sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

MÍDIA & CARNAVAL: Corrupção sem máscara


Será que os governos estaduais e municipais ainda devem continuar a ajudar a financiar as folias de momo pelo país afora? E o caso do Rio de Janeiro? Não merece atenção especial a ligação do estado com a contravenção e o mundo do crime organizado na grande festa carioca? Devemos continuar a financiar gente de conduta comprovadamente ilícita durante o carnaval, só porque é carnaval e vale tudo?
 





Por Sergio da Motta e Albuquerque

O diário El País em português (6/2) comentou que o economista e ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró vai processar quem fizer máscaras dele com intenção de vendê-las no Carnaval deste ano. Seus advogados já assustaram a artesã Olga Valles, da firma Condal, que manufatura entre 200 e 250 mil máscaras ao ano em São Gonçalo, município limítrofe a Niterói (RJ). Elas poderiam ser feitas e distribuídas de graça, mas a empresa é pequena demais para tal demanda, informou o filho da dona Olga, Albert.

Diante da pressão popular pelas máscaras do burocrata nas mídias sociais e na imprensa, um de seus advogados, Edson Ribeiro, informou que “há dano moral” a seu cliente e que ele vai atrás de quem disseminar o disfarce carnavalesco. A revista Época (23/1) já havia feito uma capa com a figura do ex-executivo da Petrobras que os leitores podiam recortar e usar nas folias de momo. Não está mais disponível nas bancas, mas ainda pode ser baixada da página da revista, neste link.

Iniciativas semelhantes surgiram no Facebook, informou o jornal espanhol. Fui verificar e cheguei a uma simples conclusão: os advogados de Cerveró estão mesmo firmes na briga contra as máscaras de seu cliente (ou El País anda meio impreciso): dos cinco eventos citados pelo periódico, só encontrei um grupo de nove pessoas do Facebook (8/2) com uma anteface do ex-diretor da Petrobrás publicada para distribuição na rede social.

Agastada, mas sem acusações

Sem Cerveró, blindado pela lei, o rosto de Graça Foster foi escolhido como modelo do anteface da corrupção para o Carnaval de 2015. O que não deixa de ser uma injustiça: ela nem teve tempo de executar o trabalho para qual foi convidada. Não houve chance para ela fazer nada, diante da situação grave na empresa, amplificada e manipulada pela mídia que demoniza acusações sem explicá-las em seu contexto exato. Ela não deve ser confundida pelas acusações feitas durante a operação lava a jato. Foster não tem relação direta com nada e nunca foi acusada de coisa nenhuma. O portal de notícias da Globo (G1, 5/2), teve a decência de fazer a distinção necessária:

“Embora a maior parte dos problemas tenha sido agravada por decisões feitas antes da chegada de Graça Foster à presidência da estatal, a executiva – ainda que não tenha sido implicada diretamente nas investigações da Lava Jato – acabou perdendo as condições políticas para se manter no cargo.”

Motivos políticos, não acusações ou associações com a notória investigação da polícia federal, deram cabo de Foster na Petrobrás. Ela foi alçada à presidência da empresa em 13 de fevereiro de 2012. A BBC Brasil (4/2) explicou que Foster não conseguiu explicar o mau negócio com a compra da refinaria em Pasadena (Califórnia), em 2006 (comprada por Nestor Cerveró), e outros ativos supervalorizados que produziram o rombo de R$ 88 bilhões. Isso a deixou mal na empresa e na mídia. E possibilitou a associação de sua imagem pela imprensa com as acusações feitas durante a operação Lava Jato.

Foster renunciou depois da publicação do balanço da empresa, envolvida em escândalos de corrupção e propinas desde antes dos governos FHC. Maria das Graças Silva Foster não poderia continuar na companhia apenas como a porta-voz fantoche dos acusadores da operação Lava Jato. A imprensa atribuiu este papel a ela, que acabou antipatizada diante da população, depois de uma avalanche de acusações lançada sobre vários executivos da empresa. Saiu agastada, mas sem acusações apontadas a ela.

Ao contrário de Cerveró, que, de acordo com a dona Olga de São Gonçalo, “não tem senso de humor”, Graça Foster é uma apaixonada pelo Carnaval carioca. Este, por outro lado, tem seu lado sujo bem conhecido além de nossas fronteiras. Em 2007, o Diário de Notícias, de Portugal, publicou (14/6) matéria sobre a ameaça velada de morte que o bicheiro e então presidente da “máfia dos bingos” Anízio Abrahão David fez aos juízes do desfile das escolas de samba para que votassem em sua escola, a Beija-Flor de Nilópolis. A escola da Baixada Fluminense foi a campeã naquele ano.

O carnaval tem mercado próprio

Ano passado, a revista IstoÉ (28/2) publicou matéria mostrando que a cúpula da contravenção ainda está presente e comandando o carnaval carioca. A festa dá lucro ao Rio, e “em time que está ganhando não se mexe”, diz o respeitado dito popular. Quantos contraventores lucram com o financiamento aos desfiles das escolas de samba no Rio? Quanto eles embolsam? Há lavagem de dinheiro sujo feita com o financiamento público dos desfiles? Perguntas assim não permanecem muito tempo diante dos olhos dos leitores. A mídia acusa, mas também mascara.

Em Brasília, o governo local não vai financiar o carnaval, informou o G1 em outro artigo (6/1). O governo do Distrito Federal zerou o caixa e não tem previsão de pagamento aos seus funcionários. Herdeiro de uma dívida de 3,1 milhões de reais, com projeções deficitárias que giram em torno de 3,6 milhões para este ano, não vai haver dinheiro para o governo distribuir entre blocos e escolas de samba, que terão que se virar com patrocínio privado e “verba própria”, relatou o portal. Acaso não seria este o modelo ideal de financiamento para a grande festa de momo? O grande mercado soberano, associado ao capital dos participantes, somados aos ingressos vendidos na festa não deveriam ser suficientes para pagar por ela?

Será que os governos estaduais e municipais ainda devem continuar a ajudar a financiar as folias de momo pelo país afora? E o caso do Rio de Janeiro? Não merece atenção especial a ligação do estado com a contravenção e o mundo do crime organizado na grande festa carioca? Devemos continuar a financiar gente de conduta comprovadamente ilícita durante o carnaval, só porque é carnaval e vale tudo?

As respostas a essas questões não são fáceis. Nosso país é muito diverso e carnaval no Brasil varia de acordo com usos e costumes regionais. Os casos devem ser examinados de acordo com seu contexto local. Mas, a princípio, se é uma festa do povo, não deveria ser tutelada ou financiada pelo Estado. Pelo menos enquanto houver suspeita de associação com o crime, como no caso do Rio. O carnaval tem mercado próprio, e pode sobreviver do patrocínio das grandes empresas nacionais e internacionais. Pelo menos nos grandes centros urbanos.

A enquete do portal UOL de notícias (8/2) revelou que 85,24% das pessoas que responderam à pesquisa até então eram contra o financiamento público ao carnaval. Apenas 13,04 % acreditam que o investimento traz retorno satisfatório aos municípios e estados beneficiados com dinheiro do carnaval.

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Sergio da Motta e Albuquerque é mestre em Planejamento urbano, consultor e tradutor



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