Há 87 anos, nascia o revolucionário Ernesto Che Guevara
Ernesto Guevara de la Serna foi um dos mais famosos revolucionários marxistas da História. Depois de sua morte, Che foi instantaneamente transformado em um símbolo do compromisso e do heroísmo revolucionários. Até hoje, Che vive nos corações dos povos solidários.
Ernesto
Guevara de la Serna nasceu
em 14 de junho de 1928, em Rosário, importante cidade industrial da Argentina,
em uma família classe média alta. Seu pai, o arquiteto e engenheiro civil
Ernesto Guevara Lynch, era um militante político, tendo participado de vários
comitês e organizações de ajuda aos países democráticos. Apoiou a resistência
republicana na Guerra Civil Espanhola, nos anos de 1930, participou de
campanhas para brecar a propaganda nazista nas Américas na 2ª Guerra Mundial e,
mais tarde, fez oposição ao governo de Juan Perón. A mãe, Célia de la Serna,
era igualmente ativista, tendo sido presa diversas vezes por sua militância
política. Na juventude de Che, a casa dos Guevara vivia repleta de republicanos
espanhóis e militantes socialistas.
Aos
2 anos, Che Guevara sentiu os primeiros sintomas de asma que o atormentaria ao
longo da vida. Para minimizar os efeitos da doença, a família foi para Alta
Gracia, perto da Cordilheira dos Andes, à procura de um clima mais saudável.
Mais tarde, Ernestito, como era chamado pelos parentes, começou a praticar esportes
como natação, futebol, ciclismo e rugby. Ao contrário do que se poderia
imaginar, ele não desenvolveu uma personalidade fraca e indolente por causa da
doença. A enfermidade tornou-se um desafio que ele aceitou sem nenhuma
autocompaixão. Outra coisa curiosa que aconteceria depois: Che foi dispensado
do serviço militar argentino por incapacidade em virtude da asma.
Quando
Che tinha 12 anos, sua família mudou-se para Córdoba, segunda maior cidade da
Argentina, e foi viver próxima de uma favela. O menino brincava diariamente com
as crianças pobres do lugar, uma atitude pouco comum para um filho de classe
média alta. Nessa época, ele começou a pegar gosto pela leitura, pois seus pais
tinham cerca de 3 mil livros em casa. Che tomou contato com a poesia, filosofia,
história e arqueologia, dentre outros assuntos. Com isso, abriu novos
horizontes e quis conhecer novos lugares. A primeira viagem foi uma travessia
do território argentino de bicicleta promovida por uma empresa local. Em cada
cidade que parava, comprava vários livros e, desde essa época, começou a
escrever um diário, hábito que manteve por toda a vida.
Alberto Granados e Che durante viagem pela América Latina.
Em
1944, quando tinha 17 anos, a família Guevara transferiu-se para a capital
Buenos Aires, centro cultural e político da Argentina. Ele havia decidido fazer
medicina, mas continuava atraído por viagens e aventuras. Em dezembro de 1949,
ainda não tendo terminado o curso, começou uma longa viagem de motocicleta em
direção ao Chile com seu amigo Alberto Granados. A ideia era rodar todo o
continente, conhecendo os povos, as condições de vida, a história e a geografia
da América Latina. Passaram pela maioria dos países, mas os que marcaram mais
Guevara foram a Bolívia, a Venezuela e o Peru. Nessa viagem, Guevara começa a
ver a América Latina como uma única entidade econômica e cultural. Granados,
recém-formado em medicina, ficou na Venezuela trabalhando num sanatório para
leprosos e Che voltou para a Argentina para completar seu curso.
Início
da inquietação
Em
março de 1953, ele se formou em medicina com especialização em alergia, mas
percebeu que ainda não estava preparado para se tornar um médico. Resolveu
voltar para a Bolívia. Em um de seus diários, Che relatou: “Quando comecei meus
estudos de medicina, a maioria de meus ideais revolucionários ainda não existia.
Como grande parte das pessoas, eu estava em busca de sucesso [...]. Mas, quando
comecei a viajar por toda a América, entrei em contato com a pobreza, a fome e
a doença [...]. Vi a degradação e a repressão. Então comecei a entender que
havia outra coisa tão importante do que ser famoso, que era ajudar essa gente.”
