segunda-feira, 18 de maio de 2015

Juíza cita ameaças e diz não temer, defende mudança nas leis a fim de "igualar" punição e vê Judiciário forte


“Se a gente unir a força do Judiciário, com os aparelhamentos necessários, com estas legislações que já prometem ajudar, as mudanças previstas no novo Código Penal, especialmente de mais rigor com relação aos crimes contra a administração pública, como a Lei da Ficha Limpa também, eu acho que são essenciais”. 
 

 
Eu me indigno como juíza e como cidadã, diz Selma sobre profissão




A juíza titular da 7ª Vara Criminal de Cuiabá, Selma Rosane Santos Arruda, que tem ganhado destaque pelas decisões em apuração de crimes de todas as áreas, inclusive os de colarinho branco, revela ao Rdnews como é seu dia-a-dia no ambiente de trabalho, as dificuldades e desafios enfrentados e como está o Judiciário no Estado. Gaúcha, Selma reside há 30 anos em Mato Grosso. Entrou na magistratura em setembro de 1996. A primeira Comarca onde trabalhou foi em Alta Floresta.

Tida como magistrada “durona” e austera, a juíza diz que, pelo menos, 1,5 mil processos tramitam na 7ª Vara, entre pedidos de interceptação, busca e apreensão e outros tipos de incidentes processuais. Um dos processos que transita nesta instância e de repercussão nacional é o do ex-presidente da Assembleia José Riva (PSD), que teve prisão preventiva decretada por Selma, em 21 de fevereiro.

Devido à complexidade dos processos que julga e das extensas e frequentes audiências que ocorrem na Vara, a juíza explica que, para dar conta do recado, é preciso se exercitar, logo pela manhã, a fim de obter “fôlego” durante o dia. “Até para prevenir doenças, é que a gente precisa exercitar um pouco de manhã. Faço uma academia e depois venho pra cá”.

Segundo a magistrada, a 7ª Vara é muito visada, pois todo dia alguma coisa é de interesse de noticiário. Por isso, afirma que tem um cuidado muito especial, exatamente porque o tipo de assunto que aborda é delicado. “Nós temos o lado de combate à corrupção, que é de combate a crimes contra a administração pública e lavagem de dinheiro. Mas tem também os crimes praticados por organizações criminosas".

Neste sentido, Selma explica que a maioria dos processos envolvem o PCC, o Comando Vermelho, aqueles bandos que assaltam bancos, fazem aquele crime de Novo Cangaço, de assalto a caixa eletrônico. "Então a Vara tem estas duas vertentes. Na verdade, a gente passa num eterno dilema para saber qual dos dois assuntos é o mais importante”.

Diante da demanda, Selma expõe que os desafios são basicamente os da Justiça Criminal em geral. No entanto, ressalta que nesta Vara há o diferencial de não tratar com a criminalidade de massa, que é lidar com aquele bandido comum. A magistrada diz que a maioria dos processos que tramita nesta Instância são acerca de crimes de colarinho branco, por isso, o tratamento é diferenciado, bem como os advogados e os crimes. Em contrapartida, lamenta que só não há um código de processo penal diferenciado para eles. “Quer dizer, o mesmo vale para todos”.

Exemplifica a situação dizendo que um sujeito ao oferecer R$ 30 para um policial na rua a fim de não ser multado, configura crime de corrupção, e que é o mesmo crime contra a administração pública que envolve, às vezes, R$ 60 milhões, e ela tem que dar tratamento igual.

Nesta linha, admite que não tem como se dar tratamento igual, uma vez que as pessoas não são iguais. Conta que para conseguir analisar critérios a fim de que o indivíduo não responda ao processo preso, tem que levar em consideração, por exemplo, que ele tem emprego e residência fixos, que tem família constituída. "Mas se eu pegar um “figurão” desses e for ver o mesmo requisito, qual deles que não praticou crime exatamente em decorrência do emprego ou função que ocupa? Então são tratamentos completamente diferentes que você dá, às vezes, para o mesmo crime, mas com ângulos diferentes de visão”.


