quarta-feira, 31 de julho de 2013

Greve dos servidores do Sistema Prisional é legal; TJ/MT exorbita em suas atribuições


O Tribunal de Justiça de Mato Grosso, ao decidir multar o sindicato dos servidores do sistema prisional, extrapola em suas atribuições, põe em risco sua credibilidade (e a segurança jurídica) e viola a luta histórica dos trabalhadores


Para o advogado Vilson Nery, tanto as decisões do TJ sobre a greve são altamente questionáveis, quanto a imposição de multa ou percentual de serviço que deve continuar sendo prestado pelos trabalhadores.



POR VILSON NERY
 
É cediço que o exercício da greve constitui direito inalienável dos trabalhadores dos setores público e privado, todavia o exercício do direito envolve uma série de particularidades, que devem ser observadas pela organização do movimento (sindicatos), especialmente no que diz respeito ao funcionalismo público.

A greve no serviço público encontra legalidade (fundamento de validade) inclusive na Constituição Federal que, na sua redação original (artigo 37, inciso VII) assegurou o exercício do direito de greve aos servidores públicos civis, o qual deveria ser regulamentado sob a forma de lei complementar.

Contudo a Emenda Constitucional nº 19/1998 passou a exigir lei ordinária, mas o exercício do direito de greve dos servidores públicos nunca foi regulamentado. A omissão legislativa restou reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento dos Mandados de Injunção 670/ES, 708/DF e 712/PA, nos quais foi superada a questão da legalidade da greve no serviço público e determinadas quais as normas que seriam aplicáveis enquanto pendente a edição da legislação exigida (omissão legislativa).

Em resumo, nos citados mandados de injunção, espécie de processos onde o cidadão exige do Congresso Nacional a edição de lei que garanta o exercício de determinado direito previsto constitucionalmente, o Supremo reconhece que a greve no serviço público encontra respaldo na legalidade, direito este que deve ser exercido nos termos enunciados pela Corte Suprema.

Ao apreciar os Mandados de Injunção 670/ES, 708/DF e 712/PA, o STF conferiu efeito “erga omnes” (contra todos) às suas decisões, o que importa dizer que as normas aplicadas aos casos julgados devem reger o exercício do direito de greve de todos os servidores públicos até o momento em que ocorra a edição da legislação específica. O Mandado de Injunção 712/PA, de relatoria do ex ministro Eros Grau, determina a aplicação da Lei nº 7.783/89 aos servidores públicos.

E o que diz a encimada Lei?

Afirma que é assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender, reconhecendo como legítimo o exercício do direito de greve a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços ao seu empregador.

Diz mais, no art. art. 3º: que frustrada a negociação ou verificada a impossibilidade de recursos via arbitral, é facultada a cessação coletiva do trabalho, devendo a entidade patronal correspondente ser notificada, com antecedência mínima de 48 (quarenta e oito) horas, da paralisação. A convocação deve ser feita pela entidade sindical dos trabalhadores, na forma do respectivo estatuto, em assembleia geral, onde se define as reivindicações da categoria e delibera-se quanto à paralisação coletiva da prestação de serviços.

Ora, seguidamente o orçamento destinado ao sistema prisional é contingenciado (chegou a 60%), o Estado prometeu pagar aos servidores o adicional de insalubridade e nunca cumpriu. Basta dizer que os colegas destes, do setor de arrecadação de tributos, fizeram uma greve de dois dias e mereceram aumento de vencimentos. O impacto do aumento salarial aos agentes tributários é de mais de 30 milhões de reais nas contas públicas. Já os agentes prisionais não mereceram o mesmo atendimento, que é um atentado à isonomia.

Interessante dizer que, de acordo com a orientação do STF, a participação em greve suspende o contrato de trabalho, devendo as relações obrigacionais, durante o período, serem regidas pelo acordo, convenção, laudo arbitral ou decisão da Justiça do Trabalho. Portanto o TJ/MT, ao decidir multar o sindicato dos servidores do sistema prisional, extrapola em suas atribuições, põe em risco sua credibilidade (e a segurança jurídica) e viola a luta histórica dos trabalhadores.

A lei veda a rescisão de contrato de trabalho (rectius, sanção disciplinar) durante a greve, bem como a contratação de trabalhadores substitutos, o que vem sendo feito pelo governo estadual. O artigo 8º da Lei de Greve diz que a Justiça do Trabalho, por iniciativa de qualquer das partes ou do Ministério Público do Trabalho, é que detém a competência para decidir sobre a procedência, total ou parcial, ou improcedência das reivindicações, cumprindo ao Tribunal publicar, de imediato, o competente acórdão.

Com relação aos serviços essenciais, que não podem ser suspensos durante a greve, o rol vem inserido no artigo 10 (da lei que o STF diz ser aplicável ao setor público) e são: os sistemas de tratamento e abastecimento de água, de produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis, de assistência médica e hospitalar, a distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos, os serviços funerários, o transporte coletivo, captação e tratamento de esgoto e lixo, telecomunicações, guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares, processamento de dados ligados a serviços essenciais, controle de tráfego aéreo e compensação bancária.

Portanto, nem mesmo engloba o sistema prisional como integrante da categoria de serviço essencial.

Definido o conceito jurídico de serviço essencial, quanto a estes, no período da greve, devem os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores, de comum acordo, a garantir, sem interrupção, a prestação dos tais serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

Portanto, tanto as decisões do TJ sobre a greve são altamente questionáveis, quanto a imposição de multa ou percentual de serviço que deve continuar sendo prestado pelos trabalhadores. E nem adianta dizer que após a Emenda 45 as questões relativas à greve são de competência da Justiça comum estadual, porque a questão ainda não está pacificada.

Vilson Nery é advogado em Mato Grosso

Fonte Pagina do Enock


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