quarta-feira, 5 de novembro de 2014

No Senado, Requião defende participação popular prevista na Constituição e diz que mídia está “na vanguarda do atraso”


O senador Roberto Requião defendeu nesta terça-feira, 4, no plenário, o decreto da presidente Dilma Rousseff que cria a Política Nacional de Participação Social, que prevê a formação de conselhos populares consultivos. O decreto foi derrubado na Câmara dos Deputados, semana passada, e deve ser votado no Senado.




Íntegra do texto do discurso do senador Roberto Requião (PMDB-PR) em sessão do Senado de 4 de novembro

Ano passado, quando a Constituição de 1988  fez 25 anos, sessões especiais nos legislativos de todo o país, conferências, seminários, debates, programas de rádio e televisão, encartes em jornais e revistas,   paradas e desfiles cívicos, documentários, filmes,  missas solenes, Te Deum  e até bailes homenagearam a ilustríssima aniversariante pelo jubileu de prata.

Uma festa de discursos e adjetivos altissonantes, rimbombantes.

Essas comemorações vieram-me fortemente à memória na terça-feira, dia 28, quando a Câmara dos Deputados sustou o decreto presidencial que previa  a criação dos conselhos populares.

Houve quem visse no episódio o troco, a vingança do presidente da Câmara pela derrota nas eleições estaduais no Rio Grande do Norte. Pode ser que, como diz o povo, que a fome e a vontade de comer tenham se irmanado na decisão de derrubar o decreto. Pode ser.

A verdade é que  o decreto já estava condenado. E a Câmara não fez mais que confirmar uma verdade: é permitido que se façam todos os elogios à Constituição Cidadã, desde que seu conteúdo verdadeiramente cidadão, democrático e popular não seja regulamentado.

É bom que a gente se lembre, e se lembre sempre: a tão versejada  Constituição de 88 que, na minha opinião,  não chega a ser a maravilha das maravilhas, mas representou um avanço, é resultado de determinada conjuntura, de um balanço de forças circunstancial.

Fazia pouco que o país emergira da ditadura e era natural que a pressão por avanços democráticos, pelo alargamento da participação popular, fosse absorvida pela Constituição.  Além do que, some-se a mobilização das organizações populares e sindicais à época. E a composição do Congresso Constituinte, bem menos conservadora que Câmara e Senado de hoje.

Se a composição da Constituinte de 1988 fosse a do Congresso atual, temos todas as razões para duvidar que, por exemplo, o Sistema Único de Saúde fosse aprovado .  E os títulos VII, Da Ordem Econômica e Financeira; e o Capítulo VIII, Da Ordem Social, certamente teriam conteúdos e redações absolutamente diferentes.

Ora, assim sendo, toda a regulamentação da Constituição que faça cócegas, por mais leves que sejam,  nos conservadores parlamentares, nos conservadores mediáticos, nos conservadores religiosos reproduzirá a forte resistência que vimos no dia 28 de novembro.

É ocioso, é perda de tempo argumentar que alguns conselhos a que se refere o decreto que institui a Política Nacional de Participação Social e o Sistema Nacional de Participação Social já vigoram, já existem. Por exemplo, o Conselho de Comunicação Social.

É bem verdade que este Conselho levou um bom tempo para ser instalado. Regulamentado em de dezembro de 1991, só foi instalado onze anos depois, em 2002. Funcionou por quatro anos e ficou inativo até julho de 2012,  quando foi reinstalado. Aliás, ao que parece, a ressurreição apenas se deu porque sua composição  favorece claramente a representação empresarial, a imprensa-empresa.

De todo modo, o Conselho de Comunicação Social é prova de que os conselhos, mesmo que de forma tímida e, às vezes, desvirtuada, já fazem parte da vida brasileira. Na esteira da criação do Conselho de Comunicação Social  foram criados os Conselhos estaduais do Amazonas, Pará, Alagoas, Bahia, Paraíba, Goiás, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Distrito Federal.

Para quem não sabe, o Conselho de Comunicação Social reúne-se  nas dependências desta Casa  toda primeira segunda-feira do mês, é presidido pelo cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Orani Tempesta e tem como vice ex-secretário de Comunicação do Senado, o nosso amigo Fernando César Mesquita.

