É assim que funciona, e é assim que estão fazendo no Brasil. Se vai dar certo ou não, depende de inúmeras circunstâncias. Inclusive de como o governo e a presidente conseguirão resistir à estratégia bem delineada de um golpe paraguaio.
Por Hélio Doyle
As frases dúbias e enigmáticas, as metáforas, os gestos de difícil
entendimento, a enganação e a enrolação sempre foram características da
atividade política. É a velha história de José Maria Alkmin dizendo a
Olavo Drummond, no aeroporto da Pampulha, que Benedito Valadares lhe
havia dito que viajaria para Brasília para ele pensar que ele iria para o
Rio, mas que na verdade ele iria para Brasília mesmo.
As coisas, porém, devem ser ditas como elas são. Fica mais fácil entendê-las.
1 – O principal objetivo da oposição política, da direita ideológica e
dos neoliberais alinhados aos interesses dos Estados Unidos, hoje, é
tirar a presidente Dilma e o PT do governo. A junção da gravíssima crise
econômica e financeira pela qual passa o país com as investigações
sobre a corrupção criou o ambiente favorável para tentar derrubar o
governo: há, na sociedade, e em especial entre os chamados “formadores
de opinião”, uma forte rejeição ao governo, a Dilma e ao PT.
2 – Em anos passados, no Século 20, os segmentos que que queriam
derrubar governos legitimamente eleitos contavam com o apoio ativo de
militares. Eram os que o presidente Ernesto Geisel, um general de
Exército, chamava de “vivandeiras que vivem nas portas dos quarteis”,
pedindo que as Forças Armadas dessem o golpe por eles desejado.
3 – Assim a oposição política, a direita ideológica e os defensores
do alinhamento às diretrizes estadunidenses levaram ao suicídio de
Getúlio Vargas, tentaram impedir as posses de Juscelino Kubitschek e de
João Goulart e acabaram dando o golpe em 1964, que derrubou Jango e
levou o país a 21 anos de ditadura.
4 – Para justificar a ação militar, os golpistas de então mobilizavam
os segmentos mais conservadores e atrasados da sociedade, acenando com o
temor de que o Brasil se tornasse um país comunista. Em tempos de
guerra fria, os comunistas eram a ameaça que teria de ser combatida a
qualquer custo. As bandeiras do governo de Jango nada tinham de
comunistas, mas como visavam beneficiar os mais pobres, fazer a reforma
agrária e mexer nos monopólios estrangeiros, eram consideradas ponto de
partida para a sovietização do país. E esse discurso levou às marchas da
família pela pátria e por Deus e pelas manifestações que deram respaldo
civil ao golpe.
5 – Os que querem derrubar o governo de Dilma não contam mais com os
quarteis. As Forças Armadas vivem outro momento, e mesmo permanecendo
majoritariamente em seus quadros a visão ideológica de direita, não se
dispõem hoje a servir de ponta de lança da oposição golpista e de seus
aliados. E golpe militar, atualmente, leva ao isolamento do governo dele
decorrente pela comunidade americana. Por isso não é assim apenas no
Brasil, é em toda a América Latina. Por isso, os golpistas adotaram uma
nova metodologia, que prescinde dos militares, para atingir seus
objetivos: o chamado golpe brando, ou, para usar o exemplo mais
conhecido, o golpe paraguaio. Deu certo no Paraguai e em Honduras, mas
foi e continua sendo tentado em outros países.
6 – O golpe paraguaio é dado pela utilização de instrumentos e canais
institucionais, devidamente manipulados pelos golpistas. São golpes
desferidos pelo Legislativo e pelo Judiciário. Como as ações têm uma
aparência de legalidade, ou mesmo estão dentro da legalidade, parece que
não é um golpe, mas uma legítima ação constitucional e legal. O caminho
é simples: primeiro, é criada uma situação que dificulta a ação do
governo; daí, mobiliza-se a opinião pública, com ajuda da imprensa
aliada, para passar a ideia de ilegitimidade dos governantes;
finalmente, o Legislativo ou o Judiciário, ou ambos coordenadamente,
decretam o fim do governo e dão posse aos golpistas.
7 – É o que agora se tenta fazer no Brasil. Decisão tomada pelo
Tribunal de Contas da União, ou possível decisão do Tribunal Superior
Eleitoral, são meros pretextos para justificar o impeachment. A decisão
de derrubar o governo de Dilma é política e ideológica, e os pretextos
são necessários justamente para passar a ideia de institucionalidade. O
impeachment realmente é previsto na Constituição, e não caracteriza em
si um golpe, mas precisa estar revestido de fatos concretos e de
acusações que se comprovem. Como não existem – pelo menos, até agora – é
preciso criar os pretextos. Aliados bem situados no Congresso, no TCU e
nos tribunais ajudam nisso.
8 – Outra alternativa golpista é inviabilizar de tal forma a ação de
governo e acirrar as dificuldades pelas quais passa a população para
forçar o governante a renunciar. Tudo é feito para impedir que o governo
consiga reverter uma situação negativa e que se incompatibilize cada
vez mais com a população. Sem condições de agir, com sua base social
sendo reduzida, pressionada pelo Congresso e ameaçada pelo Judiciário, a
presidente acaba decidindo pela renúncia. E os golpistas assumem.
É assim que funciona, e é assim que estão fazendo no Brasil. Se vai
dar certo ou não, depende de inúmeras circunstâncias. Inclusive de como o
governo e a presidente conseguirão resistir à estratégia bem delineada
de um golpe paraguaio.
Fonte Brasil 247
Visite a pagina do MCCE-MT