segunda-feira, 27 de outubro de 2014

O povo escolheu quem não vai jogar a conta da crise nas costas dele


No modelo representado por Dilma, há um esforço concentrado para poupar ao máximo os trabalhadores dos efeitos de uma crise. A voz rouca das ruas fez a escolha por quem a protegerá mais – e quem poderia culpá-la por agir assim? 

 Discurso de Dilma após vitória

Diário do Centro do Mundo

Paulo Nogueira

Foi uma vitória épica de Dilma, não pelos números, definitivamente apertados, mas pelas circunstâncias em que ela ocorreu.

Dilma teve tudo contra ela.

Primeiro, uma mídia sempre disposta a miná-la, ou com certa sutileza, como fez a Globo, ou com total despudor, como foi o caso da Veja.

O ponto máximo dessa guerra da imprensa contra Dilma se deu a dois dias das eleições, quando a Veja antecipou uma capa com acusações gravíssimas contra ela e Lula sem prova nenhuma.
Mais uma vez – não por coincidência – explodiram denúncias estrepitosas de corrupção às vésperas das eleições.

Tem sido sempre assim.  Os escândalos ganham as manchetes na hora em que os brasileiros pegam seu título de eleitor na gaveta.

A grande inovação, neste campo, veio de Dilma.

Ela encontrou um argumento que a fez sair da defesa para o ataque: mostrou, com clareza, quanto era oco o discurso moralista do PSDB.

A única diferença a favor dos tucanos, demonstrou Dilma, é que a corrupção do PSDB ao longos dos tempos não é noticiada e nem punida.

Da compra de votos para a reeleição de FHC ao dinheiro público posto por Aécio na construção de um aeroporto para uso privado, é extensa a lista de casos de delinquência tucana varrida para debaixo do tapete.

Dilma expôs a corrupção sob um novo ângulo, o do cinismo farisaico, e isto contribuiu poderosamente para sua vitória.

Daqui por diante, é presumível que os conservadores brasileiros procurem um novo caminho para atacar a esquerda, uma vez que o moralismo foi desmascarado espetacularmente depois de vitimar, no passado, Getúlio e Jango.

Dilma teve que enfrentar também durante sua campanha uma dramática crise econômica mundial, da qual país nenhum – nem a China  – conseguiu escapar.

Seus adversários – de Aécio aos colunistas econômicos — tentaram ardilosamente atribuir a ela os problemas econômicos decorrentes da crise mundial, como se o Brasil fosse um patinho feio em meio a cisnes belos e felizes.

No debate econômico, particularmente, Dilma teve a seu favor a internet — o jornalismo digital. Milhões de brasileiros encontraram em sites jornalísticos independentes contrapontos ao discurso único das grandes empresas jornalísticas.

Dilma não terá tanto tempo assim para comemorar. 2015 vai ser um ano duro. A economia mundial continuará em crise, e o Brasil vai ter que lidar com isso.

Diante dessa perspectiva, os eleitores, ou por cálculo ou por instinto, fizeram a escolha melhor para eles.

No modelo representado por Aécio, a conta de uma crise é posta nas costas dos chamados 99% — o povo.

O nome bonito que se dá à pancada no povo é “ajuste”. Você corta custos de programas sociais, aumenta os juros para diminuir o consumo e frear a inflação – e ao fim de tudo isso brota  uma recessão que ceifa empregos e massacra os salários.

Num momento de rara franqueza pouco antes da campanha, Aécio prometeu a empresários “medidas impopulares”.

No modelo representado por Dilma, há um esforço concentrado para poupar ao máximo os trabalhadores dos efeitos de uma crise.

A voz rouca das ruas fez a escolha por quem a protegerá mais – e quem poderia culpá-la por agir assim?

Fonte Diário do Centro do Mundo 


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Para entender a vitória de Dilma Rousseff 


 Por Leonardo Boff

O desafio para Dilma não é só consolidar o que já deu certo e corrigir defeitos mas inaugurar um novo ciclo no poder que signifique um salto de qualidade. 

Nestas eleições presidenciais, os brasileiros e brasileiras se confrontaram com uma cena bíblica, testemunhada no salmo número um: tinha que escolher entre dois caminhos: um que representa  o acerto e a felicidade possível e outro, o desacerto e infelicidade evitável.

Criaram-se todas as condições para uma tempestade perfeita com distorções e difamações, difundidas na grande imprensa e nas redes sociais, especialmente uma revista  que ofendeu gravemente a ética jornalística, social e pesssoal publicando falsidades para prejudicar a candidata Dilma Rousseff.  Atrás dela se albergam as elites mais atrasadas que se empenham antes em defender  seus privilégios que universalizar os direitos pessoais e sociais.

