domingo, 19 de julho de 2015

Reforma política: era só um jogo de cena


E para coroar, na última semana dois réus confessos na Operação Lava-Jato, Alberto Youssef e Julio Camargo, que foram beneficiados com o benefício da colaboração premiada (artigo 3º, inciso I, Lei 12.850/2013) acusaram o presidente da Câmara dos Deputados de exigir propina de $ 5.000.000 (cinco milhões de dólares). E para “bolo da cereja”, estaria ele, por interposta pessoa, ameaçando familiares e testemunhas dos crimes investigados. 

  

REFORMA POLÍTICA: ERA SÓ UM JOGO DE CENA


Por Antonio Cavalcante Filho e Vilson Nery

Ao que se parece, a grande causa detectada pela sociedade brasileira para as atuais crises (de representação, política, econômica etc.), e que levam à fragilidade do sistema eleitoral, fluidez dos partidos políticos, má qualidade dos eleitos à representação parlamentar, e a corrupção na gestão executiva, não serão atacados pelas reformas de leis propostas por nossos políticos.

Essa é a constatação do senso comum, quando vemos o resultado do que foi votado e “aprovado” até o recesso parlamentar de meio de ano, e as “pedaladas” dos deputados e senadores.

Uma verdade: nada ou quase nada do que foi “aprovado” entrará em vigor na próxima eleição. O que os deputados e senadores votaram talvez nunca seja efetivado na prática da vida social.

Era tudo encenação! Há vícios de toda espécie.

Primeira pista: falaram em extinguir o voto facultativo, que o eleitor não seria mais obrigado a votar e tal. Mas essa medida é flagrantemente inconstitucional, porque viola uma cláusula pétrea. O artigo 60, parágrafo 4º da Constituição Federal prevê que não poderá ser votada emenda que vier a abolir “o voto direto, secreto, universal e periódico” (inciso II).

Há mais.

A norma do artigo 16 da Carta Magna informa que “a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”. Tudo bem, isso não afeta as propostas parcialmente votadas, porque o prazo começaria a correr em outubro de 2015 (daqui há 90 dias), um ano antes do pleito, certo?

Errado!

O primeiro ato das eleições são as desincompatibilizações de cargos públicos, e delas pode decorrer a inelegibilidade. Logo, o atual exercente de cargo no executivo não sabe ainda se deverá ou não desincompatibilizar-se do cargo que exerce em abril do ano de 2016, ou seja, daqui há 10 (dez) meses!

Estamos em julho de 2015, e daqui há menos de um ano, em 30 de junho de 2016, encerrar-se-á o prazo para a realização das convenções partidárias, ato necessário para a escolha dos candidatos e candidatas.

Portanto, como não concluiu a votação em junho de 2015, pouco ou nada terá validade na próxima eleição, foi tudo um misancene para enganar a plateia.

Na melhor das hipóteses foram 06 (seis) meses de gastos desnecessários, Segundo a ONG Transparência Brasil, o Senado Federal tem orçamento anual de 2,7 bilhões e cada senador custa ao erário cerca de 33,4 milhões ao ano. Os deputados federais são menos “gastões”. O estudo informa que cada um deles custa 6,6 milhões anuais aos cofres públicos.

Assim considerando, seis meses de “encenação” custaram a bagatela de 3,05 bilhões de reais, metade do orçamento de 6,1 bilhões reservado ao Congresso Nacional.

E qual a razão do jogo de cena?

O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, responde uma série de inquéritos no Supremo Tribunal, e entre eles, um chama a atenção, o Inquérito nº 2984: ele é acusado de fazer uso de assinaturas falsificadas de promotores e procuradores de justiça em um processo que respondia no Tribunal de Contas do Rio de Janeiro.

O processo foi reaberto na Corte de Contas, se tratava da aquisição de uma creche, e a questão penal foi remetida ao Supremo, em razão do foro privilegiado. O processo pode ser acessado pelo site do TCE (www.tce.rj.gov.br), processo: 106.777- 0/2000 - Eduardo Cosentino da Cunha.

Já como deputado federal, em 2011, Eduardo Cunha teria “convencido” uma colega sua, a suplente de deputada federal Solange Almeida, hoje prefeita de Rio Bonito/RJ, a expedir convocações a partir da Comissão de Fiscalização da Câmara Federal, a uma empresa fornecedora da Petrobrás.

De uma busca e apreensão feita pela Polícia Federal no gabinete de Cunha, concluiu-se que a inquirição às fornecedoras da Petrobrás foi iniciativa dele, e a colega Solange Almeida negou na Polícia Federal que tivesse envolvimento no caso.

E para coroar, na última semana dois réus confessos na Operação Lava-Jato, Alberto Youssef e Julio Camargo, que foram beneficiados com o benefício da colaboração premiada (artigo 3º, inciso I, Lei 12.850/2013) acusaram o presidente da Câmara dos Deputados de exigir propina de $ 5.000.000 (cinco milhões de dólares). E para “bolo da cereja”, estaria ele, por interposta pessoa, ameaçando familiares e testemunhas dos crimes investigados.

Portanto, tendo a certeza de que impunidade não está mais garantida no Brasil atual, o presidente da Câmara, segundo homem na ordem de sucessão da Presidência da República (art. 80 da Constituição Federal) armou uma pauta controversa no Parlamento. Pôs em votação assuntos polêmicos, sem consenso entre os deputados, repetiu votações de cujo resultado discordava. Agora se sabe, tudo era encenação, com vistas a demonstrar uma força que não tinha, para amedrontar a espada da Justiça e iludir o motorista do camburão da polícia, que já estão bem próximos.

Resta crer que o Supremo Tribunal Federal reconheça o dano que esta situação submete o Brasil nos planos interno e externo, e a existência de ameaça a testemunhas e tentativa de influenciar no processo ainda em curso. Na dicção da lei, que vale para todos, desde agora está autorizada a prisão de Eduardo Cunha, visto que “a prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria” (art. 312 do Código de Processo Penal).

Antonio Cavalcante Filho e Vilson Nery são militantes do MCCE (Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral) em Mato Grosso.


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