Em La Paz, capital da Bolívia, Guevara teve contato com vários
grupos políticos, especialmente exilados argentinos. Um dos novos amigos,
Ricardo Rojo, era um advogado argentino que escapara das prisões do regime de
Perón. O plano de Guevara era se encontrar com Alberto Granados na Venezuela,
mas Rojo o convenceu a acompanhá-lo até a Guatemala, “onde as coisas estão
acontecendo”. Em 1950, os guatemaltecos tinham elegido o presidente Jacobo Arbens
Guzmán, um esquerdista moderado que prometera dar sequência ao programa de
reformas sociais iniciado em 1944, quando fora deposto o último regime militar.
Arbens estava sobre fogo cerrado das elites locais e dos interesses
norte-americanos.
Para
chegar à Guatemala, Guevara, Rojo e um grupo de argentinos fizeram uma difícil
viagem pelo Peru e Equador, de onde pegaram um barco para o Panamá. O
transporte foi obtido graças à interferência de um político socialista chileno,
Salvador Allende, que 20 anos depois seria presidente de seu país e terminaria
assassinado durante um sangrento golpe militar.
Do
Panamá, o grupo foi para a Costa Rica, onde vivia uma grande comunidade de
exilados latino-americanos, incluindo alguns remanescentes do ataque ao quartel
de Moncada em 26 de julho de 1953. Esses cubanos garantiram que voltariam a
Cuba para derrubar Fulgêncio Batista, mas, de acordo com Rojo, nem ele nem
Guevara os levaram muito a sério.
Primeira luta
Em
janeiro de 1954, eles chegaram à Guatemala para mergulhar em um universo
político conturbado. Foi lá que Guevara conheceu a peruana Hilda Gadea Acosta,
com quem se casou mais tarde. Ela daria importante contribuição a sua formação
política. Também foi lá que conheceu o cubano Nico Lopez, um dos líderes do
ataque a Moncada, e que, no futuro, apresentaria Guevara a Raul e a Fidel Castro,
no México.
Na
Guatemala, o exército invasor norte-americano operava a partir de Honduras, sob
o comando da CIA e com a aprovação do presidente Dwight Eisenhower. Guevara
ficou impressionado com a facilidade com que um governo popular era esmagado.
“A última democracia revolucionária da América Latina – a de Jacobo Arbens –
caiu como resultado da fria e premeditada agressão conduzida pelos EUA [...].
Quando a invasão norte-americana começou, tentei juntar um grupo de jovens como
eu para contra-atacar. Na Guatemala era necessário lutar e quase ninguém lutou.
Era necessário resistir e quase ninguém resistiu”, escreveu Guevara.
Na
invasão, Che foi guarda voluntário durante o blecaute, nos momentos em que a
cidade estava sendo bombardeada. Ele também pediu para ir para o front, mas não
foi autorizado. As exortações de resistência feitas por Guevara foram
suficientes para colocar seu nome na lista negra dos golpistas. Avisado pelo
embaixador argentino de que sua vida e de sua esposa estavam em perigo, eles se
refugiam na embaixada.
As
experiências na Guatemala foram importantes para a construção de sua
consciência política. Foi lá que Che se autodefine como revolucionário e se
convenceu da necessidade da luta armada, de tomar a iniciativa contra o
imperialismo. “Quando estava na Guatemala de Arbenz, comecei a tomar nota e
pensar sobre quais seriam as responsabilidades de um médico revolucionário.
Então, depois que vi a agressão norte-americana, entendi uma coisa fundamental:
para ser um médico revolucionário, você primeiro precisa de uma revolução”,
escreveu certa vez.
