O que somos é fruto do que pudemos ser e o que seremos é algo que não se pode prever, mas que nunca se deve parar de sonhar...
Não querem que o povo seja independente, escreveu Vargas em sua carta-testamento.
E isso não mudou, ainda, depois de tantos anos.
Ainda vale nossas vidas.
Tijolaço
Cortejo fúnebre de Getulio na praia do Flamengo, 25.ago.1954
Por Fernando Brito
Há 61 anos, numa manhã como esta em que escrevo, o país estava
boquiaberto com a notícia de que Getúlio Vargas tinha dado um tiro no
próprio peito e acabara de morrer, em seu quarto no palácio do Catete.
Mais tempo, portanto, do que eu e a quase totalidade dos que me leem
tenhamos visto o impacto, a dor e as consequências daquele gesto.
Será?
O impacto, sim, porque não é o mesmo ver as velhas fotos da multidão
em desespero, entre o choro e a revolta, espraiando sua fúria como uma
onda nas grandes cidades.
Quanto à dor, ainda pude vê-la – já seca, então – nos olhos dos
homens mais velhos, sobretudo lá, no bairro operário de Realengo,no IAPI
onde viviam meus avós.
Mas as consequências, mesmo sem saber por muito tempo- ah, a arrogância própria da juventude! – as vivi todas.
Mas, há uns trinta anos, numa conversa de amigos, um deles, Sérgio,
um médico, disse algo que me deixou em silêncio pensativo: “somos netos
da escola pública”.
Sérgio, ele próprio filho de um trabalhador têxtil, tinha razão, mas não toda.
Éramos, ali, filhos e netos de um país onde o povo passou a existir,
como sujeito e não mais como mero objeto, de sua trajetória.
Getúlio tinha gestado este sentimento de Nação e o pariu, finalmente, tendo um tiro como vagido inaugural.
Sim, talvez falte aqui a coisa que eu mais admiro nos
norte-americanos (e que, ao que parece, também começa a escassear por
lá): o orgulho por nossa caminhada comum, por nossos antepassados, pelos
que nos trouxeram ao que somos hoje.
O atraso e as carências de nosso país, decerto, são responsáveis por
isso, por tantos que acharam ou acham que tudo o que se fez aqui é
fracasso e não parte e pedaço de nossa tentativa de sermos uma flor
tardia da civilização.
Por isso, quem sabe, tenham a tentação desta bobagem que é “refundar”
uma esquerda livre dos “erros e pecados”, como num inconsciente
arremedo do discurso “moralizador” da direita.
Não se percebe que o único que ela pode fazer, porque tudo o mais
nela é imoral ee abjeto : o atraso, a fome, a degradação das massas
humanas, os luxos e privilégios que, mesmo sendo de pouquíssimos, são a
razão de viver para tantos.
O que somos é fruto do que pudemos ser e o que seremos é algo que não se pode prever, mas que nunca se deve parar de sonhar.
Nem há dois séculos somos um país, nem há um só somos uma Nação, e é
por isso que há tanta e tão barulhenta e arrogante gente que veja ainda
como colônia, por incapazes, e a si mesma como capatazes.
Não querem que o povo seja independente, escreveu Vargas em sua carta-testamento.
E isso não mudou, ainda, depois de tantos anos.
Ainda vale nossas vidas.
"Foi a morte trágica do homem Getúlio Vargas que deu à morte do político seu enorme poder de mobilização do sentimento popular. A junção das duas mortes garantiu a Getúlio Vargas a entrada na história após a saída da vida. A imensa multidão de cariocas e outros brasileiros que acompanharam seu féretro do Palácio do Catete até o Aeroporto Santos Dumont foi o testemunho de sua vitória e a garantia de seu lugar no coração do povo e na história do Brasil."
"Foi a morte trágica do homem Getúlio Vargas que deu à morte do político seu enorme poder de mobilização do sentimento popular. A junção das duas mortes garantiu a Getúlio Vargas a entrada na história após a saída da vida. A imensa multidão de cariocas e outros brasileiros que acompanharam seu féretro do Palácio do Catete até o Aeroporto Santos Dumont foi o testemunho de sua vitória e a garantia de seu lugar no coração do povo e na história do Brasil."
Fonte Tijolaço
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