Não há sentido de grandeza nas ações dos nossos políticos, nem honra em servir o bem público, nem ambição de conquistar a glória imorredoura dos grandes feitos construídos pelo espírito heróico do desprendimento sacrificante da doação pessoal pelo país. Os nossos políticos almejam a reputação dos mesquinhos, as pequenas manobras dos espertalhões, as palavras lustrosas dos demagogos, os atos teatrais dos charlatões.
Por Aldo Fornazieri
Cientista político e professor da
Fundação Escola de Sociologia e Política
Cientista político e professor da
Fundação Escola de Sociologia e Política
No último dia dois de agosto de 2017 assistimos, paralisados, a morte
moral do Brasil. Pela primeira vez na história, um presidente da
República foi flagrado cometendo crimes e os falsos representantes do
povo decidiram dar-lhe aval para que ele siga impune no exercício da mas
alta magistratura do país sem que a tenha recebido da vontade do povo.
Pelo contrário, deixaram-no no cargo contra a vontade da esmagadora
maioria do povo. De lá para cá, o país sangra sem dignidade e o pavilhão
auriverde tremula com as manchas cinzentas da vergonha.
A morte moral do Brasil não foi acompanhada pelo tinir de batalhas nas ruas e nas praças, por gritos de indignação, e pelo rufar de tambores da guerra. Com exceção de uma escaramuça aqui, outra acolá, o povo assistiu cabisbaixo a morte da dignidade nacional. O que se ouviu foram lamentos de desesperança de uma sociedade fraca que se afunda em sua fraqueza, de um povo desanimado, incapaz de qualquer ato de virilidade combativa.
A morte moral do Brasil não foi acompanhada pelo tinir de batalhas nas ruas e nas praças, por gritos de indignação, e pelo rufar de tambores da guerra. Com exceção de uma escaramuça aqui, outra acolá, o povo assistiu cabisbaixo a morte da dignidade nacional. O que se ouviu foram lamentos de desesperança de uma sociedade fraca que se afunda em sua fraqueza, de um povo desanimado, incapaz de qualquer ato de virilidade combativa.
O que se viu foi um povo cativeiro de sua própria impotência, sequer
comparável aos hebreus escravizados no Egito, porque aqui não há um
Moisés libertador, capaz de conduzi-lo a uma Terra Prometida qualquer.
Os nossos políticos são valentes em seus gabinetes, são combativos em
sua vaidade, são espalhafatosos em suas inconsequências e são heróis de
sua própria covardia. Não, aqui o povo está cativo em sua própria terra,
sem um líder que o convoque para a luta, que possa servir-lhe de
exemplo, de inspiração.
O assassinato moral do Brasil não deixou viúvas vingativas, filhas
revoltadas, filhos, parentes e amigos desensarilhando armas para o
combate. Silêncio, fastio, recolhimento, desalento e resignação são os
entes que acompanham o triste féretro por onde passa o corpo insepulto
deste país apunhalado em sua inglória trajetória, extraviada nos tempos.
O povo bestializado que viu nascer a República - no dizer de
Aristides Logo - proclamada por um marechal monarquista, sem saber o que
estava acontecendo, é o mesmo povo bestializado de hoje que viu Temer
ser salvo porque a vida é assim, porque os políticos são assim, porque o
Brasil é assim e porque nada importa. Tanto fez, como tanto faz.
Resignação e indiferença parecem ser os melhores remédios quando não há
ânimo no espírito, quando não há virtudes cívicas, quando não há coragem
e disposição para a luta, quando não há líderes autênticos. Resignação e
indiferença é a melhor maneira de enfrentar a trágica normalidade,
porque nada muda numa realidade pacata, violentamente pacata, que sempre
foi assim e sempre será assim.