Guevara
iria atrás dela, mas, inicialmente, precisaria sair vivo da Guatemala. Recusou
a oferta de um salvo-conduto para voltar para a Argentina. Resolveu ir para o
México, porque se tratava de um país mais hospitaleiro para os refugiados
políticos. Chegando lá com um amigo guatemalteco, os dois viraram fotógrafos de
rua para sobreviver. Depois de algum tempo, Guevara foi trabalhar no setor de
alergia do Hospital Geral da Cidade do México, ao mesmo tempo que lecionava na
Universidade Autônoma do México. Um dia encontrou no hospital o cubano Nico
Lopez, que o levou para conhecer um compatriota recém-chegado à capital
mexicana: Raul Castro.
Encontro com Fidel
Hilda
Gadea relata em uma carta que Che e Raul se tornaram amigos, passando a se
encontrar todos os dias. Ela descreve Raul como “um dedicado revolucionário,
que era aberto, seguro de si, muito claro nas exposições de suas ideias”. Em
julho de 1955, Raul apresenta a Guevara seu irmão mais velho: Fidel Castro. Foi
amizade à primeira vista.
Che
escreveu como se deu o primeiro encontro: “Encontrei Fidel em uma dessas noites
frias da Cidade do México. Lembro que nossa primeira discussão foi sobre
política internacional. Algumas horas mais tarde, bem de madrugada, já tinha me
decidido que participaria da expedição do Movimento 26 de Julho, que em breve
pretendia iniciar uma revolução em Cuba. Depois de minhas experiências pela América
Latina e principalmente na Guatemala, era necessário muito pouco para me
convencer a me juntar a qualquer revolução contra a tirania. Fidel causou boa
impressão em mim. Ele
estava absolutamente certo de que iríamos para Cuba. Uma vez lá, nós lutaríamos
e que, lutando, venceríamos. Seu otimismo era contagiante. Tínhamos de agir e
lutar para a consolidação de nossa posição. Era necessário parar de hesitar e
começar a luta real. Para provar ao povo cubano que podia confiar em sua
palavra, disse em um de seus famosos discursos: ‘Em 1956, nós devemos ser
homens livres ou mártires.’ Este era o anúncio que, antes do fim do ano, ele
desembarcaria em algum lugar de Cuba no comando de uma força expedicionária.”
Treinamento e embarque
Guevara
passou a se dedicar inteiramente à causa. Sob a orientação de Alberto Bayo, um
veterano da Guerra Civil Espanhola, de 63 anos, cerca de 80 homens começaram um
treinamento de combate em uma fazenda perto da Cidade do México. Os exercícios
de simulação consistiam em táticas de guerrilha, operações de ataque e manobras
para confundir os inimigos em montanhas e na selva. O grupo suportava marchas
de 15 horas por terrenos difíceis, subindo morros, cruzando rios e abrindo
caminho no mato, aprendendo e aperfeiçoando os procedimentos de emboscada e de
retirada rápida. Em pouco tempo, Che – apelido dado pelos cubanos, que
significa “irmão”, em guarani – se tornaria o aprendiz mais dedicado de Bayo.
Nesse
meio tempo, Fidel levantava fundos para conseguir realizar a insurreição. Em
julho de 1956, a fazenda foi descoberta e 20 pessoas, dentre elas Fidel,
Guevara e Bayo, foram presas. Libertados um mês depois, tiveram de agilizar o
embarque, pois temiam a pressão da polícia mexicana. Planejaram começar a
revolução em novembro de 1956.
Com
os fundos arrecadados pelo Movimento 26 de Julho, foi possível comprar o barco
Granma – “vovó”, em inglês –, que não era dos melhores, armas, munições e
suprimentos médicos. Guevara seria o médico da expedição. Em 25 de novembro de
1956, o Granma levantou âncora do porto de Tuxpan, levando a bordo, em seus
17,5 metros de extensão, 82 homens que mudariam a história de Cuba e do mundo.
A viagem foi conturbada. Vários homens marearam durante o percurso e Guevara
sofreu forte crise de asma.
O
plano de Fidel era desembarcar, em 30 de novembro, perto da cidade de Niquero,
na província de Oriente, cerca de 650 quilômetros de Havana. A chegada
coincidiria com um levante em Santiago de Cuba, capital da província, comandado
pelo líder estudantil Frank País. O objetivo era juntar forças com os rebeldes
de Santiago, criando um movimento de duas pontas, rural–urbano, para atrair a
população para a causa revolucionária. O levante eclodiu na data marcada, mas
foi esmagado antes que Fidel e seus homens chegassem à praia, em 2 de dezembro.
