Agentes de desestabilização
Washington busca a troca de regime na Venezuela
por Garry Leech, no Counterpunch, em 04.03.2014
Tanto os protestos organizados quanto os problemas econômicos contra
os quais os manifestantes protestam parecem ter sido orquestrados pela
oposição com o objetivo de desestabilizar o país e derrubar o governo.
Incapaz de ganhar o poder através do voto, a oposição venezuelana
voltou-se para meios inconstitucionais para derrubar o presidente
Nicolas Maduro.
Com apoio apenas limitado dos venezuelanos, a oposição se tornou
dependente de ajuda externa dos Estados Unidos e da Colômbia, o aliado
mais próximo dos Estados Unidos na América Latina. Os atuais protestos
parecem representar a tática mais recente da campanha de
desestabilização que Washington vem desenvolvendo contra a Venezuela por
mais de uma década, inicialmente para derrubar o presidente Hugo Chávez
e agora para derrubar seu sucessor, Maduro.
Desde o mês passado, manifestantes em várias cidades venezuelanas tem
protestado contra os blecautes de energia e a falta de produtos básicos
de alimentação. Mais de uma dúzia de pessoas morreram nos protestos.
Enquanto eles são descritos pela mídia corporativa como manifestações
espontâneas resultantes da crescente frustração com a incapacidade do
governo de gerenciar a economia, um documento estratégico recentemente
revelado sugere que os protestos são a tática mais recente da antiga
estratégia de desestabilização orquestrada pela oposição com forças
externas.
O documento, que foi obtido e publicado pela advogada Eva Gollinger, ilustra como as correntes manifestações na Venezuela foram orquestradas. Ele foi escrito pela FTI Consulting*, empresa baseada nos Estados Unidos, com duas organizações colombianas (Fundación Centro de Pensamiento Primero Colombia e a Fundación Internacionalismo Democrático)
numa reunião de junho de 2013. Mark Feierstein, chefe das operações
latino-americanas da Agência Internacional de Desenvolvimento dos
Estados Unidos (USAID) e líderes da oposição venezuelana, incluindo
Maria Corina Machado, Julio Borges e Ramon Guillermo Avelado
participaram da reunião.
O documento pede o restabelecimento da democracia na América Latina
colocando como alvos os líderes políticos “pseudo-progressistas” da
Venezuela. De acordo com o texto, “o plano, aprovado por consenso com
representantes valorosos da oposição ao governo de Nicolas Maduro, foca
nestes objetivos com o forte apoio de várias personalidades globais, com
o objetivo de retornar a Venezuela à verdadeira democracia e
independência, que foram sequestradas por 14 anos”.
Em seguida propõe quinze ações, incluindo uma que diz “manter e
aumentar a sabotagem que afeta os serviços para a população,
particularmente o sistema elétrico, o que resulta em culpa do governo
por ineficiência e negligência”. Outra ação busca “aumentar os problemas
com a escassez de produtos da cesta básica”.
O documento vai adiante para especificar ações violentas de
desestabilização, sugerindo “quando possível, a violência deve causar
mortos e feridos. Encorajar greves de fome longas, mobilizações de
massa, problemas em universidades e outros setores da sociedade agora
identificados com instituições do governo”.
O plano também pede o recrutamento de “jornalistas e repórteres
venezuelanos e internacionais da CNN, New York Times, New York Post,
Reuters, AP, EFE, Miami Herald, Time, BBC, El Pais, Clarin, ABC e
outros”.
Finalmente, o plano pede a membros da oposição que “criem situações
de crise nas ruas para facilitar a intervenção de forças
norte-americanas e da OTAN, com apoio do governo da Colômbia”.
O documento estratégico propõe um calendário de seis meses para as
ações. É interessante que os atuais protestos começaram sete meses
depois do plano ter sido desenvolvido.
O presidente Maduro, como seu predecessor Chávez, tem alegado
repetidamente que as elites econômicas da oposição, que controlam a
produção privada de alimentos, tem deliberadamente criado falta de
produtos básicos ao cortar a produção, estocar alimentos e exportar para
a Colômbia, criando a impressão de que o governo está gerenciando
erradamente a economia e gerando protestos civis. O plano estratégico
claramente sugere que a oposição joga um papel na criação da falta de
alimentos e nos blecautes elétricos, ambos atribuídos publicamente a mau
gerenciamento do governo.
