Corrupção
Tijolaço
Por Fernando Brito
Hoje, no site da CartaCapital, Henrique Beirangê
publica um detalhado artigo sobre os personagens de uma operação que,
embora movimentasse bilhões e envolvesse alguns dos mais famosos nomes
do empresariado nacional, nunca foi além dos bagrinhos.
Nas duas pontas, os mesmos personagens famosos de hoje : Alberto Youssef e Sérgio Moro.
No meio, empreiteiras, empresas como a Globo e a Abril,
políticos, a fina flor do dinheiro movimentando meio trilhão de reais
(US$ 134 bilhões) através do Banestado, a maioria pela agência de Foz do
Iguaçu.
A história é tenebrosa, inclusive por mostrar que a
indulgência e a cumplicidade com os poderosos- agora intoleráveis,
desde que com outros “poderosos” – cobram um preço bem descrito no velho
adágio de que “quem poupa os inimigos pelas mãos lhe morre”.
A semente dos escândalos
O que diferencia o caso Banestado da Operação Lava Jato?
Por Henrique Beirangê na Carta Capital
O juiz Sergio Moro
arbitra uma operação que investiga um extenso esquema de corrupção e
evasão de divisas intermediadas por doleiros que atuam especialmente no
Paraná. Uma força-tarefa é montada e procuradores da República propõem
ações penais contra 631 acusados. Surgem provas contra grandes
construtoras e grupos empresariais, além de políticos.
Delações premiadas e acordos de cooperação internacional são celebrados em série. Lava Jato? Não! Trata-se do escândalo do Banestado,
um esquema de evasão de divisas descoberto no fim dos anos 90 e
enterrado de forma acintosa na transição do governo Fernando Henrique
Cardoso para o de Lula.
Ao contrário de agora, os malfeitos no
banco paranaense não resultaram em longas prisões preventivas. Muitos
envolvidos beneficiaram-se das prescrições e apenas personagens menores
chegaram a cumprir pena.
Essas constatações tornam-se mais
assustadoras quando se relembram as cifras envolvidas. As remessas
ilegais para o exterior via Banestado aproximaram-se dos 134 bilhões de
dólares. Ou mais de meio trilhão de reais em valor presente. Para ser
exato, 520 bilhões.
De acordo com os peritos que analisaram
as provas, 90% dessas remessas foram ilegais e parte tinha origem em
ações criminosas. A cifra astronômica foi mapeada graças ao incansável e
inicialmente solitário trabalho do procurador Celso Três,
posteriormente aprofundado pelo delegado federal José Castilho. Alguém
se lembra deles? Tornaram-se heróis do noticiário?
Dois processos, o mesmo juiz: Sergio Moro. O BC de Loyola dificultou o
trabalho do MP e da PF / Clayton de Souza e Celso Junior/Estadão
Conteúdo
Empreiteiras, executivos, políticos e
doleiros que há muito frequentam o noticiário poderiam ter sido punidos
de forma exemplar há quase 20 anos. Não foram. Os indiciamentos
rarearam, boa parte beneficiou-se da morosidade da Justiça e a maioria
acabou impune.
Quanto à mídia, não se via o mesmo entusiasmo “investigativo” dos tempos atuais. Alberto Youssef, Marcos Valério,
Toninho da Barcelona e Nelma Kodama, a doleira do dinheiro na calcinha,
entre outros, tiveram seus nomes vinculados ao esquema.
Salvo raras exceções, CartaCapital
entre elas, a mídia ignorou o caso. Há um motivo. Os investigadores
descobriram a existência de contas CC5 em nome de meios de comunicação.
Essa modalidade de conta foi criada em 1969 pelo banco para permitir a
estrangeiros não residentes a movimentar dinheiro no País.
Era o caminho natural para multinacionais
remeterem lucros e dividendos ou internar recursos para o financiamento
de suas operações. Como dispensava autorização prévia do BC, as CC5
viraram um canal privilegiado para a evasão de divisas, sonegação de imposto e lavagem de dinheiro.
Em seu relatório, o procurador Celso Três
deixa claro que possuir uma conta CC5, em tese, não configuraria crime,
mas que mais de 50% dos detentores não “resistiriam a uma devassa”.
Nunca, porém, essa devassa aconteceu. A operação abafa para desmobilizar
o trabalho de investigação começou em 2001. Antes, precisamos, porém,
retroceder quatro anos a partir daquela data.
A identificação de operações suspeitas por meio das CC5
deu-se por acaso, durante a CPI dos Precatórios, em 1997, que apurava
fraudes com títulos públicos em estados e municípios. Entre as
instituições usadas para movimentar o dinheiro do esquema apareciam
agências do Banestado na paranaense Foz do Iguaçu, localizada na
tríplice fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina e famosa no
passado por ser uma região de lavagem de dinheiro.
Das agências, os recursos ilegais seguiam para a filial do
Banestado em Nova York. Informado das transações, o Ministério Público
Federal recorreu ao Banco Central, à época presidido por Gustavo Loyola.