Os políticos de Brasília, os operadores do mercado financeiro, os
grandes capitalistas, os empresários da Fiesp que nunca pagam o pato,
não choram por este Brasil moralmente decapitado. Não choram pelos 60
mil mortos anuais que acompanham esse corpo de um Brasil saqueado; não
choram pelas mães e pelas viúvas de jovens assassinados; não choram
pelos milhares de corpos mutilados no trânsito; não choram pelo choro
das crianças baleadas no ventre das mães, da meninas abatidas pelas
balas perdidas; não choram pelos doentes amontoados nos corredores dos
hospitais públicos; não choram pelas crianças que não têm leite, pelo
trabalhador que não dorme, pela empregada doméstica humilhada e pelas
famílias que não têm lar. Os políticos choram pelo teu voto, pela
propina dos empresários, pelo cargo público para os apadrinhados, pelo
enriquecimento privado.
Não há sentido de grandeza nas ações dos nossos políticos, nem honra
em servir o bem público, nem ambição de conquistar a glória imorredoura
dos grandes feitos construídos pelo espírito heróico do desprendimento
sacrificante da doação pessoal pelo país. Os nossos políticos almejam a
reputação dos mesquinhos, as pequenas manobras dos espertalhões, as
palavras lustrosas dos demagogos, os atos teatrais dos charlatões.
Os historiadores nos descreverão em cinza sobre cinza
Os historiadores do futuro haverão de descrever o nosso tempo em
páginas cinzentas com letras cinzentas, pois nada de dignificante e
glorioso há o que se relatar. Há que se relatar os andrajos morais de um
país sem dignidade, uma época de covardias de gentes indisponíveis para
a luta. Há que se relatar uma tenebrosa noite de incertezas, de rostos
deprimidos pela desesperança. Há que se relatar um tempo de políticos
que engrandeceram os bolsos para empobrecer a pátria, de empresários que
compraram políticos para se apoderar dos cofres públicos, de
inconfidentes contra a Constituição que deveriam ser seus próprios
guardiões.
Há que se relatar um tempo em que o país foi assaltado por políticos
velhacos e quadrilheiros, cuja competição não era para inscrever nas
páginas da história as vitórias triunfais na construção de um país
grandioso, mas para ver quem se apossava mais do botim do tesouro
público, para ver quem era o melhor amigo dos empresários para
solicitar-lhe a propina em troca de favores escusos.
As gerações futuras sentirão vergonha do nosso tempo, sentirão
desprezo pela nossa covardia e pela nossa prostração. Serão justas se
não sentirem nenhuma magnanimidade compreensiva, pois não a merecemos.
Não mereceremos a benevolência do perdão porque estamos legando a elas
uma herança trágica, de um país que se arraigou à sua desigualdade, à
sua incultura, à sua indignidade e à sua falta de coragem.
As gerações futuras nos condenarão a nós e a nossos inimigos. A nós
porque fracassamos de livrar o Brasil de seu opróbrio; não fomos capazes
de enfrentar os inimigos do povo com a astúcia virtuosa do bom combate;
nos enredamos nas auto-justificativas pueris dos nossos próprios
fracassos; não tivemos princípios de conduta disciplinadores; não
nutrimos traços de caráter intransigentes com as injustiças e com as
desigualdades; não fomos inconformados com os nossos próprios erros e
fracassos; não tivemos a virtù guerreira para proteger e liderar os mais
fracos e arrancar dos poderosos os frutos de suas rapinas.
Os nossos inimigos serão condenados pela encarnação histórica do mal
que sempre foi feito desde que o Brasil é Brasil. São a continuação dos
massacres contra os índios, dos açoites e dos grilhões contra os negros,
do sangue derramado dos camponeses nos campos vastos do Brasil, do
cansaço, suor e lágrimas dos trabalhadores explorados. São a continuação
da violência sexual, moral e laboral contra as mulheres.
Michel Temer e seu governo são uma síntese de toda essa perversidade
criminosa que cobre o Brasil de sangue, de vergonha e de indignidade.
Quando as forças terríveis do Hades tragarem Temer para as profundezas
dos abissais, não lhes será erguida nenhuma estátua para que fique na
memória do país. Essas forças o arrastarão para os campos do
esquecimento eterno. E se alguém encontrar a sua sepulura em tempos
remotos do futuro haverá de ler: "aqui jaz um corrupto que destruiu o
Brasil para salvar o seu mandato ilegítimo".
Fonte Brasil 247