Depois
de sete dias no mar, o exército revolucionário desembarcou, mas não no local
previsto onde estariam os suprimentos. Estavam a 16 quilômetros ao Sul, nos
mangues da praia Colorado. O Granma encalhou na areia e logo foi descoberto
pela Guarda Costeira. Os rebeldes precisaram nadar até a praia, perdendo vários
equipamentos importantes, e tiveram que andar horas pelo terreno pantanoso até
encontrar terra firme.
Guevara
descreveu essa passagem em seu diário Reminiscências
da guerra revolucionária da seguinte forma: “Nós encontramos terra firme,
nos perdemos como sombras ou fantasmas, marchando em resposta a algum obscuro
impulso psíquico. Havíamos enfrentado sete dias de constante fome e
enfermidades durante a travessia do mar e nos defrontamos com três dias ainda
mais terríveis em terra. Exatamente dez dias depois de nossa partida do México,
nas primeiras horas do dia 5 de dezembro, após uma noite de caminhada
constantemente interrompida pela fadiga e por períodos de descanso, encontramos
a área paradoxalmente conhecida como Alegria de Pío.”
Os
rebeldes de Fidel estavam sendo cercados pelo Exército cubano nos canaviais de
Alegria de Pío. Os aviões, que circulavam o local, começaram a abrir fogo.
Aconteceu uma correria desenfreada em busca de abrigo seguro. Che atendia
alguns companheiros que estavam com ferimentos leves, quando um homem, querendo
se refugiar, deixou cair seu carregador de munição. Guevara estava com a sacola
de medicamentos cheia, seria impossível carregar as duas coisas por causa do peso.
Foi aí que ele tomou a decisão de ser um revolucionário: pegou a munição e
largou os medicamentos para trás, correndo para o meio do canavial.
Depois
de muito andar para não serem capturados pela Guarda Rural de Batista, foram
contabilizadas as perdas. Dos 82 homens que desembarcaram do Granma, apenas 17
sobreviveram. Nico Lopez havia morrido e Che teve ferimentos leves no peito e
no pescoço.
Destino: Sierra Maestra
Che cuidava da Rádio Rebelde na Sierra Maestra.
Os
rebeldes planejaram começar a revolução por Sierra Maestra, uma cadeia
montanhosa de Cuba. A região era habitada por camponeses pobres e analfabetos,
que lavravam pequenas roças para subsistência. As terras pertenciam a
latifundiários, que pegavam uma parte de seus lucros. Em 1956, era praticamente
impossível que a tropa regular de Batista conseguisse chegar ao local, pois era
um lugar selvagem e não havia caminhos pela mata. Os treinamentos no México
seriam úteis para os revolucionários nessa hora.
Em
janeiro de 1957, Fidel e seu exército, agora com 20 homens, decidiram realizar
um ataque para mostrar que o Movimento 26 de Julho estava vivo e ativo.
Atacaram um pequeno posto da Guarda Rural na foz do rio La Plata. Conseguem
capturar algumas armas e munições. Em fevereiro, Herbert Matthews, repórter do New York Times, foi à Sierra Maestra e fez
uma longa entrevista com Fidel. Quando a reportagem saiu no jornal, o movimento
ganhou notoriedade internacional, despertou simpatias e, principalmente,
legitimidade. O governo de Fulgêncio Batista foi forçado a reconhecer que havia
um exército rebelde em atividade dentro de Cuba.
Os
revolucionários impressionavam as pessoas por seguirem um novo código de
conduta bélica. As tropas regulares de Batista torturavam e executavam seus
prisioneiros, além de cometer atrocidades contra civis. Já os rebeldes de Sierra
Maestra tinham como norma liberar todos os soldados governamentais e jamais
maltratar as pessoas da população local. Ao assumir princípios humanistas, os
revolucionários conquistaram a confiança dos camponeses. Eles se mantinham
firmes aos ensinamentos de José Martí, o herói nacional.