As três entidades que aparecem no título do documento tem relação
próxima com Washington. A FTI Consulting é uma empresa global de
gerenciamento de risco baseada na região de Washington, enquanto as
outras duas, baseadas em Bogotá, destacam o papel do ex-presidente
colombiano Alvaro Uribe, um linha-dura que foi o aliado mais próximo de
Washington na América Latina durante seus oito anos no poder
(2002-2010).
Embora a estratégia não se refira ao governo dos Estados Unidos
diretamente, levanta questões sobre a possibilidade da empresa
norte-americana de consultoria e de duas organizações colombianas
estarem atuando de forma encoberta em nome do governo dos Estados
Unidos. Tal estratégia estaria de acordo com a longa campanha de
desestabilização de Washington contra a Venezuela com o objetivo de
conseguir mudança de regime. A campanha envolveu apoio ao golpe militar
de abril de 2002 que derrubou o presidente Chávez**.
O plano fracassou quando o maciço apoio popular a Chávez forçou o
exército venezuelano a reinstalar o líder eleito democraticamente três
dias depois.
Depois do fracasso do golpe, Washington intensificou suas tentativas
para desestabilizar a Venezuela ampliando o apoio às forças de oposição
sob a desculpa de “promover a democracia”.
Pouco depois do golpe fracassado, Maria Corina Machado, uma
importante líder da oposição envolvida no golpe, formou a organização
não-governamental Súmate para organizar e promover o referendo revogatório para tirar Chávez do poder. Os Estados Unidos financiaram a Súmate através da USAID e do National Endowment for Democracy (NED).
A Súmate se encaixava bem no NED, que foi estabelecido em 1983 para
“promover a democracia” e organizações da “sociedade civil” no exterior.
Na verdade, os objetivos do NED tem sido os de dar financiamento para
forças políticas pró-Estados Unidos na América Latina, África e Ásia de
forma a enfrentar governos que desafiam interesses dos Estados Unidos.
Com este objetivo, o NED assumiu o papel de desestabilização antes
jogado pela CIA em países como o Chile, nos anos 70.
Alan Weinstein, um dos fundadores do NED, disse em 1991: “Muito do
que fazemos era feito 25 anos atrás de forma clandestina pela CIA”.
Depois que o referendo revogatório fracassou na remoção de Chávez do
poder, em 2004, os Estados Unidos ampliaram ainda mais seu apoio à
oposição e às tentativas de enfraquecer o governo venezuelano.
Um telegrama secreto mandado pela Embaixada dos Estados Unidos na
Venezuela a Washington, que foi publicado pelo Wikileaks, se refere ao
papel do Office of Transition Initiatives (OTI), da USAID.
De acordo com o telegrama, “o embaixador definiu a estratégia de 5
pontos da equipe no país para guiar as atividades da embaixada na
Venezuela no período 2004-2006… Os focos da estratégia são: 1)
Fortalecer Instituições Democráticas, 2) Penetrar a Base Política de
Chávez, 3) Dividir o Chavismo, 4) Proteger Negócios Vitais dos Estados
Unidos, e 5) Isolar Chávez Internacionalmente”.
O telegrama segue notando que “este objetivo estratégico representa a
maior parte do trabalho da USAID/OTI na Venezuela… Os parceiros da OTI
estão treinando ONGs para se tornarem ativistas… 39 organizações focadas
em ações públicas foram formadas desde a chegada do OTI; muitas destas
organizações como resultado direito de programas e financiamento do
OTI”.
O telegrama destaca como era a estratégia dos Estados Unidos de
infiltrar a então base primária de apoio de Chávez entre os pobres: “Um
mecanismo eficaz de controle chavista aplica vocabulário democrático
para apoiar a ideologia revolucionária do bolivarianismo. O OTI vem
trabalhando para enfrentar isso através de um programa de educação
cívica chamado ‘Democracy Among Us’. Este programa interativo de
educação funciona através de ONGs em comunidades de baixa renda. … O OTI
apoia ONGs locais que trabalham em bases chavistas e com líderes
chavistas… com o efeito desejado de afastá-los vagarosamente do
Chavismo”.
