Vozes contrárias a um processo de impeachment que afaste Dilma
Rousseff da presidência do país se reuniram nesta sexta-feira, 16 de
outubro, em um palco paulistano de grande simbolismo político, o Centro
Universitário Maria Antônia. Convocado em caráter de urgência, apenas
três dias antes de acontecer, por Paulo Sergio Pinheiro, Marilena Chaui e
Fábio Konder Comparato, entre outros intelectuais de esquerda e
personalidades do meio acadêmico, o evento reuniu cerca de 150 pessoas
dentro e fora de uma sala do espaço – que pertence à Universidade de São
Paulo e serviu de trincheira da militância política estudantil contra
os agentes do golpe que resultou na ditadura militar (1964 – 1985).
Em caráter suprapartidário, como reforçaram os organizadores —embora
muitos dos quais tenha relação com o PT—, foram debatidos os riscos das
propostas de impedimento da presidenta no atual contexto nacional de
enfrentamento político e também diante da crise econômica mundial.
“Estamos aqui para dizer em alto e bom tom que tentar impedir a Dilma é
um retrocesso para o Brasil. Entendemos que não haja justificativa
democrática para isso. Nossa democracia é uma enorme conquista que vem
sendo consolidada nos últimos 30 anos e não pode ser arranhada por um
movimento golpista, como o que existe hoje”, disse o cientista político e
coorganizador da iniciativa André Singer, o primeiro a falar.
A defesa do Estado democrático de direito no Brasil e as comparações
com o golpe militar de 64 foram uma constante nas falas dos presentes –
muitos dos quais participaram ativamente da luta política pré-ditadura.
Para o senador José Luiz del Roio, “não conseguimos o que queríamos
naquela época, que é uma democracia realmente inclusiva, mas não é
derrubando uma presidenta eleita que vamos conseguir”. O escritor
Fernando Morais concordou com ele, reforçando que “se eles querem tirar a
Dilma, só tem um caminho, que é o voto. Pelo golpe não levam. Na mão
grande, nós não permitiremos”.
Resgatando lembranças da investida do grupo de estudantes que, em 64,
fez um bloqueio contra militares na porta do Centro Universitário
Maria Antônia – do qual ela fez parte ao lado de várias figuras
políticas em atividade –, a professora Marilena Chaui elevou o tom
engajado e inclusive emocional que marcou encontro. “É insuportável para
a minha geração que aqueles que lutaram contra o golpe sejam os
golpistas de hoje, que se prestem a uma irresponsabilidade histórica
deste tamanho”, declarou, em provável referência a nomes hoje no PSDB
que lutaram contra a ditadura, como os senadores Aloysio Nunes Ferreira e
José Serra. Na visão da filósofa, “há pessoas prontas para ocupar o
poder”, munidas de “um populismo típico das classes dominantes, que
querem eliminar as mediações institucionais entre governantes e
governados”.
Os juristas que participaram do debate insistiram que a atual
tentativa de impeachment, diferente do caso de Fernando Collor em 1992,
ganha corpo na esfera do judiciário – na qual, no entanto, não haveria
justificativas para um impedimento com base no principal argumento
utilizado – “as pedaladas fiscais”.
Segundo Fábio explicou Konder Comparato, “não há qualquer tipicidade
[reunião de todos os elementos que definam legalmente um delito]” na
administração dos gastos públicos que configure um crime de
responsabilidade fiscal punível com impeachment no Brasil. “O máximo que
poderia acontecer, se comprovadas as irregularidades de orçamento na
gestão de Dilma, é uma ilegibilidade da presidenta em um mandato
futuro”, complementou o doutor em direito penal Sérgio Salomão Shecaira.
Ele considera urgente a criação de uma “cartilha jurídica” para prestar
esclarecimentos à população.
Passando o bastão
A principal conclusão do encontro, convocado pelo Núcleo de Estudos
de Violência USP e que durou cerca de duas horas, é que “não se trata do
destino da presidenta, mas do futuro do país”.
Dessa maneira, conforme o cientista político Anivaldo Padilha resumiu
em seu discurso, “uma geração que não se curvou diante da tirania quer
passar o bastão para outra”. Para o sucesso desse projeto, concluíram, é
necessário difundir informação que esclareça o que está em jogo com a
saída de Dilma.
Uma carta anti-impeachment – redigida pelos organizadores do evento e
lida no Maria Antônia em voz alta –, já circula em versão online para
recolher assinaturas.
Os próximos passos, de acordo com o que foi anunciado, envolvem a
criação de uma plataforma de informação e um novo encontro – que seja
maior e aconteça na São Francisco, a Faculdade de Direito da USP, outro
emblemático cenário político paulistano.
ASSISTA AOS VÍDEOS
Os vídeos abaixo registram intervenções da reunião dessa sexta-feira