Os procuradores comunicaram em detalhes ao BC as movimentações
suspeitas.
Em vez de auxiliar o trabalho do Ministério Público, o
Banco Central de Loyola preferiu criar dificuldades para o acesso dos
procuradores às contas suspeitas. Segundo Celso Três, as informações
eram encaminhadas de forma confusa, propositadamente, diz, com o intuito
de atrasar as investigações. Diante dos entraves causados pelo BC, a
Justiça Federal tomou uma decisão sem precedentes. Determinou a quebra
de todas as contas CC5 do País.
Uma dúvida surgiu de imediato: se havia formas regulares,
via Banco Central, de enviar dinheiro ao exterior, qual a razão de os
correntistas optarem por essas contas especiais que não exigiam
autorização prévia nem estavam sujeitas à fiscalização da autoridade
monetária?
Pior: antes do alerta da CPI dos Precatórios, o BC parece
nunca ter suspeitado da intensa movimentação financeira por agências de
um banco estatal paranaense, secundário na estrutura do sistema
financeiro. Até então, nenhum alerta foi dado pelo órgão responsável
pela fiscalização dos bancos. Vamos repetir o valor movimentado: 134
bilhões de dólares.
Editada em 1992, uma
carta-circular do Banco Central determinava que movimentações acima de
10 mil reais nas contas CC5 deveriam ser identificadas e fiscalizadas.
Jamais, nesse período, as autoridades de investigação foram comunicadas
pelo BC de qualquer transação incomum.
Dentro da conta "Tucano", identificada nos EUA,
menções a José Serra e Ricardo S. Oliveira / Marcos Oliveira/Ag. Senado e
Milton Michida/Estadão Conteúdo
Com a quebra de sigilo em massa determinada pela Justiça, milhares de
inquéritos foram abertos em todo o País, mas nunca houve a condenação
definitiva de um político importante ou de representantes de grandes
grupos econômicos. Empresas citadas conseguiram negociar com a Receita
Federal o pagamento dos impostos devidos e assim encerrar os processos
contra elas.
O Ministério Público chegou a estranhar mudanças
repentinas em dados enviados pelo governo FHC. Em um primeiro relatório
encaminhado para os investigadores, as remessas da TV Globo somavam o
equivalente a 1,6 bilhão de reais.
Mas um novo documento, corrigido pelo Banco Central,
chamou a atenção dos procuradores: o montante passou a ser de 85
milhões, uma redução de 95%. A RBS, afiliada da Globo no Rio Grande do Sul e atualmente envolvida no escândalo da Zelotes, também foi beneficiada pela “correção” do BC: a remessa caiu de 181 milhões para 102 milhões de reais.
A quebra do sigilo demonstrou que o Grupo Abril, dono da revista Veja,
fez uso frequente das contas CC5. A Editora Abril, a TVA e a Abril
Vídeos da Amazônia, entre outras, movimentaram um total de 60 milhões no
período. O SBT, de Silvio Santos, enviou 37,8 milhões.
As mesmas construtoras acusadas de participar do esquema
na Petrobras investigado pela Lava Jato estrelavam as remessas via
Banestado. A Odebrecht movimentou
658 milhões de reais. A Andrade Gutierrez, 108 milhões. A OAS, 51,7
milhões. Pelas contas da Queiroz Galvão passaram 27 milhões. Camargo
Corrêa, outros 161 milhões.
O sistema financeiro não escapa. O
Banco Araucária, de propriedade da família Bornhausen, cujo patriarca,
Jorge, era eminente figura da aliança que sustentava o governo Fernando
Henrique Cardoso, teria enviado 2,3 bilhões de maneira irregular ao
exterior.
Dantas se livrou. Thomaz Bastos sepultou a investigação / Eraldo Peres e Celso Junior/Estadão Conteúdo
Nunca foi possível saber quais dessas contas eram e quais
não eram regulares. Para tanto, teria sido necessário aprofundar as
investigações, o que nunca aconteceu. Ao contrário. O BC não foi o único
entrave. No fim de 2001, o delegado Castilho foi aos Estados Unidos
tentar quebrar as contas dos doleiros brasileiros na filial do
Banestado.
O então diretor da Polícia Federal, Agílio Monteiro,
determinou, porém, que Castilho voltasse ao Brasil. Apegou-se aos “altos
custos das diárias” para interromper o trabalho de investigação. Valor
da diária: 200 dólares.
Os agentes da equipe de Castilho perceberam o clima contra
a operação e a maioria pediu para ser desligada do caso. A apuração
seguiu em banho-maria até o começo de 2003, no início do governo
Lula, período em que Castilho voltou a Nova York.
Naquele momento, as novas quebras de sigilo permitiram
localizar um novo personagem, Anibal Contreras, guatemalteco
nacionalizado norte-americano, titular da famosa conta Beacon Hill.
