segunda-feira, 21 de abril de 2014

MÁRTIR DA INDEPENDÊNCIA OU HERÓI REVOLUCIONÁRIO?


"E é verdade que se existissem mais brasileiros como eu, o Brasil seria uma nação florente". (Tiradentes)







“Brecht cantou: ‘Feliz é o povo que não tem heróis’. Concordo. Porém nós não somos um povo feliz. Por isso precisamos de heróis. Precisamos de Tiradentes.”
(Augusto Boal, Quixotes e Heróis)


Será que os brasileiros sentem mesmo necessidade de heróis, salvo como temas dos intermináveis e intragáveis sambas-enredo? É discutível.

Os heróis são a personificação das virtudes de um povo que alcançou ou está buscando sua afirmação. Encarnam a vontade nacional.

Já os brasileiros, parafraseando o que Marx disse sobre camponeses, constituem tanto um povo quanto as batatas reunidas num saco constituem um saco de batatas...

O traço mais característico da nossa formação é a subserviência face aos poderosos de plantão. Os episódios de resistência à tirania foram isolados e trágicos, já que nunca obtiveram adesões numericamente expressivas.

Demoramos mais de três séculos para nos livrar do jugo de uma nação minúscula, como um Gulliver imobilizado por um único liliputiano.

E o fizemos da forma mais vexatória, recorrendo ao príncipe estrangeiro para que tirasse as castanhas do fogo em nosso lugar; e à nação economicamente mais poderosa da época, para nos proteger de reações dos antigos colonizadores.

Isto depois de assistirmos impassíveis à execução e esquartejamento de nosso maior libertário.

Da mesma forma, o fim da escravidão só se deu por graça palaciana e quando se tornara economicamente desvantajosa.


Antes, os valorosos guerreiros de Palmares haviam sucumbido à guerra de extermínio movida pelo bandeirante Domingos Jorge Velho, que merecidamente passou à História como um dos maiores assassinos do Brasil.
  
E foi também pela porta dos fundos que nosso país entrou na era republicana e saiu das duas ditaduras do século passado (a de Vargas terminou por pressões estadunidenses e a dos militares, por esgotamento do modelo político-econômico).


Todas as grandes mudanças positivas acabaram se processando via pactos firmados no seio das elites, com a população excluída ou reduzida ao papel de coadjuvante que aplaude.

É verdade que houve fugazes despertares da cidadania:
  •  em 1961, quando a resistência encabeçada por Leonel Brizola conseguiu frustrar o golpe de estado tentado pelas mesmas forças que seriam bem-sucedidas três anos mais tarde;
  • em 1984, com a inesquecível campanha das diretas-já, infelizmente desmobilizada depois da rejeição da Emenda Dante de Oliveira, com o poder de decisão voltando para os gabinetes e colégios eleitorais; e
  • em 1992, quando os  caras-pintadas  foram à luta para forçar o afastamento do presidente Fernando Collor.
Nessas três ocasiões, a vontade das ruas alterou momentaneamente o rumo dos acontecimentos, mas os poderosos realizaram manobras hábeis para retomar o controle da situação. Rupturas abertas, entre nós, só vingaram as negativas.

Vai daí que, em vez de heróis altaneiros, os infantilizados brasileiros são carentes mesmo é de figuras protetoras, dos coronéis nordestinos aos  padins Ciços   da vida, passando por   pais dos pobres   tipo Getúlio Vargas.


Então, Zumbi dos Palmares, Tiradentes, Frei Caneca, Carlos Marighella, Carlos Lamarca e outros dessa estirpe jamais serão unanimidade nacional, como Giuseppe Garibaldi na Itália ou Simon Bolívar para os hermanos sul-americanos.

O 21 de abril é um dos menos festejados de nossos feriados. E o próprio conteúdo revolucionário de Tiradentes é escamoteado pela  História Oficial, que o apresenta mais como um Cristo (começando pelas imagens falseadas de sua execução, já que não estava barbudo e cabeludo ao marchar para o cadafalso) do que como transformador da realidade.


Então, vale mais uma citação do artigo que Boal escreveu quando do lançamento da antológica peça Arena Conta Tiradentes, em 1967:
Tiradentes foi revolucionário no seu momento como o seria em outros momentos, inclusive no nosso. Pretendia, ainda que romanticamente, a derrubada de um regime de opressão e desejava substitui-lo por outro, mais capaz de promover a felicidade do seu povo. 

...No entanto, este comportamento essencial ao herói é esbatido e, em seu lugar, prioritariamente, surge o sofrimento na forca, a aceitação da culpa, a singeleza com que beijava o crucifixo na caminhada pelas ruas com baraço e pregação

 ...O mito está mistificado.
Quando o povo brasileiro estiver suficientemente amadurecido para tomar em mãos seu destino, decerto encontrará no revolucionário Tiradentes uma das maiores inspirações.

Fonte Náufrago da Utopia


Leia mais


"SE EXISTISSEM MAIS BRASILEIROS COMO EU..."
 
 
 
"...à vista das fortíssimas instâncias com que me vejo atacado e já sabendo os juízes tudo quanto sabem, até meus pensamentos mais íntimos, não posso continuar negando, pois, se o fizesse, seria faltando clara e conhecidamente à verdade. Por isso, resolvo dizê-la, ingênua e livremente, como ela é.


É verdade que se premeditava o levante.


É verdade que me encontrei com Maciel no Rio e lhe disse que o Brasil não necessitava de domínio estrangeiro.


É verdade que a todos falava de um motim e sedição contra a Coroa portuguesa.


É verdade que o povo sofre e que induzi muita gente a combater em Vila Rica.


É verdade que o povo ignora que se pode libertar a si mesmo e que induzi muita gente a que armasse o povo para que se libertasse.


É verdade que eu queria para mim a ação de maior risco e é verdade que se existissem mais brasileiros como eu, o Brasil seria uma nação florente.


É verdade que eu desejava meu país livre, independente, republicano.


É verdade que eu confiei demais, e é verdade que abandonei aqueles para quem outros diziam querer a liberdade.


E é verdade que só os abandonados arriscam, que só os abandonados assumem, e que só com eles eu deveria tratar.

 
É verdade que eu tenho culpa e só eu tenho culpa."
 
 
Obs.: confissão de Tiradentes, conforme Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri a sintetizaram na magnífica peça "Arena Conta Tiradentes", juntando fragmentos de suas declarações nos "Autos de Devassa da Inconfidência Mineira" com trechos dos depoimentos de outros inconfidentes sobre ele.
 

Fonte Náufrago da Utopia

 
Visite a pagina do MCCE-MT