Ao
longo de 1957, aumentava lentamente o número de rebeldes. Nesse mesmo ano,
Fidel concede a Che a patente de comandante, posto que até então apenas ele
próprio possuía, e o colocou na liderança da Segunda Coluna do Exército
Rebelde. Depois de quase um ano em Sierra Maestra, os revolucionários
perceberam que a semente estava germinando. Em toda parte de Cuba, surgiam
protestos contra o governo. As forças de Fidel, agora com cerca de 300
combatentes, estavam bem organizadas. Ele e Che montaram fábrica de munição,
escolas, clínicas, cozinhas coletivas, oficinas de trabalho, um jornal e uma
estação de rádio na região (a Rádio Rebelde). Os camponeses receberam terras e
se sentiam livres das arbitrariedades cometidas pela Guarda Rural.
Em
abril de 1958, as forças anti-Batista no campo e nas cidades convocaram uma
greve geral imaginando que o ditador fosse renunciar, mas o movimento
fracassou. Em maio, o governo colocou 10 mil homens em Sierra Maestra, apoiados
por tanques e aviões. A ofensiva durou quase três meses, porém o exército de
Batista, desorganizado e não sabendo lutar nas montanhas, limitou-se a
bombardear vilas e povoados, matando dezenas de civis.
Batalha final
Em
agosto, as tropas regulares se retiraram do campo de batalha. Sierra Maestra
estava nas mãos dos revolucionários. O comandante em chefe agora planejava sua
ofensiva final para tomar o controle das grandes cidades. Fidel e Raul
marcharam com 200 homens para Santiago de Cuba, onde receberiam o reforço de
outros 600 rebeldes para tentar ocupar a cidade. Enquanto isso, Che Guevara,
com 148 homens, atravessava a província de Las Villas, em direção às montanhas
Escambray e à cidade de Santa Clara. Camilo Cienfuegos comandava uma coluna de
82 homens, movendo-se paralelamente às forças de Che. O alvo dele era Havana.
Em
dezembro, Guevara recebeu a missão de tomar toda a província de Las Villas,
cortando a ilha em duas partes. Em questão de dias, com brilhantes manobras
táticas, ele conquistou toda a província, exceto a capital, Santa Clara.
Defendida por 2 mil soldados, a cidade contava com apoio aéreo. Guevara tinha
apenas 200 homens. Os arredores de Santa Clara se renderam rapidamente com as
tropas governamentais evitando o combate, mas o controle do centro da cidade
custou três dias de luta e convencimento dos soldados governistas. Com a tomada
de Santa Clara em 31 de dezembro de 1958, não havia mais nenhum obstáculo entre
os rebeldes e Havana.
Santiago
de Cuba continuava cercada pelas forças de Fidel e Raul. O comandante militar
da cidade telefonou para Batista dizendo que não poderia manter a cidade por
muito tempo. Sabendo que seu exército estava aniquilado e nada mais poderia
fazer, às 3 horas da madrugada do dia 1º de janeiro de 1959, o ditador,
juntamente com alguns comparsas, fugiu de avião para a República Dominicana com
medo de ser morto. Prudente, Fulgêncio Batista já havia transferido para o
exterior fortuna estima em US$800 milhões, amealhada em anos de saque do
Tesouro Nacional.
Quando
Fidel soube da fuga de Batista, preparou-se para marchar sobre Santiago. O
comandante militar da cidade, no entanto, rendeu-se sem oferecer resistência e
Fidel entrou pacificamente na cidade. De Santiago, Fidel irradiou um apelo ao
povo de Havana, conclamando-o a evitar violência e manter-se vigilante pela
justiça. Prometeu que as forças rebeldes adentrariam as cidades de Cuba para
restabelecer a ordem e impedir a contrarrevolução. “A ditadura desmoronou”,
disse ele, “mas isso não significa que a revolução tenha triunfado. Revolução,
sim! Golpe militar, não!”
Os revolucionários entram Havana.