Descobriu-se uma estrutura complexa: a Beacon Hill era uma conta-ônibus,
recheada por várias subcontas cujo objetivo é esconder os verdadeiros
donos do dinheiro. Sob o guarda-chuva da Beacon Hill emergiu uma
subconta de nome sugestivo, a Tucano.
Em anotações feitas por doleiros e algumas siglas foram
identificadas transações que sugeriam a participação do senador José
Serra e do ex-diretor do Banco do Brasil, tesoureiro do PSDB e um dos
artífices das privatizações no governo Fernando Henrique, Ricardo Sérgio
de Oliveira. Só novas quebras de sigilo permitiriam, no entanto,
comprovar as suspeitas. Adivinhe? Elas nunca aconteceram.
Castilho conseguiu acessar o que se poderia chamar de
quarta camada das contas. Antes de descobrir os beneficiários finais do
dinheiro, os reais titulares, o delegado acabou definitivamente afastado
da investigação pelo então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos.
Anos mais tarde, o inquérito seria arquivado.
A CPI do Banestado teve o mesmo destino
melancólico. Até hoje, é a única comissão parlamentar a encerrar seus
trabalhos sem um relatório final. O PT e o PSDB disputaram para ver quem
enterrava primeiro e melhor os trabalhos. O petista José Mentor,
relator da CPI, foi acusado de receber dinheiro de um doleiro para
excluí-lo do texto final. Mentor nega.
O tucano Antero Paes de Barros,
presidente, tentou proteger os próceres do partido e aliados citados na
investigação. Uma conveniente briga entre Mentor e Barros marcou o
encerramento da apuração no Congresso em dezembro de 2004. No ano
seguinte, um novo escândalo, o “mensalão”, sepultaria de vez o interesse
pelas contas ilegais no exterior.
Desde então, mudanças na
legislação penal e a ampliação de acordos de cooperação internacional
passaram a dificultar as tentativas de abafar esses casos. Foram criadas
e aperfeiçoadas nos últimos anos as unidades de recuperação de ativos
no Ministério da Justiça e no Ministério Público Federal.
Por conta dos ataques às Torres Gêmeas de Nova York em 11
de setembro de 2001, os paraísos fiscais foram pressionados a repassar
informações sobre contas suspeitas. Os bancos suíços, notórios por sua
permissividade, criaram mecanismos de autofiscalização para a
identificação de dinheiro com origem suspeita, algo impensável há 20
anos.
No Brasil, a lei do crime organizado de 2013 foi
aprimorada e a lei de lavagem de dinheiro, alterada em 2012, ampliou o
cerco contra os sonegadores. Diante dessas mudanças, as investigações
não finalizadas do Banestado poderiam ser exumadas? Para investigadores
que atuaram no caso, a resposta é sim.
As movimentações finais no exterior dessas contas podem
ter ficado ativas após a instituição dessas novas leis, o que daria vida
a novos inquéritos. Dependeria da vontade do Ministério Público e da
Polícia Federal.
As duas instituições têm sido, no entanto, reiteradamente
conduzidas a fazer uma seleção bem específica de seus focos de
interesse. Sem o apoio da mídia e setores da Justiça e do poder
econômico, mexer em certos vespeiros só produz ferroadas em quem se mete
a revirá-los.
O MP e a PF tentaram, a partir da apuração do Banestado,
avançar nas investigações por outros caminhos. Daquele esforço derivaram
operações como a Farol da Colina, Chacal, Castelo de Areia e
Satiagraha.
Em todas elas, o destino foi idêntico. Em alguma instância
da Justiça, os processos foram anulados. Bastaram, em geral, argumentos
frágeis. A Castelo de Areia, que investigou a partir de 2009 o
pagamento de propina de empreiteiras a políticos, acabou interrompida no
Superior Tribunal de Justiça por supostamente basear-se em “denúncia
anônima”, embora o Ministério Público tenha provado que a investigação
se valeu de outros elementos.
O episódio mais notório continua a ser, no entanto, a Satiagraha. Até um falso grampo no gabinete do ministro Gilmar Mendes serviu de pretexto para melar a operação contra o banqueiro Daniel Dantas, que, aliás, operava uma das contas-ônibus no escândalo do Banestado.
Pressionado, o juiz Fausto De Sanctis
viu-se obrigado a aceitar a promoção para a segunda instância. Hoje
cuida de processos previdenciários. O delegado e ex-deputado Protógenes
Queiroz foi perseguido e tratado como vilão. Em agosto, acabou exonerado
da Polícia Federal.
Não foi muito diferente com Celso Três e José Castilho. O
procurador despacha atualmente em Porto Alegre. O delegado foi
transferido para Joinville, em Santa Catarina, e nunca mais chefiou uma
operação.
Nenhum deles foi elevado ao pedestal como o ex-ministro do
STF Joaquim Barbosa e o juiz Sergio Moro, que agora colhe as glórias
negadas durante o caso Banestado. Teria o magistrado refletido sobre as
diferenças entre uma e outra investigação?
Fonte Tijolaço
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