Fabiano Santos, um dos mais experientes cientistas políticos no tema
democracia e parlamento, explica porque o processo de impeachment da
presidenta Dilma carece fundamentos em todos os campos.
Rechaçar o Impeachment
Por Fabiano Santos (IESP-UERJ), no site da ABCP (Associação Brasileira de Ciência Política).
O impeachment acatado pelo presidente da Câmara dos Deputados,
Eduardo Cunha, deve ser rechaçado pelas seguintes razões principais:
1) Porque padece de óbvia fragilidade jurídica. Por um lado, como nos
ensinou o político e jurista Paulo Brossard, o impeachment é um
processo jurídico e político. Não basta haver uma avaliação ruim do
desempenho governamental. É necessário também indicar qual o ato
perpetrado pelo chefe do Executivo a caracterizar o cometimento de
crime, durante o exercício do mandato, ato a partir do qual este teria
obtido vantagens pessoais indevidas. Sem tal indicação, torna-se o
processo puramente político, afrontando o que estabelece a Constituição.
Ora, a votação do PLC 05/2015 jogou por terra qualquer possiblidade de
se embasar um eventual crime de responsabilidade nas chamadas “pedaladas
fiscais”, uma vez que através dela autorizou-se o governo a adequar
suas práticas contábeis à legislação vigente, como bem assinalou o
jurista Luiz Moreira em artigo recente. Por outro lado, é comum ouvir a
objeção segundo a qual o problema jurídico e criminal residiria no
conjunto da obra do governo, sobretudo do partido da presidente, o PT,
enredado em várias denúncias de corrupção decorrentes da operação Lava
Jato. Deixando de lado o ponto já mencionado de não haver ato específico
denotando cometimento de crime por Dilma Rousseff, incluindo-se aí as
investigações em torno da operação Lava Jato, vale notar que não é
apenas o PT que se vê envolvido em possíveis ilícitos no bojo desta. O
PMDB, partido de Michel Temer, encontra-se tão ou mais implicado na
investigação. Por decorrência, se na base da fundamentação jurídica do
processo existe uma imputação genérica de esquema de desvio de recursos
públicos para fins pessoais e políticos, a mesma imputação atinge o
partido do vice-presidente. Assim, do ponto de vista jurídico, nem PT,
nem PMDB poderiam permanecer à frente da chefia do Executivo;
2) Porque padece de argumentação política razoável. É preciso
ressaltar e exaurir a noção básica de que impeachment não equivale a
recall. Verdade que o governo não tem se havido da melhor maneira no
âmbito econômico. A inflação atinge a renda dos assalariados, o
desemprego cresce, investimentos caem etc… É verdade também, contudo,
que a conjuntura econômica de crise decorre de um cenário global muito
desfavorável, agravado por uma situação de stress nas relações do
governo com sua base de apoio formal no Congresso. Se o governo tem sua
parcela de responsabilidade no manejo ineficiente da coalizão, também é
verdade que medidas básicas, óbvias de estabilização da situação fiscal
têm recebido no legislativo a recusa de seus mesmos proponentes no
passado, denotando com isso um clima de radicalização política
artificial, porque não fundado em razões e interesses sólidos, e
desestabilização voluntária da situação fiscal do Estado brasileiro. De
toda forma, se existe alguma forma democrática de correção de rumos em
contexto de mau desempenho governamental, esta consiste em deixar as
urnas falarem. Ou seja, do ponto de vista político democrático, o
governo deve sofrer punição no local e hora marcados para esse fim em
regimes democráticos, a saber, no pleito presidencial e legislativo de
2018;
3) Porque padece de visão de futuro minimamente responsável. Até
meados de 2013, o Brasil era considerado exemplo de democracia
consolidada e em vias de modernização. Indicadores internacionais de bom
desempenho só fazem crescer quando se leva em conta a experiência
histórica brasileira desde a promulgação da Carta de 1988. A partir das
chamadas jornadas de 2013 algo muda no clima político do país. Uma
retórica de intolerância e ódio e o uso de violência passam ser
admitidos no repertório legítimo de manifestações de valores e
interesses políticos. Uma eventual vitória do impeachment será a vitória
da atitude política autoritária, baseada na força e na intimidação, na
ética da convicção contra a responsabilidade do procedimento, e não em
bons argumentos e no convencimento. Para quem se preocupa com uma
pedagogia democrática de longo prazo, portanto, nada mais aterrorizante
do que o sucesso desta aventura.
4) Porque padece de legitimação societal. O impeachment deve resultar
sempre de um amplo consenso social, pela gravidade de suas implicações e
excepcionalidade do instrumento. Não pode ser a sobreposição de uma
parte pela outra, vitória de uma facção e derrota de parcelas
significativas da sociedade. Ora, várias instituições e atores sociais
centrais do país vêm sinalizando há muito tempo para a oposição sobre o
caráter arriscadamente “golpista” da empreitada, com todas as
implicações que tal termo carrega na história brasileira. Voltando ao
ponto da visão de futuro, uma imposição do impeachment via artimanhas
regimentais orquestradas por um presidente do legislativo com baixíssima
popularidade, minará a legitimidade social de vários governos que virão
daqui por diante, porque decorrentes de um processo histórico de
ruptura antidemocrática do jogo político.
5) Porque no fundo trata-se de conspiração palaciana. Como
decorrência do ponto anterior, dado que o processo não decorre de um
amplo consenso social, nem de ampla mobilização popular, a recortar
setores, classes, regiões e faixas etárias, sendo também carente de
fundamentação jurídica sustentável, se prosperar, encerrará todas as
características de uma conspirata palaciana (Palácio Jaburu, no caso) e
de gabinete. Voltando ao ponto 3, para os colegas que se importam com
reputação internacional e rankings de desempenho político, ficaremos mal
na fita, para dizer o mínimo.
O cenário que se avizinha no Brasil é de muita dificuldade. Governo
frágil numa situação de crise fiscal e econômica grave já indica tempos
difíceis. Contudo, a legitimidade das urnas mantém a possibilidade de
recomposição de forças ao centro e à centro-esquerda em torno da agenda
do ajuste fiscal e tentativa de diminuição da inflação aliada a alguma
retomada do investimento. O pior cenário resultaria se da crise emergir
um presidente não sancionado mediante eleições, mas de conspiração e
golpes de força. Neste caso, à crise econômica somar-se-á convulsão
social duradoura e o eventual de uso do aparato repressor do estado.
Definitivamente o país não merece esse retrocesso.
Fonte O Cafezinho
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