Fidel
pediu que Guevara e Cienfuegos seguissem para Havana. Em 2 de janeiro de 1959,
eles entraram na cidade e assumiram o controle das instalações militares para
evitar qualquer reação do Exército. No mesmo dia, Fidel começou sua lendária
travessia de 800
quilômetros por toda extensão de Cuba, fazendo discursos
e entusiasmando a multidão. Ele chegou a Havana em 8 de janeiro. A luta militar
havia sido ganha. Agora, os revolucionários tinham pela frente o igualmente
espinhoso trabalho de criar uma nova sociedade.
Em
suas reflexões sobre a vitória final dos rebeldes, Che escreveu o seguinte: “A
ditadura de Batista criara o necessário fermento, com sua política de opressão
das massas e manutenção de um regime de privilégios. Privilégios para os servos
do regime, para latifundiários parasitas e comerciantes. Privilégios para os
monopólios estrangeiros. Uma vez que o conflito começou, as medidas repressivas
do governo e sua brutalidade, em vez de diminuírem a resistência popular,
fortaleceram-na. A desmoralização e a falta de vergonha da casta militar
facilitaram a tarefa. A rudeza das montanhas em Oriente e a incapacidade tática
do inimigo também fizeram sua parte. A guerra, contudo, foi vencida pelo povo,
por meio da ação de sua vanguarda armada (o exército rebelde), cujas armas
básicas eram seu moral e sua disciplina.”
Dever cumprido
Depois
de seu trabalho como médico e comandante das tropas rebeldes, Che foi
proclamado “cidadão cubano de nascimento” e, no governo revolucionário, assumiu
o posto principal do Banco Nacional de Cuba. Em seguida, foi para o Ministério
da Indústria, onde desenvolveu uma política econômica voltada à diversificação
da agricultura e à industrialização a fim de reduzir a dependência externa.
Guevara também foi embaixador cubano, tendo visitado vários países, inclusive o
Brasil, em 1960, onde foi condecorado pelo presidente Jânio Quadros, ansioso
para demonstrar que o País tinha uma política externa independente.
Che
ficou no cargo até abril de 1965, quando saiu de Cuba para levar a Revolução
para outros países. Além disso, tinha suas dúvidas quanto à excessiva
aproximação cubana com os soviéticos, posição que deixou bem clara nos
encontros nos quais participou na época. Queria voltar a voar, não se prender a
uma revolução. Já tinha dito a Fidel, antes de entrar para o exército rebelde
cubano, que “vou retomar minha liberdade de revolucionário depois do triunfo da
Revolução Cubana”. Deixou Cuba e uma carta a Fidel, que dizia num trecho o
seguinte: “Sinto que cumpri a parte de meu dever que me atava à Revolução
Cubana em seu território e me despeço de ti, dos companheiros, de teu povo, que
já é meu. Faço formal a renúncia de meus cargos na direção do partido, de meu
posto de ministro, de meu posto de comandante, de minha condição de cubano...
Outras terras do mundo reclamam o concurso de meus modestos esforços... Até a
vitória, sempre. Pátria ou Morte!” Assim foi para o Congo, onde tentou
organizar uma guerrilha, que acabou sendo frustrada. Retornou em segredo para
Havana e dali partiu, em outubro de 1966, para as selvas bolivianas, levando
alguns guerrilheiros cubanos para encontrar outros homens na Bolívia, de onde
empreenderiam uma guerrilha similar à que saiu vitoriosa em Cuba.
Mesmo
com cerca de 50 homens em território boliviano, as tropas de Che venceram
algumas lutas contra os inimigos. Mas, isolados nas montanhas da Bolívia, Che
Guevara e seus companheiros foram denunciados ao Exército boliviano. Em 8 de
outubro de 1967, eles foram encurralados num encosta e poucos escaparam. Che,
ferido na perna, ficou preso na cidade de La Higuera. O governo
boliviano estava diante de um dilema: executar Guevara ou levá-lo a julgamento.
Esta última hipótese foi descartada imediatamente por René Barrientos,
presidente boliviano na época. O banco dos réus exporia La Paz a uma campanha
internacional por sua libertação.
Em
9 de outubro, Guevara foi interrogado por agentes da CIA e da inteligência
boliviana. Em seguida, foi destacado um oficial para executá-lo. O soldado disparou
várias vezes. Che estava morto.