Entre 2006 e 2010, a USAID gastou cerca de U$ 15 milhões na Venezuela
com uma porção significativa do dinheiro usada para financiar programas
universitários e workshops para jovens, sem dúvida com o objetivo de
“afastá-los vagarosamente do Chavismo”.
O papel proeminente dos estudantes universitários nos atuais protestos sugere que a estratégia dos Estados Unidos funcionou.
Encarando a ajuda dos Estados Unidos a membros da oposição como
violação da soberania da Venezuela, a Assembleia Nacional venezuelana
aprovou uma lei em dezembro de 2010 proibindo o financiamento
estrangeiro de atividades políticas — atividades que, ironicamente,
também são ilegais nos Estados Unidos. Depois da aprovação da nova lei
venezuelana, a USAID/OTI transferiu suas operações da Venezuela para
Miami.
O Escritório para Iniciativas de Transição (OTI) da USAID foi criado
em 1994 e seus objetivos são claros: obter a mudança de regime.
De acordo com a USAID, “os programas do OTI servem como catalizadores
de mudança política positiva… Aproveitando janelas críticas de
oportunidade, o OTI trabalha em países dados a conflitos para
providenciar assistência rápida, flexível e de curto prazo tendo como
alvo necessidades-chave de transição e estabilização… Os programas do
OTI são desenhados individualmente para atender às necessidades mais
importantes da transição, focando nas questões decisivas que vão definir
o futuro do país… O OTI busca parceiros para projetos que vão fornecer a
faísca para a transformação social”.
O governo dos Estados Unidos não depende apenas da USAID e do NED para solapar o governo venezuelano.
Um documento de 2007 da Agência de Segurança Nacional (NSA) tornado
público no ano passado por Edward Snowden descreve “as prioridades da
agência em 2007 para os próximos 12 ou 18 meses em termos de ‘signals
intelligence’ (SIGINT) ou espionagem eletrônica”.
O documento lista seis “alvos duradouros”, seis países que a NSA
acredita que precisam “ser alvos holísticos por causa de sua importância
estratégica”.
A Venezuela é mencionada como um dos “alvos duradouros”, junto com a China, Coreia do Norte, Irã, Iraque e Rússia.
O objetivo da NSA na Venezuela era o de ajudar os “políticos dos
Estados Unidos a evitar que a Venezuela atinja seu objetivo de liderança
regional e que busque políticas que tenham impacto negativo nos
interesses globais dos Estados Unidos”.
De seus escritórios em Miami, a USAID continou a apoiar as atividades
da oposição venezuelana e seus aliados estrangeiros. O escritório do Solidarity Center
[braço sindical do NED, ligado à central sindical norte-americana
AFL-CIO] em Bogotá recebeu uma grande doação de U$ 3 milhões para dois
anos em 2012, para operações não especificadas na região andina,
inclusive na Venezuela. O Solidarity Center mudou suas operações
venezuelanas de Caracas para Bogotá depois do golpe fracassado contra
Chávez em 2002.
As atividades na Venezuela se tornaram impossíveis depois que foi
revelado que o Solidarity Center financiou a Confederação Venezuelana de
Trabalhadores (CTV), anti-Chávez, que jogou um papel instrumental no
golpe fracassado.
De acordo com o sociólogo Kim Scipes, o escritório do Solidarity
Center em Bogotá é gerenciado por Rhett Doumitt, que dirigia a
organização na Venezuela durante o golpe.
Enquanto isso, o NED continua a financiar a “sociedade civil”, dando a organizações locais mais de U$ 1,5 milhão em 2012.
Não é surpreendente que o secretário de Estado John Kerry tenha
criticado o governo da Venezuela por violência relacionada aos protestos
e sugeriu que os Estados Unidos estão considerando impor sanções. Ele
também anunciou recentemente a iniciativa de convencer outros líderes da
região a se juntar aos Estados Unidos e mediar a crise. Claramente, o
objetivo é forçar o governo da Venezuela a negociar com a oposição, que
não consegue vencer em eleições justas e livres.
