terça-feira, 13 de outubro de 2015

O golpe paraguaio com todas as letras



É assim que funciona, e é assim que estão fazendo no Brasil. Se vai dar certo ou não, depende de inúmeras circunstâncias. Inclusive de como o governo e a presidente conseguirão resistir à estratégia bem delineada de um golpe paraguaio.





Por Hélio Doyle

As frases dúbias e enigmáticas, as metáforas, os gestos de difícil entendimento, a enganação e a enrolação sempre foram características da atividade política. É a velha história de José Maria Alkmin dizendo a Olavo Drummond, no aeroporto da Pampulha, que Benedito Valadares lhe havia dito que viajaria para Brasília para ele pensar que ele iria para o Rio, mas que na verdade ele iria para Brasília mesmo.

As coisas, porém, devem ser ditas como elas são. Fica mais fácil entendê-las.

1 – O principal objetivo da oposição política, da direita ideológica e dos neoliberais alinhados aos interesses dos Estados Unidos, hoje, é tirar a presidente Dilma e o PT do governo. A junção da gravíssima crise econômica e financeira pela qual passa o país com as investigações sobre a corrupção criou o ambiente favorável para tentar derrubar o governo: há, na sociedade, e em especial entre os chamados “formadores de opinião”, uma forte rejeição ao governo, a Dilma e ao PT.   

2 – Em anos passados, no Século 20, os segmentos que que queriam derrubar governos legitimamente eleitos contavam com o apoio ativo de militares. Eram os que o presidente Ernesto Geisel, um general de Exército, chamava de “vivandeiras que vivem nas portas dos quarteis”, pedindo que as Forças Armadas dessem o golpe por eles desejado.

3 – Assim a oposição política, a direita ideológica e os defensores do alinhamento às diretrizes estadunidenses levaram ao suicídio de Getúlio Vargas, tentaram impedir as posses de Juscelino Kubitschek e de João Goulart e acabaram dando o golpe em 1964, que derrubou Jango e levou o país a 21 anos de ditadura.

4 – Para justificar a ação militar, os golpistas de então mobilizavam os segmentos mais conservadores e atrasados da sociedade, acenando com o temor de que o Brasil se tornasse um país comunista. Em tempos de guerra fria, os comunistas eram a ameaça que teria de ser combatida a qualquer custo. As bandeiras do governo de Jango nada tinham de comunistas, mas como visavam beneficiar os mais pobres, fazer a reforma agrária e mexer nos monopólios estrangeiros, eram consideradas ponto de partida para a sovietização do país. E esse discurso levou às marchas da família pela pátria e por Deus e pelas manifestações que deram respaldo civil ao golpe.

5 – Os que querem derrubar o governo de Dilma não contam mais com os quarteis. As Forças Armadas vivem outro momento, e mesmo permanecendo majoritariamente em seus quadros a visão ideológica de direita, não se dispõem hoje a servir de ponta de lança da oposição golpista e de seus aliados. E golpe militar, atualmente, leva ao isolamento do governo dele decorrente pela comunidade americana. Por isso não é assim apenas no Brasil, é em toda a América Latina. Por isso, os golpistas adotaram uma nova metodologia, que prescinde dos militares, para atingir seus objetivos: o chamado golpe brando, ou, para usar o exemplo mais conhecido, o golpe paraguaio. Deu certo no Paraguai e em Honduras, mas foi e continua sendo tentado em outros países.

6 – O golpe paraguaio é dado pela utilização de instrumentos e canais institucionais, devidamente manipulados pelos golpistas. São golpes desferidos pelo Legislativo e pelo Judiciário. Como as ações têm uma aparência de legalidade, ou mesmo estão dentro da legalidade, parece que não é um golpe, mas uma legítima ação constitucional e legal. O caminho é simples: primeiro, é criada uma situação que dificulta a ação do governo; daí, mobiliza-se a opinião pública, com ajuda da imprensa aliada, para passar a ideia de ilegitimidade dos governantes; finalmente, o Legislativo ou o Judiciário, ou ambos coordenadamente, decretam o fim do governo e dão posse aos golpistas.

7 – É o que agora se tenta fazer no Brasil. Decisão tomada pelo Tribunal de Contas da União, ou possível decisão do Tribunal Superior Eleitoral, são meros pretextos para justificar o impeachment. A decisão de derrubar o governo de Dilma é política e ideológica, e os pretextos são necessários justamente para passar a ideia de institucionalidade. O impeachment realmente é previsto na Constituição, e não caracteriza em si um golpe, mas precisa estar revestido de fatos concretos e de acusações que se comprovem. Como não existem – pelo menos, até agora – é preciso criar os pretextos. Aliados bem situados no Congresso, no TCU e nos tribunais ajudam nisso.

8 – Outra alternativa golpista é inviabilizar de tal forma a ação de governo e acirrar as dificuldades pelas quais passa a população para forçar o governante a renunciar. Tudo é feito para impedir que o governo consiga reverter uma situação negativa e que se incompatibilize cada vez mais com a população. Sem condições de agir, com sua base social sendo reduzida, pressionada pelo Congresso e ameaçada pelo Judiciário, a presidente acaba decidindo pela renúncia. E os golpistas assumem.

É assim que funciona, e é assim que estão fazendo no Brasil. Se vai dar certo ou não, depende de inúmeras circunstâncias. Inclusive de como o governo e a presidente conseguirão resistir à estratégia bem delineada de um golpe paraguaio.



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