segunda-feira, 25 de agosto de 2014

A Lei da Ficha Limpa, suas críticas e sua constitucionalidade

 

 

A Lei da Ficha Limpa, suas críticas e sua constitucionalidade 

 

 JusBrasil

 

por Alberto Brandao  

 

1. A criação da Lei

 

A discussão sobre a propositura da lei mais atual promulgada a partir de um projeto de iniciativa popular teve início em 10 de dezembro de 2010, quando o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) decidiu dar a largada para a Campanha da Ficha Limpa, em razão à crescente demanda social para aumentar o rigor de candidaturas políticas, bem como do combate à corrupção. Dava início a mais uma mobilização social com a finalidade de combate à corrupção política, a exemplo do que ocorrera em 1998.

A coleta de assinaturas físicas começou em maio de 2008. O projeto dependeria de mais de 1,3 milhões de assinaturas, para que fosse levado ao Congresso Nacional para discussão e posterior aprovação.

Fundado na premissa de ser contra a candidatura de pessoas as quais tiverem condenações criminais emitidas por certos âmbitos do Judiciário, houve uma rápida adesão por parte da sociedade, sendo certo que em setembro de 2009 o número mínimo de assinaturas exigidas pela constituição foi atingido, e o projeto foi entregue ao então presidente da Câmara, deputado Michel Temer, em 29 de setembro do mesmo ano. Mesmo depois de entregue, as assinaturas não paravam de crescer, foram entregues mais de 500 mil assinaturas recolhidas por meio de campanhas virtuais, organizadas pela AVAAZ e pelo próprio MCCE e o PL nº 518 teve, ao seu final, a adesão de 1,6 milhões de pessoas.

Depois de entregue, o projeto passou a tramitar efetivamente na Câmara dos Deputados em março de 2010, quando constituído um grupo de integrantes de todos os partidos para discutir a matéria. O trabalho elaborado por este grupo trouxe importantes mudanças para o projeto, sendo a mais relevante que a inelegibilidade ocorreria só se a condenação partisse de um órgão colegiado, ou seja, no mínimo com três juízes participando da decisão, tirando a ideia inicial de ser uma condenação oriunda de qualquer órgão do Judiciário. A votação do projeto no Plenário da Câmara foi em 4 de maio de 2010 e, segundo o sítio eletrônico do Congresso em Foco:

Dos 513 deputados, 390 participaram da sessão que aprovou o texto-base do projeto Ficha Limpa, aprovado na última noite por 388 votos. O deputado Marcelo Melo (PMDB-GO) foi o único a votar contra. Logo em seguida, ele se justificou alegando que, cansado, se equivocou ao digitar seu voto. O presidente da Câmara não votou por estar impedido regimentalmente. Outros 123 parlamentares faltaram à sessão. Ainda falta a análise dos destaques para que a proposta siga para o Senado.
Votado os quinze destaques que ameaçavam desfigurar o projeto no dia seguinte, sendo todos rejeitados, a discussão fora para o Senado Federal. O projeto foi votado em 19 de maio com apenas uma emenda na redação.

Em 4 de maio de 2010, o projeto Ficha Limpa de origem na iniciativa popular foi sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, convertendo-se na Lei Complementar nº 135/2010, na qual foi publicada no Diário Oficial da União no dia 7 de junho de 2010.

A Lei da Ficha Limpa é a demonstração mais atual no âmbito político, jurídico e social do controle do Estado pelo povo. Limitar a candidatura a fim de evitar a corrupção, principalmente no poder Legislativo, onde os seus representantes são eleitos através do voto popular, torna a Lei uma forma alusiva de proteção da moralidade e da probidade administrativa, bem como afirma a Constituição Cidadã, aumentando o valor do Estado Democrático de Direito, pois a vida pregressa dos candidatos não é irrelevante para a população e para a política nacional, como reza o § 9º do artigo 14 da Carta Magna:

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:
I – plebiscito;
II – referendo;
III – iniciativa popular
§ 9.º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.
A lei complementar da Ficha Limpa foi emendada à Lei das Condições de Inelegibilidade ou Lei Complementar nº 64 de 1990. O projeto foi idealizado pelo juiz de Direito Marlon Reis[1], componente do MCCE, inclusive a minuta da Lei Ficha Limpa leva sua marca, sendo, em suas palavras:

Os dados objetivos que marcam a vida dos pretendentes a mandatários teve sua relevância constitucional reconhecida e reafirmada pela Lei da Ficha Limpa.

