quarta-feira, 29 de outubro de 2014

COMPOSIÇÃO DO CONGRESSO É ENTRAVE PARA REFORMA POLÍTICA, DIZEM ESPECIALISTAS


"O maior resultado dessa eleição é um aumento da convicção da necessidade da reforma política, especialmente em virtude dos desvios observados. A reforma política só acontecerá pelo protagonismo da sociedade. O Congresso não tem interesse, apesar de ter alguns parlamentares comprometidos com essa causa. Deve haver uma nova 'Diretas Já'. É preciso que haja um 'novo junho' para que essa reforma seja aprovada". ( Marlon Reis)

Dilma ressaltou que o tema será uma prioridade; a presidente voltou a insistir na necessidade de um plebiscito para "legitimar" a discussão


A reeleição da presidenta Dilma Rousseff reabriu a discussão sobre uma reforma política urgente no país – uma das promessas de campanha da candidata do PT. Na primeira fala depois de obter a maioria dos voto válidos no pleito, Dilma ressaltou que o tema será uma prioridade e que vai procurar o Congresso Nacional e os movimentos sociais para conversar. A presidente voltou a insistir na necessidade de um plebiscito para "legitimar" a discussão.

A lista de temas a serem debatidos é grande e inclui o financiamento de campanha, o sistema eleitoral, a forma de coligação nas eleições proporcionais, além de meios de melhorar representatividade de grupos como mulheres, negros e indígenas.

Especialistas ouvidos pela Agência Brasil concordam que a medida é necessária, mas que será difícil colocá-la em prática. “Quando a gente vai jogar o jogo de fato, as dificuldades naturalmente aparecem, [inclusive] determinadas visões de reforma política que não coincidem. Em geral, uma gama de propostas acaba sendo agregada ao texto, que se torna complexo, pesado e de difícil avanço”, avalia o cientista político Cristiano Noronha, da consultoria Arko Advice.

Após as manifestações de junho de 2013, a proposta da presidente Dilma sobre a realização de plebiscito para ouvir a população a respeito do tema não foi bem recebida no Congresso Nacional. Por isso, segundo Noronha, a escolha de um interlocutor do governo, capaz de fazer essa articulação, será importantíssima. “O avanço de uma reforma política vai exigir de Dilma Rousseff uma capacidade de articulação e diálogo que foi muito criticada por não ter existido no primeiro mandato”, lembrou.

Segundo o juiz eleitoral e diretor do Movimento de Combate a Corrupção Eleitoral, Márlon Reis, o compromisso da presidenta deu um grande ânimo para a luta de quem deseja a reforma política. “O maior resultado dessa eleição é um aumento da convicção da necessidade da reforma política, especialmente em virtude dos desvios observados”. Para ele, a corrupção está ligada ao atual modelo de financiamento de campanha adotado no Brasil.

O magistrado acredita na aprovação da reforma por meio de uma grande pressão popular. “A reforma política só acontecerá pelo protagonismo da sociedade. O Congresso não tem interesse, apesar de ter alguns parlamentares comprometidos com essa causa. Deve haver uma nova 'Diretas Já'. É preciso que haja um 'novo junho' para que essa reforma seja aprovada.”

Márlon Reis que também faz parte da Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas – movimento que reúne 104 organizações nacionais – diz que além de recolher 1,5 milhão de assinaturas para apresentar um projeto de iniciativa popular sobre reforma política, o momento é o de mobilizar pessoas, nas casas, nas igrejas, nos locais de trabalho, nas ruas, para garantir uma grande mobilização em torno da reforma.

No caso de um plebiscito, como pretende Dilma Rousseff, o Palácio do Planalto não pode apresentar uma proposta para convocá-lo. A iniciativa, nesse caso, é obrigatoriamente da Câmara e precisa do apoio de, pelo menos, 172 deputados.

Para que a reforma política não seja só uma promessa, o analista político e diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antonio Queiroz, defende que o plebiscito ocorra já no próximo ano de governo. Caso demore, a aprovação do tema ainda durante o próximo mandato da presidente Dilma pode ser inviabilizada.

“Na verdade a presidenta deu uma satisfação aos eleitores que querem uma reforma política, que estão insatisfeitos com o sistema de representação, mas ela tem convicção que com esse Congresso ela não aprova. Teria que ter uma consulta popular respaldando [a medida]. Por isso, o plebiscito é interessante”, analisou.

Ainda assim, Antonio Queiroz considera que como a composição da Câmara que tomará posse em 2015 tem representantes de vários partidos pequenos, eleitos pelo atual sistema, haverá muita resistência.

Outro especialista que considera difícil a aprovação do tema é o coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Michel Zaidan Filho. “Este Congresso [eleito] fragmentou muito a representação com 28 partidos, diminuiu a bancada governista.”

Ontem, um dia depois do discurso da presidente Dilma, o presidente do Congresso Nacional, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), divulgou nota à imprensa sobre o assunto. Apesar de ter reiterado apoio à reforma política, Calheiros diz que o melhor caminho é primeiro aprovar a mudança no Congresso Nacional e só depois submeter a decisão a um referendo popular.