E pelo que sabemos, a existência deste Conselho não abalou, não subverteu, não “venezualizou”, não “boliviarianizou” nossa pátria amada.

Na verdade, a criação dos conselhos de participação popular antecede, em décadas, a Constituição de 88. O primeiro dos conselhos a ser criado, o Conselho de Educação, foi instalado em 1936, portanto, há 78 anos. E nem o Estado Novo de 1937 e o golpe militar de 1964 suprimiram o Conselho de Educação.

Registre-se que até mesmo os militares criaram conselhos aos moldes do decreto da presidente Dilma, por exemplo, o Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador, o FAT, instalado em 1966.

Evidentemente, a participação nesses conselhos, durante o Estado Novo e a ditadura de 64, era selecionada e vigiada.

Pergunto aos senhores deputados que derrubaram o decreto 8.243 e aos senadores que prometem fazê-lo o mesmo nesta Casa se também vão cancelar o Conselho de Educação e o Conselho do FAT.

Mais ainda, pergunto o que vão fazer fulminar os 5.553 Conselhos de Saúde existentes no país.

As senhoras e os senhores senadores sabiam que apenas 17 dos 5.570 municípios brasileiros não têm Conselhos de Saúde? E que existem 3.784 Conselhos de Meio Ambiente?

E que há mais de cinco mil Conselhos de Educação?

Ora, revogue-se de vez  a tão incensada Constituição Cidadã; cancele-se o princípio da Democracia Participativa; dê-se nova redação ao artigo 14 da Constituição que diz: “A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos e, nos termos da lei, mediante plebiscito, referendo, iniciativa popular”.

Chega de hipocrisia, chega de cinismo, chega de impostura.

O que incomoda e provoca urticária na velha e na nova direita brasileira, o que deixa a grande mídia empresarial com comichões autoritários são as pequenas, as modestíssimas brechas da Constituição de 88 à participação popular.

A possibilidade de conjugação da democracia representativa com mecanismos de participação popular, tornando viável a democracia direta, é isso que está por trás da reação furiosa dos conservadores ao decreto presidencial. É contra isso, é contra essa conjugação que se insurgem a velha e a nova direita.

Houve tempo em que Norberto Bobbio era o autor preferido dos que se opunham a uma leitura marxista ou gramsciana da política.  Os nossos liberais adotaram-no como profeta. Pois bem, é a Bobbio que recorro para recuperar um dos pilares de seu pensamento: quanto maior a soberania popular, mais verdadeira, mais efetiva a democracia, diz ele.

Citei Bobbio, mas não é preciso ir muito longe deste plenário para recolher outros ensinamentos sobre a soberania popular.

Cito, então, Pedro Simon.

Tempos atrás, enquanto discursava, Simon foi interrompido para que a mesa anunciasse a presença nas galerias de estudantes universitários goianos. Simon fez um  parênteses em sua fala e dirigiu-se aos estudantes: “Meus jovens, eu os saúdo mas os advirto: não esperem nada daqui, não esperem nada desta Casa. Se vocês quiserem mudar alguma coisa, vão às ruas. São as ruas que mudarão este país”.

Cito José Sarney.

Em uma fala sobre a democracia e seus tantos percalços, Sarney alertou para os limites cada vez mais estreitos da democracia representativa e mesmo o esgotamento dessa forma de representação.

Sarney aconselhou que abríssemos os olhos para que não fôssemos levados de cambulhada pela história.

Cito Walter Pinheiro.

Semana passada,  o senador baiano lembrou uma frase de Ulysses Guimarães, advertindo os que lamentavam a piora da qualidade do legislativo. Dizia Ulysses: “Se você acha esta legislatura ruim, espera a próxima, e  a próxima, e a próxima…..”

Bobbio, Simon, Sarney, Ulysses.  A variação sobre um mesmo tema: a degradação da democracia representativa e a necessidade da democracia se reinventar, alargar-se, abrir-se.

Em sã consciência, nós podemos dizer que representamos os brasileiros que foram aos milhões às ruas nas jornadas de junho de 2013? Concretamente, de que forma as manifestações repercutiram nesta

Casa? Quê consequências práticas? Que projetos de lei, que iniciativas do Senado e da Câmara atenderam as ditas vozes das ruas?