A história do Brasil guardará o registro desse importante capítulo onde, mais uma vez, a mobilização da sociedade civil foi decisiva para o aprofundamento da experiência democrática e para a depuração das nossas instituições.[2]

2. O conteúdo da lei

 

A Lei da Ficha Limpa trouxe um novo cenário para o Direito Eleitoral brasileiro, houve uma mudança em seu paradigma assegurando o § 9º do artigo 14 da Constituição Federal de 1988. 

A lei em linhas gerais trata sobre o direito à elegibilidade para cargos políticos, delimitando o “perfil” dos candidatos que venham a possuir um mandato de representação da sociedade, preservando a política de quem se enquadre em uma das hipóteses de inelegibilidade tratada na lei, ou seja, que ponha em risco os valores jurídicos da moralidade e da improbidade administrativa, bem como protegendo a normalidade e a legitimidade dos pleitos.

A inelegibilidade já está prevista constitucionalmente e excluem ao mandato político: os analfabetos e os inalistáveis; os detentores de certos cargos que já o tenham ocupado consecutivamente por duas vezes ou que não o deixaram em tempo hábil para concorrer a outro cargo; o cônjuge e os parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau por adoção, dos ocupantes de determinados cargos eletivos; além das hipóteses da lei complementar de 1990, com as devidas alterações da lei complementar em questão.

É de se frisar que a inelegibilidade distancia-se do conceito de pena, pois não considera a culpa efetiva do agente, mas a simples existência de condições objetivas que instituem uma necessidade de prevenção:

O impedimento de se candidatar não é pena, pois o mandato eletivo não é propriedade privada do representante popular nem existe para fins de beneficiamento individual. Trata-se de um serviço público, um ônus, uma missão para a qual, durante determinado tempo alguns brasileiros se submetem, representando outros tantos nacionais. Aqueles que não possuírem vida pregressa e comportamento compatíveis são desonerados dessa árdua e relevante tarefa de definirmos os rumos da coletividade.[3]
É certo que para se tornar um representante do povo, a pessoa deve respeitar certos requisitos e ir de acordo com a lei, de forma a assegurar que os representados tenham conhecimento que seu futuro voto irá assumir um posto político pautado na boa fé, com uma conduta adequada para o exercício de uma função pública, sendo que assumirá um exercício de mandato eletivo para cumprir uma missão social, tendo o ônus de trabalhar em favor da sociedade.

A Ficha Limpa traz diversas alterações, assegurando uma maior segurança jurídica eleitoral no país e, principalmente, reforça a ideia da soberania popular e uma sociedade que desenvolve a cada dia a democracia participativa no Brasil. 

3. A Lei da Ficha Limpa sendo contestada

 

Desde o início da tramitação do projeto, a Lei da Ficha Limpa já era questionada por alguns juristas, alegando inconstitucionalidade, principalmente pela afronta ao princípio do estado de inocência prevista no artigo , LVII da Constituição Federal do Brasil.

O principal questionamento à lei diz sobre a separação do Direito Eleitoral e do Direito Penal, sendo que antes mesmo de se esgotarem as formas de defesa no âmbito penal, a pessoa perde seus direitos políticos, tornando-se inelegível, mesmo se futuramente declarada inocente. Outra crítica se dá pelo fato da inelegibilidade ocorrer por fatos ocorridos antes da vigência da Lei da Ficha Limpa. Desta feita, a crítica se baseia na profunda relativização das garantias constitucionais da irretroatividade legal, da ampla defesa, contraditório e estado jurídico de inocência.