Selma revela que já sofreu várias ameaças por conta da carreira no Judiciário

A juíza afirma que este é o principal desafio que enfrenta. Ela diz que não tem nenhum problema com relação a tratamento com organizações criminosas, ou questões de medo de ameaça. “Estas coisas não me incomodam. O que me incomoda é a falta de possibilidade de dar tratamento diferente para pessoas diferentes, de maneira para conseguir torná-las iguais. Eu só consigo igualar as pessoas se eu tratá-las diferente”.

Questionada se já sofreu preconceito por ser mulher e trabalhar numa Vara visada e complexa, Selma diz que não dá abertura para este tipo de situação. Diz ser fechada e austera. “Se tentaram ter algum tipo de preconceito nem notei”. A juíza brinca ao dizer que, pelo contrário, ao invés de preconceito ela se sente lisonjeada, pois chegou na 7ª Vara a convite do ex-presidente do Tribunal de Justiça Orlando Perri, que depositou nela a confiança necessária para conduzir o setor. “Ao contrário de ser preconceito, foi um fator muito positivo. Porque vários colegas do sexo masculino pleitearam o posto, gostariam de estar aqui”.

Loira, de olhos azuis, e mulher que detém de certo “poder”, Selma pontua que nunca recebeu propostas indecorosas. Segundo ela, o que mais enfrenta na 7ª Vara é a falta de conformidade das pessoas com a realidade que sofrem. “Às vezes a pessoa não se conforma de ser um “figurão” e estar sendo processado. Então ela quer exigir que o processo tenha um tratamento diferenciado, ou alguns querem que o processo ande mais rápido que o normal. Outros já querem que o processo estenda para poder chegar na prescrição e se safar de eventual condenação. Então tem algumas exigências fora do padrão. Agora proposta indecorosa, se eu tivesse recebido alguma você saberia, porque teria prendido a pessoa em flagrante”.

Com relação às ameaças, explana que já recebeu várias durante a carreira, mas nenhuma delas que a fizesse sair da área criminal. Selma explica que sempre foi juíza desta área e acha que é vocacionada para isso. Conforme a juíza, somente em uma ocasião tomou algumas medidas de proteção, porque eram ameaças que a preocuparam por envolver marido e filhos, que à época eram pequenos. “Fora disso, qualquer coisa que acontece neste sentido, simplesmente desconsidero”.

Mudanças

Selma Arruda afirma que tem notado, no âmbito nacional, uma mudança de postura no Judiciário. Explica que vivemos um momento histórico importante, como os desdobramentos de operações da Polícia Federal, como Lava Jato e Mensalão. De acordo com ela, foram vários julgamentos passados ao vivo, o que começou a despertar o país para isso. “Evidentemente que os juízes também são cidadãos e assistem televisão e se convencem. Desembargadores também são, ministros e assim por diante. Então parece que é uma cultura que está se formando, e não é exclusividade do Judiciário, é um conjunto de todos os Poderes”.

Conforme a juíza, tudo isso mostra que estamos rumo a um caminho diferente na política e que tende a ser sem volta. “Esta mudança é a única chance que temos de evolução. Se não aproveitarmos este momento para limpar os Poderes e o serviço público, nós não temos muita volta, porque se a gente somasse o dinheiro que tem perdido e desviado nestes processos dava pra fazer outro Mato Grosso. Dá dó de ver. A gente não pode ter a irresponsabilidade de não levar isso muito a sério. É um momento muito importante mesmo”.

Neste sentido, afirma que a tendência é melhorar. “Se a gente unir a força do Judiciário, com os aparelhamentos necessários, com estas legislações que já prometem ajudar, as mudanças previstas no novo Código Penal, especialmente de mais rigor com relação aos crimes contra a administração pública, como a Lei da Ficha Limpa também, eu acho que são essenciais”. 

Por fim, a magistrada pondera que diante de tantos processos e situações vividas na Vara em que atua, é difícil não se indignar com certas circunstâncias. “É óbvio que, como profissional, eu só vou me indignar com aquilo que tiver prova que aconteceu. Então se eu constato, se vejo prova e elementos suficientes da ocorrência de determinado crime, eu me indigno como juíza e como cidadã. Agora eu só vejo que tenho que me resguardar e é algo que a gente tem que exercitar”, conclui.