Face a estas adversidades, a Presidenta Dilma ao ter passado pelas torturas nos porões dos órgãos de repressão da ditadura militar, fortaleceu sua identidade, cresceu em determinação e acumulou energias para enfrentar qualquer embate. Mostrou-se como é: uma mulher corajosa e valente. Ela transmite confiança, virtude fundamental para um político. Mostra inteireza e não tolera malfeitos. Isso gera no eleitor ou eleitora o sentimento de “sentir firmeza”.

Sua vitória se deve em grande parte à  militância que saiu às ruas e organizou grandes manifestações. O povo mostrou que amadureceu na sua consciência política e soube, biblicamente, escolher o caminho que lhe parecia mais acertado votando em Dilma. Ela saiu vitoriosa com mais de 51% dos votos.

Ele já conhecia os dois caminhos. Um, ensaiado por oito anos,  fez crescer economicamente o Brasil mas transferiu a maior parte dos benefícios aos já beneficiados à custa do  arrocho salarial, do desemprego e da pobreza das grandes maiorias. Fazia políticas ricas para os ricos e pobres para os pobres.  O Brasil fez-se um sócio menor e subalterno ao grande projeto global, hegemonizado pelos países opulentos e militaristas. Esse não era o projeto de um país soberano, ciente de suas riquezas humanas, culturais, ecológicas e digno de um povo que se orgulha de sua mestiçagem e que se enriquece com todas as diferenças.

O povo percorreu também o outro caminho, o do acerto e da felicidade posssível. Neste ele teve centralidade. Um de seus filhos, sobrevivente da grande tribulação, Luiz Inácio Lula da Silva, conseguiu com políticas públicas, voltadas aos humilhados e ofendidos de nossa história, que uma Argentina inteira fosse incluída na sociedade moderna. Dilma Rousseff levou avante, aprofundou e expandiu estas políticas com medidas democratizantes como o Pronatec, o Pro-Uni, as cotas nas universidades para os estudantes vindos da escola pública e não dos colégios particulares; as cotas para aqueles cujos avós vieram dos porões da escravidão assim como todos os programas sociais do Bolsa Família, o Luz para Todos, a Minha Casa, minha Vida, o Mais Médicos entre outros.

A questão de fundo de nosso país está sendo equacionada: garantir a todos mas principalmente aos pobres o acesso aos bens da vida, superar a espantosa desigualdade e criar mediante a educação  oportunidades  aos pequenos para que possam crescer, se desenvolver e se humanizar como cidadãos ativos.

Esse projeto despertou o senso de soberania do Brasil, projetou-o no cenário mundial como uma posição independente, cobrando uma nova ordem mundial, na qual a  humanidade se descobrisse como humanidade, habitando a mesma Casa Comum.

O desafio para a Presidenta Dilma  não é só consolidar o que já deu certo e corrigir defeitos mas inaugurar um novo ciclo de exercício do poder que signifique um salto de qualidade em todas as esferas da vida social. Pouco se conseguirá se não houver uma reforma política que elimine de vez as bases da corrupção e que permita um avanço da democracia representativa com a incorporação da democracia participativa, com conselhos, audiências públicas, com a consulta aos movimentos sociais e outras instituições da sociedade civil. É urgente uma reforma tributária para que tenha mais equidade e ajude a suplantar a abissal desigualdade social.  Fundamentalmente a educação e a saúde estarão no centro das preocupações desse novo ciclo. Um povo ignorante e doente não pode dar nunca um salto rumo a um patamar mais alto de vida.   A questão do saneamente básico, da mobilidade urbana (85% de população vive nas cidades) com transporte minimamente digno, a segurança e o combate à criminalidade são imperativos impostos pela sociedade e que a Presidenta se obrigará a atender.



Ela nos debates apresentou um leque signficativo de transformações a que se propôs. Pela seriedade e sentido de eficácia que sempre mostrou, podemos confiar que acontecerão.

Há questões que mal foram acenadas nos debates: a importância da reforma agrária moderna que fixa o camponês no campo com todas as vantagens que a ciência propiciou. Importa ainda demarcar e homologar as terras indígenas, muitas ameaçadas pelo avanço do agro-negócio.

 Por último e talvez o maior dos desafios nos vem do campo da ecologia. Severas ameaças pairam sobre o futuro da vida e de nossa civilização, seja pela máquina de morte já criada que pode eliminar por várias vezes toda a vida e as consequências desastrosas do aquecimento global. Se chegar o  aquecimento abrupto, como inteiras sociedades científicas alertam, a vida que conhecemos talvez não possa subsistir e grande parte da humanidade será letalmente afetada. O Brasil por sua riqueza ecológica é fundamental para o equiíbrio do planeta crucificado. Um novo governo Dilma não poderá obviar esta questão que é de vida ou morte para a nossa espécie humana.

Que o Espírito de sabedoria e de cuidado oriente as decisões difíceis que a Presidenta Dilma Rousseff deverá tomar.

 (*) Publicado originalmente no JB Online


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