O autor da modernizadora medida é Nilson Leitão (PSDB-MT), um dos deputados linha-de-frente da bancada ruralista. Sem desprezar usos e costumes de seu partido, Nilson Leitão teve mais da metade (58,13%) do valor de sua campanha financiada pelo setor agropecuário. Agora ele presta o serviço para o qual recebeu antecipadamente.
Por Pedro Donato
Aquilo que esteve circulando em
formato de memes nas redes sociais, em críticas de cartunistas ou
discursos à priori exagerados da oposição começa a tomar forma real. O
governo Temer pode passar para a história como sendo o responsável por
revogar a lei Áurea.
Um projeto de lei pretende uma
reforma trabalhista destinada aos trabalhadores rurais que tem a
desfaçatez de propor, entre outros, que aos empregadores seja permitido
remunerar os empregados com qualquer ‘espécie’ em substituição à moeda.
Pode-se pagar pelo trabalho com alimentação e moradia, por exemplo.
A jornada diária de trabalho
poderá chegar a 12 horas por ‘motivos de força maior’ e regulamenta
períodos de até 18 dias seguidos de labuta antes de gozar algum
descanso. Férias também poderão ser vendidas integralmente.
O autor da modernizadora medida é
Nilson Leitão (PSDB-MT), um dos deputados linha-de-frente da bancada
ruralista. Para ele, existe um ‘preconceito muito grande da Justiça do
Trabalho com o trabalhador rural’, pois a CLT e demais normas do
Ministério do Trabalho foram ‘elaborados com base nos conhecimentos
adquiridos no meio urbano, desprezando usos, costumes e a cultura do
campo’.
Sem desprezar usos e costumes de
seu partido, Nilson Leitão teve mais da metade (58,13%) do valor de sua
campanha financiada pelo setor agropecuário. Agora ele presta o serviço
para o qual recebeu antecipadamente.
Após a notícia da aberração em
forma de projeto de lei vir à público pelo jornal Valor Econômico, a
Frente Parlamentar da Agricultura soltou uma nota sobre o PL 4662/2016
tentando justificar a bizarrice e desqualificar a matéria.
“Vários são os dispositivos em
que se busca uma necessária atualização ou adequação às necessidades do
campo, já que boa parte da legislação aplicável ao setor decorre de
normas tipicamente urbanas.”
E mais: “Algumas pessoas por
incompreensão do texto, ou mesmo por total desconhecimento decorrente da
falta de leitura, têm levantado hipóteses que definitivamente não são
verdadeiras, como, por exemplo, no possível estabelecimento de jornada
de 12 horas diárias. O tema jornada de trabalho está descrito no art. 6º
que assim diz: A duração do trabalho normal não será superior a 8 horas
diárias”, afirma o texto.
Sim, o artigo 6º diz isso mesmo. O que a nota não diz é
que já o artigo seguinte (o 7º) faz a ressalva: “Admite-se a
prorrogação da jornada diária de trabalho por até 4 (quatro) horas ante
necessidade imperiosa ou em face de motivo de força maior”.
Bem, deputado, ainda que
‘costumes e a cultura’ sejam sejam distintos, tanto na cidade como no
campo, 8 com mais 4 resulta em 12, não?
Com a retórica favorita dos
tempos atuais entre os apoiadores – e aproveitadores – da reforma
trabalhista, o PL de Nilson Leitão traz a conversa de que acordos devem
prevalecer sobre leis. Acordo entre patrão e empregado é desse jeito:
‘Aqui é assim, se quer, quer. Se não quer, rua’. E no meio rural, tendo
recebido moradia e comida em forma de remuneração, o trabalhador nem
opção de ‘rua’ tem. Fica refém de um ‘acordo entre as partes’.
Tanto no meio urbano como no
meio rural, o descanso é fundamental. Morre-se de tanto trabalhar seja
no escritório, seja na lavoura. Por fundamental, tornou-se direito assim
como tantos outros que foram obtidos a duras penas para evitar abusos
da parte mais forte.
O trabalho rural era
regulamentado por um Estatuto do Trabalhador Rural. Foi só a partir da
Constituição Federal de 1988 que o trabalhador rural alcançou os mesmos
direitos do trabalhador urbanos como indenização, aviso prévio, salário,
férias, repouso remunerado, sistema de compensação de horas, proteção
especial à mulher e ao menor.
Agora, nesses tempos mais que
sombrios, busca-se revogar essas conquistas. E o faz apresentando a
justificativa da modernização, da atualidade.
Ora, o zeitgeist deste governo é
ter um ocupante que só sabe como estão as coisas na vida real pois tem
uma ‘bela recatada do lar’ que lhe diz como estão os preços no
supermercado. Michel Temer é um cara tão sincronizado com os tempos
atuais que escalou um time inicial de ministros sem uma única mulher. E
quer falar em modernização?
O governo ilegítimo a cada dia
batalha mais duramente pelas intenções implícitas e explícitas dos
golpistas e tenta mesmo revogar a lei Áurea mesmo. E isso não é uma
charge da Laerte, infelizmente.
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