A tal  “pauta positiva” que aqui votamos, perdoem-me as senhores e os senhores, não passou de uma corrida atrás do prejuízo.  Modesta corrida, diga-se.

Querem um exemplo?

Qual foi o deflagrador das manifestações de 2013? O preço e a qualidade do transporte coletivo.
E o que fizemos para melhorar esse serviço público reconhecidamente ruim, caro e que ofende, diariamente, a cada minuto, a dignidade de vida de dezenas de milhões de brasileiros?

Nada fizemos e continuamos a nada fazer.

Senhoras e senhores senadores.

Na reação aos conselhos vejo a mesma resistência que encontrei ao propor a regulamentação do Direito de Resposta.  A mesma resistência à equiparação dos trabalhadores domésticos aos demais trabalhadores. A mesma resistência à tipificação e punição do trabalho escravo.

Uma coisa é o conservadorismo em relação às instituições políticas, aos pressupostos econômicos, aos usos e costumes, ao comportamento. Outra coisa é a guerra contra os direitos dos trabalhadores, a negação aos brasileiros da garantia  constitucional de participar, opinar, decidir, de existir como cidadãos titulares de direitos.

Com o diz a professora de direito constitucional Denise Auad:  “O Estado brasileiro adotou, em seu texto constitucional, a democracia representativa conjugada a mecanismos de participação popular; ou seja: nossa democracia dever ser exercida, conjuntamente, por representantes livremente eleitos pelo povo e, na medida do possível, diretamente pelos cidadãos”.

Foi para dar consequência prática a esse pressuposto que a Constituição de 1988, entre outros meios da democracia direta, previu os conselhos.  No entanto, em nenhum momento, a Constituição impõe a formação dos conselhos e nem dá a eles caráter deliberativo. Logo, não é honesto o que parcelas de oponentes dos conselhos populares estão fazendo ao atribuir aos conselhos populares prerrogativas que são próprias do Legislativo.

Ora, onde a usurpação de poderes?  Onde o golpe contra a democracia? Onde a mudança de regime por decreto com o alucinou o “Estadão”?

A verdade é que a nossa elite tem um horror pânico da participação popular.

E a cada passo fica mais incomodada com a evidenciação do nosso povo que, nos últimos anos, tornou-se visível nos aeroportos, nos shoppings, nos restaurantes, nos cinemas, nas universidades.

Se a visibilidade do povo brasileiro já é desconfortável para essa gente, imagine o povo opinando, sugerindo, exigindo.

E nossa gloriosíssima e nunca suficientemente gabada e celebrada mídia, mais uma vez, está na  liderança do atraso, gritando pomposos e adiposos editoriais contra o “bolivarismo”, o “chavismo”.

Trata-se de um movimento preventivo. Depois de um engajamento ensandecido na campanha eleitoral, buscando de todas as formas influir no resultado da votação, as sete famílias que monopolizam a comunicação brasileira parecem temer que volte ao debate a regulação da mídia.

Os monopolistas da mídia não querem conselhos populares cobrando o fim da propriedade cruzada dos meios de comunicação, como é regra em países dominados pelo “bolivarismo” como os Estados Unidos e a Inglaterra. …..Não querem o direito de resposta. Não querem o contraditório. Não querem a democratização das informações.

Os monopolistas dos meios de comunicação, a imprensa-empresa têm medo, terror pânico, que a democratização das instituições, que a democracia participativa, que a radicalização da democracia  ilumine o canto escuro da manipulação de opinião.

Quem tem medo do povo?

Ah, sim! Uma breve e reveladora estatística: dos 1.057 deputados estaduais eleitos em outubro último, apenas 153 nunca exerceram mandato eletivo.

Não me parece que seja muito complicado interpretar esse número.

Fonte Vi o Mundo


Saiba mais


“A derrubada do decreto 8243 foi um tiro no pé”, diz ao DCM a cientista política Thamy Pogrebinschi


 Thamy Pogrebinschi


Diário do Centro do Mundo


O decreto 8243 está provocando discussões entre os brasileiros desde maio deste ano, enfrentando forte oposição da mídia. Em outubro, não passou no Congresso. Para esclarecer mais pontos sobre o projeto, o DCM falou novamente com a cientista política e professora Thamy Pogrebinschi, que já nos concedeu entrevista anteriormente.