O Princípio da Presunção de Inocência garante que todo indivíduo terá o tratamento jurídico de inocente até que haja um trânsito em julgado de decisão que o condene, até que uma decisão judicial irrecorrível garanta a condenação, formando coisa julgada em relação à culpa do indivíduo.
Muitos criticam a Lei da Ficha Limpa, alegando desrespeito à constituição e ao próprio titular dos direitos, visto que pode trazer certa insegurança jurídica quanto ao sistema de direitos fundamentais do cidadão, de forma que o tratamento jurídico da presunção de inocência transpõe o plano penal. O Ministro do STF, Celso de Mello, afirma em voto da ADPF 144:

Vê-se, desse modo, […] que a repulsa à presunção de inocência, com todas as consequências (sic.) e limitações jurídicas ao poder estatal que dela emanam, mergulha suas raízes em uma visão incompatível com os padrões ortodoxos do regime democrático, impondo, indevidamente, à esfera jurídica dos cidadãos, restrições não autorizadas pelo sistema constitucional.
Além disso, os opositores da lei afirmam que os Princípios do Contraditório e da Ampla Defesa não estão sendo respeitados na LC 135/2010, devido à inelegibilidade ocorrer sem antes mesmo da plena defesa para provar a inocência da pessoa.

Outra crítica relevante em relação à Lei da Ficha Limpa é a questão da retroatividade, pois fatos e atos que caracterizam a inelegibilidade ocorridos antes da lei entrar em vigor, caso já tenham decisão de órgão colegiado condenando o infrator, seguirão as regras da nova lei, impedindo sua candidatura a cargos eletivos. 

Para ilustrar essa crítica, segue o voto do Ministro Cezar Peluso, no julgamento da constitucionalidade da lei, na qual classificou a Lei da Ficha Limpa como instrumento de “retroatividade maligna que contraria a vocação normativa do Direito”:

"A lei foi feita para reger comportamento futuros. Então, deixa de ser lei e, a meu ver, passa ser um confisco de cidadania. O estado retira do cidadão uma parte da sua esfera jurídica de cidadania, abstraindo a sua vontade. Não interessa o que você pode ou não evitar".[4]
Mesmo com as duras críticas, é fato que a lei segue a constituição, de forma a afirmar o dispositivo básico pela qual foi criada (Art. 14, § 9º, C. F.). A retroatividade da lei assegura uma prevenção maior, dando sentido ao termo “ficha limpa”, pois se em algum momento do passado o candidato teve uma vida pregressa indigna de postular um cargo eletivo, isso deve ser levado em conta em eleições futuras. O Princípio da Presunção de Inocência, Ampla Defesa e Contraditório, da mesma forma, não estão sendo lesados, pois como já mencionado, a inelegibilidade não é pena, de maneira que se o indivíduo já foi condenado por órgão colegiado, há no mínimo dúvidas de sua vida pregressa, o que de imediato dá razão à sua inelegibilidade, pois o objetivo é prevenir a sociedade de candidatos inaptos a um cargo ou função pública. 

4. A constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa

 

A constitucionalidade da Lei veio com o julgamento conjuntos das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs 29 e 30) e da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4578). Por maioria de votos, em sessão plenária do dia 16/2/2012, concluiu o julgamento, dando constitucionalidade à lei, sendo as ADCs julgadas procedentes e a ADI julgada improcedente.

Com a decisão do STF, as controvérsias foram finalizadas, para fins de aplicabilidade da lei. Os candidatos “fichas sujas” terão o registro de suas candidaturas negado pela justiça eleitoral, o que já ocorreu para as eleições do ano de 2012.

Em linhas gerais a LC não afronta o Princípio da Presunção de Inocência, pois trata-se de requisito imposto pela lei para registrar sua candidatura, ou seja, não há nenhuma condenação prévia, não há aplicação de sanção, a decisão colegiada apenas confirma a impossibilidade de um indivíduo de participar de um processo eleitoral, pois já fora condenado, mesmo que não definitivamente.