Poucas
horas depois, vários repórteres e fotógrafos chegaram em La Higuera e foram
levados para uma lavanderia onde o corpo de Guevara fora colocado em exposição. A notícia
se espalhou pelo mundo, mas, durante dias, houve uma discussão internacional
sobre a veracidade da morte do guerrilheiro. Todas as especulações terminaram
em 15 de outubro, quando Fidel Castro anunciou que realmente Guevara tinha sido
capturado e executado na Bolívia.
Em
seu discurso, profundamente emocionado, Fidel pronunciou o seguinte: “Raramente
pode-se dizer de um homem com maior justiça e com maior precisão o que vou
falar sobre Che: ele foi um exemplo puro de virtudes revolucionárias; ele foi
um ser humano extraordinário; um homem de extraordinária sensibilidade. Che era
um homem de total integridade, um homem de supremo senso de honra, de absoluta
sinceridade. Um homem de hábitos estoicos e espartanos, cuja conduta nenhuma
mácula pode ser encontrada. Ele constituía, dentro de várias virtudes, o que
podemos chamar de o verdadeiro modelo revolucionário.”
Os
restos mortais de Guevara, depois de ficarem 30 anos enterrados num cemitério
clandestino na Bolívia, foram identificados e exumados em julho de 1997.
Atualmente, eles se encontram enterrados n Mausoléu Ernesto Che Guevara, na
cidade de Santa Clara, em Cuba.
A
postura de Che hoje é estudada como o “novo homem”, o homem necessário para
construir a sociedade do futuro, altruísta e desprendido.
Um
dos maiores legados deixado por Che foi a conscientização de se criar o “novo
homem”, um ser desprovido do egoísmo e da mesquinhez característicos da
sociedade capitalista. Um de seus biógrafos, John Gerassi, escreveu o seguinte:
“A principal preocupação de Che era criar o Homem Socialista em Cuba [...]. Che
sentiu que a economia por si só não valia o esforço, o sacrifício e os riscos
de guerra se os fins encorajassem as ambições individuais à custa do espírito
coletivo.”
Mesmo
se não levarmos em conta seus sucessos e frustrações durante toda sua vida,
Ernesto Che Guevara, por si só, serviu como um símbolo da dedicação
revolucionária, cujas ações foram sempre consistentes e em harmonia com seus
ideais morais. Ele morreu lutando por esses ideais, mas continua vivo nos
corações de todos os povos solidários.
A fotografia mais conhecida do mundo
A
célebre fotografia de Che Guevara, que é reproduzida em cartazes de
manifestações reivindicatórias de liberdade e por melhores condições sociais, é
de autoria do cubano Alberto Korda. Ela foi captada em março de 1960, mas só
foi publicada sete anos depois. O Instituto Maryland de Arte, dos Estado
Unidos, intitulou a foto de Korda de “a mais famosa fotografia no mundo e
símbolo do século 20”.
Apesar
de Korda nunca ter solicitado royalties daqueles que publicaram a imagem devido
às suas convicções nos ideais de Guevara, não deixou que ela fosse usada em um
anúncio de vodka. Korda era um comunista convicto e queria evitar a exploração
comercial da fotografia.
Ele
costumava dizer aos repórteres: “Como defensor dos ideais pelos quais Che
Guevara morreu, não me oponho a sua reprodução por aqueles que desejam difundir
sua memória e a causa da justiça social por todo o mundo.”
Nascimento
Segundo
o escritor John Lee Anderson, Che Guevara teria nascido em 14 de maio e não a
14 de junho como consta de todas as biografias. Anderson cita como fonte uma das
amigas da mãe de Che que lhe afirmou que à época do nascimento dele, sua mãe, Célia
de la Serna, teve de adiantar a data em um mês porque ela havia se casado grávida
e, se não o fizesse, sua família descobriria o seu segredo. No entanto, essa justificação
não é totalmente convincente, uma vez que os pais de Guevara se casaram em novembro
de 1927, ou seja, sete meses antes do nascimento do filho, pelo que não se justificaria
um tal artifício.
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