Thamy explicou que mecanismos participativos existem em países como os Estados Unidos e são uma tendência mundial, ao contrário do que dizem as pessoas que o tacham de “bolivariano”. A especialista também contou um pouco sobre sua pesquisa no WZB Social Science Center, em Berlim.

O que você acha que acontecerá com o decreto 8243 no Senado?

Acho que, apesar da presente mobilização social, o decreto será, com grande probabilidade, também sustado pelo Senado. O PT, o PCdoB e o PSOL estão isolados na defesa do PNPS. O governo não conta com o apoio do PMDB, que já manifestou oposição ao decreto. Acho que agora cabe depositar esperança no projeto apresentado pelo PSOL (PL 8048), que busca recriar a PNPS por lei.

Por que os opositores chamam o decreto de “bolivariano” ou “soviético”? 

Gostaria de achar que é por mera falta de conhecimento histórico ou incapacidade de análise conjuntural, mas, infelizmente, acho ainda que se trata de má-fé da imprensa misturada com certa histeria da direita. A participação popular no processo político decisório não foi algo “inventado” pela União Soviética ou pela Venezuela.

Na origem da democracia, na Grécia antiga, as decisões eram tomadas diretamente pelo povo reunido na ágora (uma forma de assembleia popular). Hoje, as chamadas “inovações democráticas”, que incluem o que chamamos no Brasil de mecanismos e instâncias participativas, são implementadas em praticamente todos os países do mundo e, em especial, nas democracias avançadas. As formas e desenhos institucionais existentes são muito diversos.

Na Dinamarca, por exemplo, são organizadas há muitos anos “conferências de consenso”,  que são de certo modo semelhantes às “conferências nacionais” realizadas no Brasil e regulamentadas pelo decreto 8243. Na Suíça realizam-se consultas populares há mais de dois séculos com uma frequência enorme para decidir desde pequenas questões urbanas locais até questões tributárias ou fiscais em nível federal.

Há outros exemplos?

Sim. Há também casos na Finlândia e em inúmeros outros países onde o parlamento permite que a legislação seja formulada por meio de crowdsourcing na internet. As chamadas “iniciativas cidadãs” existem em quase todos os países da Europa.

Na Alemanha, por exemplo, o governo de Stuttgart queria construir uma nova estação de trens e a decisão foi tomada por voto popular. O prefeito de Berlim queria fazer um empreendimento imobiliário numa área de lazer onde antigamente funcionava um aeroporto e sua proposta não apenas foi decidida diretamente pela população, como também uma “iniciativa popular” levou a votação um projeto alternativo, que proíbe futuros empreendimentos na área.

O decreto 8243 era um passo para que o Brasil caminhasse na direção que a maioria das grandes democracias mundiais está tomando. Sua sustação é um imenso retrocesso.

Como funcionam as assembleias nos EUA?

Em seu clássico livro “Democracia na América”, Alexis de Tocqueville já descreve nos Estados Unidos que visitou entre 1831 e 1832 uma pluralidade de conselhos compostos por cidadãos que decidiam sobre diversos temas, desde melhorias urbanas até o sistema de educação. Os chamados townhall meetings existem nos Estados Unidos desde o século XVII e possuem muitas semelhanças com os conselhos locais de políticas que existem no Brasil.

Na região da Nova Inglaterra, até hoje essas instâncias populares tomam decisões muito mais abrangentes e vinculantes do que os conselhos de políticas podem tomar no Brasil. Para além do nível local, uma forte tendência hoje em democracias bastante robustas é constituir “assembleias populares” ou “assembleias de cidadãos”, cujos participantes muitas vezes são selecionados inclusive de forma randômica para tomar decisões até mesmo sobre matéria constitucional, como foi feito recentemente na Irlanda e na Islândia.