Em relação à retroatividade da lei, resta claro que não há retroação para prejudicar/penalizar o réu, pois novamente não devemos confundir a inelegibilidade com a pena, não existe sanção civil, nem administrativa e muito menos penal, sendo apenas a perda de concorrer ao mandato eletivo. Outrossim, a retroatividade da Lei não afeta o direito adquirido, o ato jurídico perfeito nem a coisa julgada, pois não há alteração nos atos e fatos anteriores.

Mais do que afirmar o direito constitucional e eleitoral, a Lei Ficha Limpa afirma a democracia, o Estado Democrático de Direito. Assim, Joaquim Barbosa, ministro do Supremo Tribunal Federal, esclarece em seu voto no julgamento da constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa:

Somando-se a outros projetos já existentes sobre o assunto, não se pode negar que um projeto de lei de iniciativa popular que trata especificamente de um tema diretamente ligado à escolha dos nossos representantes, revela muito mais do que uma simples mobilização social. Revela, sobretudo, um despertar de consciência a respeito do real significado da democracia e de um dos seus elementos constitutivos essenciais que é a representação política. Sem dúvida, há na sociedade brasileira um clamor pela superação do nosso passado clientelista e patrimonialista e pela transição para um futuro de virtude e de coparticipação. O que se busca é o abandono da complacência e da conivência com a falta de moral, de honestidade, que aqui e ali ganham foros de aceitação até mesmo pela via de expressões jocosas que não raro caem no gosto popular, como é o caso da execrável “ROUBA MAS FAZ”.

O objetivo é avançar rumo a uma exigência efetiva de ética e transparência no manejo da “coisa pública”, da res pública. Volto, pois, a enfatizar, não foi a iniciativa dos senhores parlamentares, mas sim a mobilização de um número expressivo de nossos concidadãos que fez com que a Lei Complementar 135/2010 viesse finalmente a dar efetividade ao comando constitucional, homenageando um dos valores fundamentais da República que é a moralidade e a honestidade no exercício das funções públicas.”[5]

Isto posto, com a aplicabilidade da Lei, o controle social se mostra eficaz, tendo em vista sua criação através de uma iniciativa popular. A sociedade ao ser criadora da legislação demonstra aos órgãos do Estado a necessidade de criar em prol do bem comum, mostra que o controle é dela e seus representantes devem cumprir o dever que lhes foram entregues pautados no relevante interesse do povo.



[1] MÁRLON JACINTO REIS é Juiz de Direito; Presidente da ABRAMPPE – Associação Brasileira dos Magistrados, Procuradores e Promotores Eleitorais; membro do Comitê Nacional do MCCE; vencedor do I Prêmio Innovare “O Judiciário do século XXI”. Possui Diploma de Estudos Avançados, outorgado pela Universidade de Zaragoza (Espanha), e é Doutorando pela mesma instituição. É autor do livro Uso Eleitoral da Máquina Administrativa, editado pela Fundação Getúlio Vargas.

[2] REIS, Márlon Jacinto. Ficha Limpa: Lei complementar nº 135, de 4.6.2010: interpretada por juristas e membros de organizações responsáveis pela iniciativa popular / Edson de Resende Castro, Marcelo Roseno de Oliveira, Márlon Jacinto Reis (coordenadores). Bauru, SP: EDIPRO, 2010. Pág. 27 e 28.

[3] Marcus Vinícius Furtado Coelho. Ficha Limpa: Lei complementar nº 135, de 4.6.2010: interpretada por juristas e membros de organizações responsáveis pela iniciativa popular / Edson de Resende Castro, Marcelo Roseno de Oliveira, Márlon Jacinto Reis (coordenadores). Bauru, SP: EDIPRO, 2010. Pág. 56.


[5] Voto do Ministro Joaquim Barbosa na ADC/29. Fonte: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADC29.pdf. Acesso em 30/03/2014, às 10:00.

Fonte Jus Brasil


REAGE MATO GROSSO!!! CHEGA DE ELEGER CORRUPTOS!!! 




https://www.facebook.com/antoniocavalcantefilho.cavalcante

Visite a pagina do MCCE-MT
www.mcce-mt.org