greve, bem como a contratação de trabalhadores
substitutos, o que vem sendo feito pelo governo estadual. O artigo 8º da
Lei de Greve diz que a Justiça do Trabalho, por iniciativa de qualquer
das partes ou do Ministério Público do Trabalho, é que detém a
competência para decidir sobre a procedência, total ou parcial, ou
improcedência das reivindicações, cumprindo ao Tribunal publicar, de
imediato, o competente acórdão.
Com relação aos serviços essenciais, que não podem ser suspensos
durante a greve, o rol vem inserido no artigo 10 (da lei que o STF diz
ser aplicável ao setor público) e são: os sistemas de tratamento e
abastecimento de água, de produção e distribuição de energia elétrica,
gás e combustíveis, de assistência médica e hospitalar, a distribuição e
comercialização de medicamentos e alimentos, os serviços funerários, o
transporte coletivo, captação e tratamento de esgoto e lixo,
telecomunicações, guarda, uso e controle de substâncias radioativas,
equipamentos e materiais nucleares, processamento de dados ligados a
serviços essenciais, controle de tráfego aéreo e compensação bancária.
Portanto, nem mesmo engloba o sistema prisional como integrante da categoria de serviço essencial.
Definido o conceito jurídico de serviço essencial, quanto a estes, no
período da greve, devem os sindicatos, os empregadores e os
trabalhadores, de comum acordo, a garantir, sem interrupção, a prestação
dos tais serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades
inadiáveis da comunidade.
Portanto, tanto as decisões do TJ sobre a greve são altamente
questionáveis, quanto a imposição de multa ou percentual de serviço que
deve continuar sendo prestado pelos trabalhadores. E nem adianta dizer
que após a Emenda 45 as questões relativas à greve são de competência da
Justiça comum estadual, porque a questão ainda não está pacificada.
Vilson Nery é advogado em Mato Grosso
Fonte Pagina do Enock
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