É provável que qualquer processo de mediação liderado pelos Estados
Unidos vá resultar num pedido para o presidente Maduro renunciar e na
instalação de um governo interino.
É uma estratégia-modelo dos Estados Unidos usada em outros lugares:
dar apoio a movimentos de oposição para desestabilizar um país a ponto
de justificar a mudança de regime. Dentre as campanhas bem sucedidas de
desestabilização de Washington, que derrubaram governos eleitos
democraticamente, estão a que tirou do poder o presidente Jean Bertrand
Aristide no Haiti em 2004 e a remoção de Viktor Yanukovich na Ucrânia
duas semanas atrás.
A figura de oposição que lidera os atuais protestos na Venezuela é
Leopoldo López, educado em Harvard, que também foi instrumental na
organização dos protestos de rua de abril de 2002, que foram parte do
golpe fracassado.
Ele também é o ex-prefeito do município mais rico da Venezuela e
integrante de uma das famílias mais ricas do país. López recebeu
financiamento do NED apesar de um telegrama diplomática de 2009, da
embaixada dos Estados Unidos na Venezuela, também publicado no
Wikileaks, tê-lo definido como “uma figura divisiva da oposição” que é
“geralmente descrito como arrogante, vingativo e sedento de poder”.
López abandonou a campanha presidencial de 2012 quando ficou claro
que ele não teria os votos necessários para derrotar o principal
candidato da coalizão. Ele recentemente se entregou às autoridades para
enfrentar acusações de instigar violência, enquanto Maduro expulsou três
diplomatas dos Estados Unidos que alegadamente se encontraram com
manifestantes nos dois meses que precederam as manifestações.
Como mencionado nos documentos acima, a política dos Estados Unidos
tem sido a de desestabilizar o governo da Venezuela com o objetivo de
trocar o regime.
Washington apoiou um golpe militar, financiou as tentativas
eleitorais da oposição e grupos cujo objetivo é desestabilizar o país.
Os atuais protestos constituem a culminação de mais de uma década de
políticas voltadas para solapar o governo.
Embora muito da estratégia dos Estados Unidos tenha sido implementada
sobre a rubrica de “promoção da democracia”, na verdade o objetivo é a
derrubada inconstitucional de um governo eleito e a instalação no poder
de uma oposição que tem repetidamente fracassado na tentativa de vencer
no voto, em eleições justas e livres.
Garry Leech is an independent journalist and author of
numerous books including Capitalism: A Structural Genocide (Zed Books,
2012); Beyond Bogota: Diary of a Drug War Journalist in Colombia (Beacon
Press, 2009); and Crude Interventions: The United States Oil and the
New World Disorder (Zed Books, 2006). He is also a lecturer in the
Department of Political Science at Cape Breton University in Canada.
PS do Viomundo1: O dirigente da FTI Consulting para a
América Latina é Frank Holder, conhecido da Polícia Federal brasileira
como ex-integrante da empresa de espionagem Kroll.
PS do Viomundo2: Assim que assumiu o poder, depois do golpe contra Chávez, o empresário Pedro Carmona Estanga fechou o Parlamento! Ah, esses democratas!
PS do Viomundo3: No Brasil, o lobby do momento é em
busca de alguma manifestação do governo brasileiro que enfraqueça
Maduro. Está lá, no ponto cinco do documento da embaixada: isolar Chávez
(agora Maduro) internacionalmente. Resta saber se os proponentes são
inocentes úteis ou lobistas pagos, em dinheiro ou favores.
PS do Viomundo4: A CNN em espanhol trabalha 24 horas por dia na guerra da propaganda. Destaca de forma proeminente as manifestações de artistas populares,
como Rubén Blades e Rihanna, em apoio aos manifestantes da Venezuela.
Está lá, no documento das ONGs, contar com a ajuda de “personalidades
globais”. Se tiverem milhões de seguidores no twitter, então, melhor
ainda…
Fonte Vi o Mundo
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