Fonte Época Negócios

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Ressentidos da Câmara trombam com apelo popular 

Colunista do 247 Tereza Cruvinel escreve sobre os "ressentidos do PMDB e da oposição" que derrubaram ontem na Câmara o decreto da presidente Dilma que ampliava a participação da sociedade civil nos conselhos de gestão das principais políticas públicas, algo que foi "na contramão das ruas"; principal articulador foi o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, que atribui sua derrota na eleição do Rio Grande do Norte ao apoio dado por Lula a seu adversário; "Ainda falta a palavra do Senado, onde a situação do governo é melhor, embora Renan Calheiros também esteja falando grosso por lá", comenta; lição que fica para Dilma, segundo ela: governo deve limitar ao máximo demandas legislativas com o Congresso velho 

Brasil 247

247 – Integrantes do PMDB e da oposição ressentidos com as eleições de 2014 derrubaram ontem decreto da presidente Dilma Rousseff que ampliava a participação popular em conselhos de gestão das principais políticas públicas. Em nova coluna em seu blog no 247, Tereza Cruvinel aponta como principal articulador para a derrota do governo federal o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN).

Tereza recorda que Alves, derrotado na disputa ao governo do Rio Grande do Norte, atribui à campanha mal sucedida o apoio do ex-presidente Lula a seu adversário no estado, o governador eleito Robinson Maia (PSD). "Já havíamos antecipado, neste blog, que ele teria um grande poder de retaliação neste final de governo", escreve a jornalista, sobre Alves.

O ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência da República, atribuiu a derrubada do decreto a uma "vontade conservadora de impor uma derrota política à presidente" Dilma Rousseff. "Nada mais anacrônico, nada mais contra os ventos da História, nada mais como uma tentativa triste que se colocou contra uma vontade irreversível do povo brasileiro que é a participação social", comentou ele (leia aqui).

"Ainda falta a palavra do Senado, onde a situação do governo é melhor, embora Renan Calheiros também esteja falando grosso por lá", aponta ainda a colunista, sobre o presidente da Casa legislativa. Fica como lição para Dilma, segundo ela: "com o Congresso velho, o governo deve limitar ao máximo suas demandas legislativas este ano, limitando-se à aprovação do Orçamento de 2015". Já o Congresso, "se mantiver sua postura anacrônica e atrasada, em algum momento acertará contas com a sociedade".


Leia na íntegra o texto de Tereza Cruvinel:


Derrubada do Decreto de Dilma sobre participação social foi comandada por Henrique Alves



Por  Tereza Cruvinel

Na contramão das ruas, onde os movimentos sociais tiveram importante protagonismo na reeleição da presidente Dilma Rousseff, ressentidos do PMDB e da oposição derrubaram o decreto da presidente Dilma que ampliava a participação da sociedade civil nos conselhos de gestão das principais políticas públicas, como saúde, educação e assistência social. O principal articulador da retaliação ao Planalto foi o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, que perdeu a eleição para governador no Rio Grande do Norte. Já havíamos antecipado, neste blog, que ele teria um grande poder de retaliação neste final de governo. Alves atribui ao apoio de Lula a vitória de seu adversário Robinson Maia (PSD).

O decreto fixando a Politica Nacional de Participação Social foi desde sua edição rechaçado pela oposição e pelos conservadores do Congresso como “bolchevique” e “bolivariano”. No entanto, em suas campanhas, tanto Marina Silva como Aécio Neves defenderam em seus programas maior participação popular nos conselhos, de olho no apoio e voto dos movimentos sociais.

A decisão da Câmara de derrubar o decreto de Dilma através de um Decreto Legislativo não foi por votação nominal mas aprovação simbólica da maioria dos líderes, manobra que impediu o PT e os líderes governistas de mobilizar os aliados. Mas ainda que fosse no voto individual, o governo talvez perdesse numa Casa em que 40% não tiveram os mandatos renovados. Ainda falta a palavra do Senado, onde a situação do governo é melhor, embora Renan Calheiros também esteja falando grosso por lá. Fica do episódio uma lição para Dilma: com a Congresso velho, o Governo deve limitar ao máximo suas demandas legislativas este ano, limitando-se à aprovação do Orçamento de 2015. E deve mobilizar a base com que ainda conta para contrapor-se à criação de agendas negativas pelos ressentidos, especialmente por Henrique Alves.

O novo Congresso, que toma posse em fevereiro, deverá buscar mais sintonia com a vontade popular para reduzir o grande descrédito do Legislativo.   Os movimentos sociais mais relevantes, como MTST e o MST e os sindicatos apoiaram a reeleição da presidente Dilma mas cobraram uma participação mais efetiva em conselhos que já existem, como o Conselho Nacional de Saúde e o Conselho Nacional de Educação. O texto não cria conselhos novos mas fixa normas para a participação da sociedade civil, determinando que sejam efetivamente considerados pelos ministérios na formulação e execução de politicas públicas.

A Dilma caberá manter a sintonia com as forças sociais que lhe deram o segundo mandato, buscando consolidar uma nova coalizão mais leal. Ela tem indicado uma inflexão á esquerda. Fez elogios ao PSOL, por exemplo. Tem força, neste momento, para requalificar sua base. Já o Congresso, se mantiver sua postura anacrônica e atrasada, em algum momento acertará contas com a sociedade. As manifestações de junho foram um aviso.

Tereza Cruvinel atua no jornalismo político desde 1980, com passagem por diferentes veículos. Entre 1986 e 2007, assinou a coluna “Panorama Político”, no Jornal O Globo, e foi comentarista da Globonews. Implantou a Empresa Brasil de Comunicação - EBC - e seu principal canal público, a TV Brasil, presidindo-a no período de 2007 a 2011. Encerrou o mandato e retornou ao colunismo político no Correio Braziliense (2012-2014). Atualmente, é comentarista da RedeTV e agora colunista associada ao Brasil 247.