No Canadá, uma assembleia de 160 cidadãos foi organizada pelo governo de British Columbia em 2004 para deliberar sobre a alteração do sistema eleitoral. Se o governo brasileiro propusesse esse formato para debater a reforma politica seria duramente repudiado. Porém, isso é o que vem fazendo algumas das mais avançadas democracias do mundo.

Por que barraram o decreto 8243, em sua opinião?

A sustação do decreto 8243 pela Câmara dos Deputados deu-se por razões políticas, misturando desinformação e má-fé. Desinformação, porque o decreto que institui a Política Nacional de Participação Social não é aquilo que o acusam. Má-fé, pois a imprensa sabe disso e uma simples leitura do decreto é suficiente para desmistificar o que se diz a respeito dele.

O decreto não cria praticamente nada de novo, ele regulamenta algo que já está em funcionamento desde a redemocratização do país, inclusive durante governos anteriores ao PT. De certo modo, o decreto busca colocar ordem na casa, articulando as diversas instâncias e mecanismos participativos existentes e conferindo-lhes algumas diretrizes organizatórias básicas, parte delas buscando assegurar publicidade, transparência, além de diversidade da participação da sociedade civil.

Um dos opositores públicos ao decreto é o jurista Ives Gandra, que afirma que o 8243 é inconstitucional. Por que você acha que ele diz isso?

Eu tendo a achar que o decreto não é inconstitucional, mas possivelmente a sua sustação pela Câmara dos Deputados talvez o seja. Apenas decretos que regulamentem leis e exorbitem seu caráter regulamentar podem ser sustados pelo Poder Legislativo. O decreto 8243 não exorbita as competências regulamentares do Executivo, ele organiza a administração e não cria gastos. Do ponto de vista substantivo, ele concretiza os princípios democráticos da Constituição de 1988. Já no parágrafo único de seu primeiro artigo a Constituição diz que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”.

A eleição de representantes não é, portanto, a forma exclusiva de exercício da soberania popular prevista pelos constituintes. Diversos outros artigos da Constituição de 1988 dão os termos nos quais a chamada soberania popular pode ser exercida, além de referendo, plebiscito e iniciativa popular, no artigo 14.

A própria Constituição conferiu a autonomia municipal que implicou a criação de conselhos de políticas locais. É o caso, por exemplo, dos conselhos de saúde que, mesmo antes de o PT chegar ao Executivo em 2003, já existiam em mais de três mil municípios.

O que exatamente você está pesquisando em Berlim e por que você se preocupa com o decreto 8243?

Eu vim para a Alemanha fazer um pós-doutorado. Acabei fazendo dois, fui professora visitante na Universidade de Frankfurt e depois me estabeleci no WZB Social Science Center como pesquisadora, apesar de manter ainda minhas atividades no Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP-UERJ). Eu pesquiso justamente a efetividade de mecanismos e instâncias participativas e seu impacto nas instituições representativas.

A principal conclusão de minhas pesquisas é que mecanismos participativos, ao contrário do que se teme, tem o potencial de fortalecer a democracia representativa, além de tornar o Poder Legislativo mais responsivo. O meu principal objeto de estudo é o Brasil e especificamente as Conferências Nacionais de Políticas Públicas, uma das instâncias participativas regulamentadas pelo decreto 8243 e que existe desde 1941, tendo desde então contado com muitas dezenas de edições, inclusive durante o governo FHC, quando elas se expandiram consideravelmente.

Nos últimos anos realizei diversas pesquisas que demonstraram que o as Conferências Nacionais e o Congresso Nacional possuem uma agenda convergente. As propostas discutidas no Congresso que convergem com as recomendações das Conferências Nacionais tendem a ser apresentadas com mais frequência pelos próprios parlamentares do que pelo Executivo.

Tais propostas afinadas com as deliberações da sociedade civil são apresentadas por uma pluralidade de partidos e não apenas o PT. Isso mostra que o Executivo não instrumentaliza os mecanismos participativos para avançar as suas políticas. Ao contrário, instâncias participativas como as Conferências Nacionais podem conferir uma legitimidade maior ao Congresso Nacional. Daí que a sustação do Decreto 8243 pelos parlamentares é um tiro no próprio pé. Os resultados dessas pesquisas podem ser lidos em diversas línguas na internet.

Fonta Diário do Centro do Mundo



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