A intenção da Lei do Ficha-Limpa foi e é de que qualquer gestor da coisa pública que tenha incorrido em ato de improbidade (desonestidade) administrativa, de forma e conteúdo tão grave que tenha sido condenado à suspensão dos seus direitos políticos, por decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, não possa ocupar cargo eletivo, por um período de 8 anos. Pronto!
Para fins de inelegibilidade, pelo que defende o advogado Paulo Lemos,
não interessa se dinheiro público “foi parar” em lugar incerto e não
sabido – quiçá, por ter se perdido ao vento fraco ou derretido ao sol
forte de Cuiabá/MT, por exemplo.
POR PAULO LEMOS
Segundo alguns juristas, para se enquadrar na Lei da Ficha Limpa, é
preciso que haja nas condenações do candidato: “o dolo; a sanção de
suspensão dos direitos políticos, e condenação por ato de improbidade
administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento
ilícito.”
Sem qualquer demérito à capacidade e à motivação desses estudiosos do
Direito Eleitoral, sirvo-me do direito constitucional de, mais uma vez,
vir à público discordar do entendimento propalado e reiterado por eles
na imprensa; sendo que desta vez, com foco em outro ponto de vista, sem
elidir o que anteriormente defendi.
Contudo, por dever de lealdade ao que está posto e exposto no mundo
jurídico hoje, em especial na jurisprudência do TSE, de 2012 para cá, em
vários julgados, é preciso reconhecer que a tese supramencionada e
refutada aqui encontra-se em harmonia com essa produção jurisprudencial
em série.
Sou, portanto, voto vencido na realidade, todavia, com esperança de
mudança dessa realidade, ante as simplórias e concisas idéias doravante
defendidas.
Enfim, apesar de ser minoria no TSE, é importante destacar que existe
também precedente em sentido contrário à tese descrita no primeiro
parágrafo deste artigo, sendo ele do ex-ministro Arnaldo Versiani.
Nessa mesma linha, notáveis e consagrados doutrinadores – dentre
eles, José Jairo Gomes -, advogam a tese de que não é razoável exigir a
configuração cumulativa de todas as possíveis consequências do ato de
improbidade, ou seja, de lesão ao erário, mais enriquecimento ilícito do
agente público responsável pelo ato de improbidade administrativa.
Para mim, parece lógico – e o direito não pode conduzir ao absurdo,
como disse alhures Rui Barbosa – que os elementos caracterizadores da
causa de inelegibilidade prevista na alínea “l” do artigo 1° da LC
64/90, mediante alteração da LC 135/10, são: ato doloso de improbidade
administrativa; e a sanção de suspensão dos direitos políticos.
Porquanto que, a intenção da Lei do Ficha-Limpa no caso da alínea em
epígrafe, foi e é de que qualquer ex-gestor ou gestor atual da res
pública, que tenha incorrido na prática de ato de improbidade
(desonestidade) administrativa, ante deliberada intensão de promover a
conduta reprovável (dolo), de forma e conteúdo tão grave que tenha sido
condenado à suspensão dos seus direitos políticos, por decisão
transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, não possa ocupar
cargo eletivo, por um período de 8 anos. Pronto!
Basta levar em consideração a justificativa e fundamentos jurídicos e
sócio-históricos da Ficha Limpa, tal como no amplo e notório apoio
popular que recebeu do início ao fim, para livremente concluir pela
correição do raciocínio jurídico contemplado acima.
Quando o referido dispositivo cita as igualmente nefastas
consequências de lesão aos cofres públicos, ou enriquecimento ilícito,
ele apenas repete as duas hipóteses da Lei de Improbidade que, juntas ou
solitariamente, uma vez aferido o dolo, podem demandar a declaração de
suspensão dos direitos políticos do cidadão faltoso com os predicados
necessários para gerir o dinheiro público, entre eles, o da moralidade
administrativa.
Então, em palavras mais simples, o que importa é constatar se houve
ou não malversação dos recursos públicos, por vontade consciente do
autor dos fatos, em prejuízo do interesse público da sociedade.
Obviamente que, independente se o agente público emitiu ou não recibo
e/ou fez ou não a confissão de que os recursos tenham sido incorporados
ao seu patrimônio particular.
Para fins de inelegibilidade, também não interessa se dinheiro
público “foi parar” em lugar incerto e não sabido – quiçá, por ter se
perdido ao vento fraco ou derretido ao sol forte de Cuiabá/MT, por
exemplo.
O que interessa é se esse ato de improbidade, praticado mediante
dolo, foi suficientemente capaz para lesar o erário e consequentemente
prejudicar o bom e correto destino dos recursos públicos para promover
programas e ações, políticas públicas, em benefício da população.
A Ficha Limpa não é, como já pronunciou o STF, lei de natureza penal.
Ela é sim uma lei de natureza cível, que tão somente tem o escopo de
proteger a sociedade, não de condenar o ficha-suja.
Portanto, não interessa se o dinheiro foi ou não parar no bolso do
ficha-suja, ou sabe-se lá onde, mas que o dinheiro público tenha sido
desviado de sua finalidade originária, para quaisquer fins não
justificáveis, passíveis de levar alguém a ser condenado por improbidade
a administrativa, em decisão colegiada ou transitada em julgado.
É uma pena, depois de toda fé e esperança que o povo brasileiro
depositou democraticamente sobre a Lei da Ficha Limpa, testemunhar agora
o espírito dela, que é o espírito do próprio povo, ser aniquilado, por
uma interpretação estreita e reducionista da letra fria e morta da lei,
tendo como pretexto o embate de regras gramaticais de português, como de
encontrar o significado da partícula “e”, se de conjuntiva e/ou
disjuntiva, ao invés de se preocupar em zelar pelo significado histórico
e social da lei como um todo.
Rasgam-se, assim, os livros! Rasgam-se os sonhos da cidadania!
Esse debate descolado da ratio legis, da razão da lei, não faz qualquer sentido para o homem médio-comum da sociedade.
Na verdade, esse tipo de tratamento dado à lei, queiram ou não
assumir, somente aumenta a convicção de que tudo termina em pizza, a
sensação de impunidade e a imagem internacional de que o Brasil é o país
da “folia”.
Agora, ao final, tentando pegar o fio da meada da tese de quem
pretende jogar a Lei da Ficha Limpa ao ostracismo, para não dizer no
lixo, sem me apegar à lorota do entrevero gramatical invocado por
aqueles que sempre foram contra essa vitória da cidadania (Ficha Limpa),
veio-me à mente a possibilidade de estarem utilizando como método
implícito de intepretação jurídica, depois de negar “Hermes” e mantê-lo
fora dessa discussão, o seguinte raciocínio:
“Para os pobres, é dura lex, sed lex. A lei é dura, mas é a lei. Para
os ricos, é dura lex, sed latex. A lei é dura, mas estica.” (Fernando
Sabino)
Paulo Lemos é professor, palestrante, articulista político e advogado especialista em Direito Eleitoral em Mato Grosso.
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